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Só a Igreja pode responder ao choro da criança

Dan Brewster nos levou a olhar para a Igreja, no segundo dia da 2ª Consulta Teologia da Criança (12/6). Ele se volta ao clamor de Raquel em Gênesis 30.1, quando ela diz: “Senhor, dá-me filhos ou vou morrer!”, e defende que a Igreja deveria dizer isto hoje, em especial no contexto europeu onde se encontram grandes catedrais vazias: “elas não fizeram esta oração e morreram”.

Para Brewster, é da igreja a responsabilidade de alimentar o desenvolvimento espiritual do corpo de Cristo, fazendo com que as crianças e suas famílias cresçam. Porém ele recomenda que diminuamos a conversa sobre valores e comecemos a falar sobre virtudes, pois pouco se ouve falar nelas. Fala-se em valores, mas valores não são comuns a todos, são diferentes e pode ser até que não sejam bons. Virtudes por outro lado, estão baseadas nas tradições judaico-cristãs: elas requerem ação e uma resposta moral.

“Compromisso, moderação, honestidade, humildade, alegria, lealdade, verdade, gratidão... tudo isso são virtudes e não ouvimos sobre isso na mídia ou mesmo nas organizações sociais. Eu tenho pedido por isso, para que a gente fale tanto entre nós sobre os valores cristãos, mas também para os outros sobre as virtudes”.

Em seguida, Brewster faz e tenta responder algumas perguntas importantes para nossa reflexão sobre a criança e a Igreja:

Por que a Igreja tem responsabilidade especial de cuidar das crianças?

Podemos agradecer à UNICEF e ao governo, diz Brewster, mas ele não acredita que o que é feito pelo Estado e pelas organizações seculares terão bons e duradouros resultados. Pois quando nos aproximamos dos problemas sem as virtudes, e quando nos aproximamos dessas situações sem a capacidade de trabalhar os problemas do coração, não faremos muita diferença.

Por exemplo, vários países enviam muito dinheiro para outros países mais pobres, mas não resolvem a pobreza, porque este é um problema relativo também ao coração e só a Igreja tem os recursos para chegar de fato a este problema.

Por que a Igreja tem a capacidade e os recursos para dar uma resposta ao problema?

Hagar no deserto é uma passagem fascinante e é essencial para se entender a relação entre Deus e a Igreja, a Igreja e a criança, defende Brewster. Este não é um ponto alto da vida de Abraão. Deus disse que ele seria pai de uma grande nação, mas ele não esperou o tempo de Deus, que sempre é o tempo certo. Deus concedeu a Sara um filho e agora Ismael e Isaque estão brigando. Abraão coloca então o menino Ismael no burro e o manda para o deserto, para morrer, pois que outra opção teria? Não tinha comida, água. Que outra alternativa teria? E nessa situação, em que a mãe não consegue ficar perto de Ismael, encontramos um versículo fascinante: “Deus ouviu o choro da criança”.

Para Brewster, esta passagem é para a igreja. As crianças estão chorando. Deus ouve ainda? Claro que sim! Porém, no caso de Ismael, Deus não só ouviu, mandou seu mensageiro. Deus ainda usa seus anjos hoje, mas também envia sua Igreja, e assim como o anjo pergunta à Hagar qual era o problema e por que a criança chora, a Igreja também precisa perguntar hoje por que elas estão chorando. Às vezes estão ao lado da igreja e não conseguimos ouvir; ela está sendo abusada pelo pai todo dia, mas não ouvimos. Não vamos ouvir apenas a UNICEF, vamos perguntar: por que a criança esta chorando?

Depois disso, o anjo encoraja Hagar. Ela estava com medo, por isso o anjo diz: “não tenha medo”. Muitos estão envolvidos com crianças que estão sofrendo muito, mesmo as pessoas que trabalham com crianças nas igrejas. Não é fácil! Temos que falar a elas: “não temam”. Devemos dar encorajamento, treinamento, retiros, descansos. Os líderes das igrejas precisam reconhecer como este trabalho é difícil e reconhecer o esforço dessas pessoas. Os pastores não vão se tornar cuidadores, mas podem ter o papel de apoiadores e incentivadores que saibam que o trabalho dos outros é importante.

Depois do encorajamento, o próximo passo é dar orientações de como cuidar da criança: pegue o menino pela mão. A primeira coisa é salvar a vida, a segunda é levantar e pegar pela mão. O anjo está dizendo: “caminha com o menino, ensina-o”. E Deus faz uma promessa a Hagar: “eu vou fazer dele uma grande nação”. Imagine isto: ela gritava desesperada e não sabia se viveria até o dia seguinte, a última coisa que pensou em ouvir era que seu filho seria o pai de uma grande nação. Deus tem promessas para as crianças do Brasil e talvez essa promessa surja quando pensamos que todos os recursos se acabaram.

O mais bonito da história é que Deus abriu os olhos de Hagar para um poço de água que havia ali perto. Ele não levou um caminhão, nem abriu um poço, mas abriu seus olhos. Ela e o menino precisavam de água, iriam morrer de sede e a água estava ali perto. Pode ser que estejamos em uma situação desesperadora no Brasil e não saibamos dar a resposta, mas Deus pode abrir nossos olhos.

Ismael cresceu no deserto e se tornou um arqueiro. Deus não o tirou do deserto, mas se tornou seu amigo no deserto. Como falar às crianças brasileiras que Deus é amigo delas? Esta experiência deixou marcas em Ismael, mesmo tendo Deus como amigo. Só a Igreja pode ouvir o choro e ir ao encontro dos problemas do coração.

Por que só a Igreja responde como Deus quer?

Brewster responde à sua última pergunta afirmando que só a igreja tem uma compreensão profunda do que é a dignidade humana, dos seres criados à imagem de Deus. Esta visão é estranha para o mundo secular e para as outras religiões também. Nós temos uma compreensão tão bonita de que fomos criados à imagem de Deus; inclusive as meninas, que são vistas como inferiores principalmente no oriente.

Vemos em Davi um exemplo. Ele quis saber se havia um herdeiro de Saul a quem ele pudesse honrar. Saul tinha um neto chamado Mefibosete que, no dia em que seu avô e pai morreram, sofreu um acidente e aparentemente ficou paralítico. Mefibosete vem diante de Davi, o rei, com medo. Davi fala: “não tenha medo, vou honrar você”, mas ele responde: “por que você faria isso por um cachorro morto como eu?”. Mefibosete não se vê com valor, mas Davi vê o herdeiro de Saul.

Segundo o preletor, somente os cristãos conseguem ver o valor das pessoas. Das pessoas com deficiência, das pessoas que foram abusadas, das pessoas que começam a acreditar em mentiras sobre elas.

Só a Igreja consegue ter essa compreensão do valor inerente ao ser humano e Jesus é o nosso exemplo maior de proteger e restaurar o valor que as pessoas têm de si mesmos. A mulher samaritana não tinha uma reputação muito boa, mas Jesus pôde passar por cima disso e ver uma mulher preciosa, que tem valor e ela se tornou a primeira missionária. Na casa de Simão, surge outra mulher com reputação dúbia e Simão diz: “se ele soubesse quem ela é”. Ora, Jesus sabia exatamente quem ela era, foi ele quem restaurou sua dignidade.

Da mesma forma, só os cristãos têm os recursos especiais para lidar com as raízes dos problemas que temos hoje, só os cristãos podem ver esse valor inerente à pessoa humana, pois não vemos de onde elas vieram ou o que elas fizeram, mas vemos o que eles devem ser em Deus.

A Consulta continua até amanhã (13/6) e tem a participação de outros preletores, como Carlos Queiroz, Valdir Steuernagel e Ariovaldo Ramos, além da apresentação de trabalhos sobre reflexões teóricas e aplicação prática da Teologia da Criança. Ontem, Dan Brewster, autor de “A Criança, a Igreja e a Missão”, abordou o tema “criança”; amanhã ele fará sua exposição sobre “a criança e a missão”.


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Tábata Mori é jornalista, mestre em Missiologia (CEM) e missionária transcultural da Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB/APMT
  • Textos publicados: 15 [ver]

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