Opinião
- 24 de setembro de 2015
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Os refugiados, as migrações e o propósito do Criador
Compreendamos a experiência dos movimentos populacionais e migratórios na história, a partir do discurso de Paulo em Atenas:
... de um só fez a raça humana para habitar sobre toda a face da terra, havendo fixado os tempos previamente estabelecidos e os limites da sua habitação; para buscarem a Deus se, porventura, tateando, o possam achar, bem que não está longe de cada um de nós .... (At 17.26,27).
A raça (etnia) humana é uma só e originou-se de um só (Eva e Adão), mas diferenciou-se em milhares de etnias sujeitas às épocas (oportunidades, tempos, estações) e aos espaços geográficos (limites, fronteiras) de sua ocupação (habitação, formas sociais e construções culturais). As mudanças de lugar nos tempos e nas épocas serviram e servem ao propósito último de buscarem e encontrarem ao Criador, pois Ele não está longe de ninguém.
Foram inúmeras e distintas as experiências da humanidade em termos de migrações e deslocamentos, até chegarmos aos refugiados de nossos dias. Como demonstração disso, apresentamos nesse artigo algumas migrações na história a fim de mostrar o quanto esse fenômeno foi contínuo.
Comecemos pelo Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí, que reúne centenas de registros arqueológicos da presença humana que remonta entre 10 a 20 mil anos a. C., ou mais, uma das regiões mais antigas da morada do homem americano. Grupos humanos em levas oriundas no norte ou no sul do continente atravessaram florestas, cânions, serras e paredões a fim de encontrarem um lugar com abrigo, alimento, caça e fontes de água.
O resfriamento da região deu origem a uma floresta tropical com um clima favorável à fixação humana. Nos seus boqueirões são encontrados traços da cultura forjada durante milênios como os restos de fogueiras, as pedras esculpidas, os artefatos de uso cotidiano, os esqueletos de enterramentos em rituais religiosos, as pinturas rupestres nas paredes das cavernas, os vestígios de alimentos como grãos secos e fósseis de animais.
Nossos ancestrais desenvolveram formas de vida complexas a procura de condições de vida. Construíram, até a chegada dos espanhóis e portugueses, povoados, cidades e civilizações com graus de sofisticação superiores ao dos europeus no século XV, a exemplo dos maias, astecas e incas. E é fascinante conhecer essas vivências dos povos antigos com seus modos rudimentares de sobrevivência e expressões criativas de arte, de cultura e de religião. A humanidade sempre foi plural.
Desde as populações mais simples, em termos de organização social, até às civilizações mais complexas, migrações e deslocamentos foram permanentes provocadas por variados fatores, não somente pelo nomadismo em busca de regiões férteis: pilhagens, saques, invasões, capturas, fugas e diásporas. Sobre os povos indo-europeus, Mircea Eliade afirmou que “o nomadismo pastoril, a estrutura patriarcal da família, o gosto pelas razias e a organização militar com vistas à conquistas [foram seus] traços característicos”. 1
Os contatos interculturais e transculturais, de trocas constantes de valores e de práticas culturais, sempre marcaram a raça humana. Sob o imperativo da conquista ou das relações políticas e comerciais, culturas se hibridizaram gerando desde as sociedades singulares até aos grandes impérios. As visões de mundo, os imaginários e as ideologias foram forças conjuntas que sustentaram essas ações pelas mediações culturais, também definidas pela desigualdade entre conquistadores e conquistados.
Grandes impérios foram responsáveis pelo deslocamento de populações com objetivos comerciais, expansionistas e civilizadores. Os assírios misturavam pessoas de diferentes lugares, tal como aconteceu com o Israel do norte em 722 a. C.. Os babilônios se apropriavam das elites e as transportavam para as suas cidades, a exemplo do reino do Sul, Judá, em 587 a. C. Os persas interligaram os povos sob os seus domínios respeitando as culturais locais, mas impondo suas práticas comerciais e administrativas. Os gregos conquistavam cidades impondo o comércio e escravizando os derrotados. Os macedônios expandiram a cultura helênica com seus avanços territoriais, unindo o ocidente ao oriente.
Uma variedade de povos veio, nos séculos I-VI d. C., desde o extremo oriente e varreu os limites de um já fragilizado império romano erigido em torno do mar mediterrâneo. Aqueles bárbaros refizeram as fronteiras culturais, linguísticas e físicas do que viria ser a Europa moderna. Tribos e clãs árabes islamizadas engendraram conquistas na Ásia menor até a capital bizantina e rumaram pelo norte da África adentrando a península ibérica nos séculos VII-IX. Inicialmente, as dinastias muçulmanas respeitaram os costumes, as religiões e as práticas locais, mas impuseram gradativamente a sua religião.
A Europa central no medievo barrou esse avanço e cristianizou suas cidades e feudos, partindo, nos sécs. XI-XIII para o oriente em cruzadas de reconquista da terra santa, acirrando o ódio histórico. No alvorecer da modernidade, essa civilização dita cristã partiu para as índias em reação à ameaça turca e à ruptura da cristandade causada pela Reforma Protestante, impulsionada pelos interesses comerciais. Indígenas e africanos foram explorados e escravizados, aqueles domesticados em nome da religião e esses arrancados da África dos séculos XVII a XIX. Diásporas africanas.
Uma nova expansão imperialista europeia se deu no século XIX, tendo o cristianismo como força religiosa identificada com a civilização tomada como superior, resultando em duas grandes guerras europeias e mundiais. Após a segunda guerra, o fenômeno dos refugiados se agravou no contexto da guerra fria, da descolonização e dos conflitos locais étnicos e religiosos, acirrados pela dominação europeia e norte-americana.
-- Este é o primeiro artigo de uma série de três sobre o assunto.
Nota:
1. ELIADE, Mircea. História das crenças e das Ideias Religiosas: Da Idade da Pedra aos mistérios de Elêusis. Trad. Roberto Cortes de Lacerda. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.
Foto: Portas Abertas.
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... de um só fez a raça humana para habitar sobre toda a face da terra, havendo fixado os tempos previamente estabelecidos e os limites da sua habitação; para buscarem a Deus se, porventura, tateando, o possam achar, bem que não está longe de cada um de nós .... (At 17.26,27).
A raça (etnia) humana é uma só e originou-se de um só (Eva e Adão), mas diferenciou-se em milhares de etnias sujeitas às épocas (oportunidades, tempos, estações) e aos espaços geográficos (limites, fronteiras) de sua ocupação (habitação, formas sociais e construções culturais). As mudanças de lugar nos tempos e nas épocas serviram e servem ao propósito último de buscarem e encontrarem ao Criador, pois Ele não está longe de ninguém.
Foram inúmeras e distintas as experiências da humanidade em termos de migrações e deslocamentos, até chegarmos aos refugiados de nossos dias. Como demonstração disso, apresentamos nesse artigo algumas migrações na história a fim de mostrar o quanto esse fenômeno foi contínuo.
Comecemos pelo Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí, que reúne centenas de registros arqueológicos da presença humana que remonta entre 10 a 20 mil anos a. C., ou mais, uma das regiões mais antigas da morada do homem americano. Grupos humanos em levas oriundas no norte ou no sul do continente atravessaram florestas, cânions, serras e paredões a fim de encontrarem um lugar com abrigo, alimento, caça e fontes de água.
O resfriamento da região deu origem a uma floresta tropical com um clima favorável à fixação humana. Nos seus boqueirões são encontrados traços da cultura forjada durante milênios como os restos de fogueiras, as pedras esculpidas, os artefatos de uso cotidiano, os esqueletos de enterramentos em rituais religiosos, as pinturas rupestres nas paredes das cavernas, os vestígios de alimentos como grãos secos e fósseis de animais.
Nossos ancestrais desenvolveram formas de vida complexas a procura de condições de vida. Construíram, até a chegada dos espanhóis e portugueses, povoados, cidades e civilizações com graus de sofisticação superiores ao dos europeus no século XV, a exemplo dos maias, astecas e incas. E é fascinante conhecer essas vivências dos povos antigos com seus modos rudimentares de sobrevivência e expressões criativas de arte, de cultura e de religião. A humanidade sempre foi plural.
Desde as populações mais simples, em termos de organização social, até às civilizações mais complexas, migrações e deslocamentos foram permanentes provocadas por variados fatores, não somente pelo nomadismo em busca de regiões férteis: pilhagens, saques, invasões, capturas, fugas e diásporas. Sobre os povos indo-europeus, Mircea Eliade afirmou que “o nomadismo pastoril, a estrutura patriarcal da família, o gosto pelas razias e a organização militar com vistas à conquistas [foram seus] traços característicos”. 1
Os contatos interculturais e transculturais, de trocas constantes de valores e de práticas culturais, sempre marcaram a raça humana. Sob o imperativo da conquista ou das relações políticas e comerciais, culturas se hibridizaram gerando desde as sociedades singulares até aos grandes impérios. As visões de mundo, os imaginários e as ideologias foram forças conjuntas que sustentaram essas ações pelas mediações culturais, também definidas pela desigualdade entre conquistadores e conquistados.
Grandes impérios foram responsáveis pelo deslocamento de populações com objetivos comerciais, expansionistas e civilizadores. Os assírios misturavam pessoas de diferentes lugares, tal como aconteceu com o Israel do norte em 722 a. C.. Os babilônios se apropriavam das elites e as transportavam para as suas cidades, a exemplo do reino do Sul, Judá, em 587 a. C. Os persas interligaram os povos sob os seus domínios respeitando as culturais locais, mas impondo suas práticas comerciais e administrativas. Os gregos conquistavam cidades impondo o comércio e escravizando os derrotados. Os macedônios expandiram a cultura helênica com seus avanços territoriais, unindo o ocidente ao oriente.
Uma variedade de povos veio, nos séculos I-VI d. C., desde o extremo oriente e varreu os limites de um já fragilizado império romano erigido em torno do mar mediterrâneo. Aqueles bárbaros refizeram as fronteiras culturais, linguísticas e físicas do que viria ser a Europa moderna. Tribos e clãs árabes islamizadas engendraram conquistas na Ásia menor até a capital bizantina e rumaram pelo norte da África adentrando a península ibérica nos séculos VII-IX. Inicialmente, as dinastias muçulmanas respeitaram os costumes, as religiões e as práticas locais, mas impuseram gradativamente a sua religião.
A Europa central no medievo barrou esse avanço e cristianizou suas cidades e feudos, partindo, nos sécs. XI-XIII para o oriente em cruzadas de reconquista da terra santa, acirrando o ódio histórico. No alvorecer da modernidade, essa civilização dita cristã partiu para as índias em reação à ameaça turca e à ruptura da cristandade causada pela Reforma Protestante, impulsionada pelos interesses comerciais. Indígenas e africanos foram explorados e escravizados, aqueles domesticados em nome da religião e esses arrancados da África dos séculos XVII a XIX. Diásporas africanas.
Uma nova expansão imperialista europeia se deu no século XIX, tendo o cristianismo como força religiosa identificada com a civilização tomada como superior, resultando em duas grandes guerras europeias e mundiais. Após a segunda guerra, o fenômeno dos refugiados se agravou no contexto da guerra fria, da descolonização e dos conflitos locais étnicos e religiosos, acirrados pela dominação europeia e norte-americana.
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Nota:
1. ELIADE, Mircea. História das crenças e das Ideias Religiosas: Da Idade da Pedra aos mistérios de Elêusis. Trad. Roberto Cortes de Lacerda. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.
Foto: Portas Abertas.
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Lyndon de Araújo Santos é historiador, professor universitário e pastor da Igreja Evangélica Congregacional em São Luís, MA. Faz parte da Fraternidade Teológica Latino-americana - Setor Brasil (FTL-Br).
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