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- 02 de março de 2018
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O que a igreja venezuelana está aprendendo com a crise?
“A cada início de tarde, dezenas de pessoas rondam o depósito de lixo do feirão de Coche, no sul de Caracas, à espera da mercadoria vencida ou estragada. Sempre que uma lata de lixo é despejada, elas se agacham e, em silêncio, começam a revirar detritos. Adultos e crianças disputam espaço com cachorros sarnentos, num retrato cada vez mais comum da crise que devasta a Venezuela”. Esse triste cenário da capital venezuelana foi descrito por Samy Adghirni, ao jornal Folha de São Paulo, em 2016 [1]. Após dois anos, a situação parece não ter mudado. “São verdadeiras as cenas que movem seus corações ao ver crianças, homens e mulheres comendo do lixo nas ruas ou avenidas”, afirma Cesar Mermejo, pastor e diretor executivo do Conselho Evangélico da Venezuela (CEV).
Desde 2014, o país governado por Nicolás Maduro sofre com a escassez de alimentos, remédios e outros itens básicos. Embora o governo negue a crise, organizações internacionais de direitos humanos afirmam que a situação no país é grave. Nos últimos cinco anos, 815 mil venezuelanos deixaram o país – aproximadamente 40 mil entraram no Brasil e 24 mil já solicitaram refúgio. Os que ficam país estão sofrendo: quase 70% das crianças com menos de cinco anos de idade estão desnutridas – 15% com desnutrição aguda; o salário vale cerca de dois dólares – menos de vinte reais; a venda de alimentos está sendo racionada, e outros itens, como açúcar e papel higiênico, sumiram dos supermercados.
O Portal Ultimato entrevistou dois pastores venezuelanos para saber como a população e a igreja evangélica do país tem reagido à crise. “É uma realidade o que mais de 70% da população venezuelana está experimentando. A escassez de alimentos e remédios tem causado a migração de muitos venezuelanos a outros países e tem aumentado o número de mortes. Jamais tínhamos conhecido o sistema de ‘trocas’. As pessoas estão trocando produtos, como por exemplo, um quilo de arroz por um quilo de sal, um quilo de sal por um pote de manteiga etc. Pelas redes sociais também fazem trocas de medicamentos, que antes eram muito baratos e hoje se transformaram em ouro aqui na Venezuela”, descreveu Erwin José Julio Solano, pastor e professor no Seminário Batista da Venezuela.
“As pessoas estão comendo lixo e morrendo nos hospitais. Como defender isso?”
O pastor Solano disse que existe entre a população setores que defendem e estão dispostos a morrer pelas ideias do governo de Maduro. Segundo ele, há militares em altos cargos que são pagos para defender os interesses do governo. O pastor César Mermejo, diretor executivo do Conselho Evangélico da Venezuela (CEV), confirmou a informação, mas disse que esse número diminui a cada dia, já que o discurso do governo é diferente do que a população vive. “As pessoas estão comendo lixo e morrendo nos hospitais. Como explicar ou defender isso?”, indagou Mermejo.
Diante da crise, a igreja evangélica venezuelana tem despertado para o evangelismo mundial, comentou o pastor Solano. “Há muitas pessoas abertas ao evangelho que em meio a essa circunstância têm se voltado para Deus. Creio que nosso Senhor tem disciplinado a Venezuela pelos pecados praticados na nossa sociedade. Esse remanescente fiel, que é a igreja na Venezuela, está aproveitando essa oportunidade para a pregação do evangelho”, acrescentou.
O diretor do CEV, César Mermejo, enfatizou que a crise tem produzido mudanças significativas entre os evangélicos: “A igreja venezuelana comprometida com o Senhor está trabalhando, criando consciência e promovendo a solidariedade nos seus fiéis, a fim de alcançar os mais frágeis. Estamos aprendendo a ser realmente solidários, compartilhando os medicamentos e comida com os que não têm. Estamos exercitando cada dia o músculo do amor e da bondade, diante dos dramas que estamos vivendo. Estamos valorizando o sentido de integridade. Temos aprendido que o que dá sentido à vida é a verdade como um valor, de modo que não acreditaremos até comprovarmos se é real o que foi escutado ou dito, para então formar uma opinião e crer na situação”.
Maduro: uma ameaça à igreja evangélica?
Embora seja uma oportunidade para tornar Cristo conhecido, o que significa certa abertura do governo quanto à liberdade de expressão e de crença, o pastor Solano é enfático ao dizer que o governo de Nicolás Maduro representa uma ameaça à essas liberdades: “Com certeza, este governo é uma ameaça à liberdade de expressão, à liberdade religiosa e à igreja cristã. Ele expõe abertamente sua posição contra Deus e tudo o que tem relação com o Criador. Em 2017, o atual presidente desafiou a Deus e disse que não lhe temia. Por isso esse governo é uma ameaça para a Venezuela. Conheço muitas pessoas que foram demitidas de seus trabalhos por opinarem diferente das políticas das empresas do país. Também conheço militares que foram despedidos da guarda nacional, uns que foram presos, outros que desertaram, e muitos opositores que estão presos por opinarem contra o governo”.
Tanto Solano quanto Mermejo afirmam que sentem liberdade para expressar suas opiniões políticas e crenças, mas ambos reconhecem que é uma questão delicada. O pastor Mermejo revelou: “Este tema requer um pouco de cuidado no atual momento. Conheço pessoas, não que foram ameaçadas de forma aberta, mas, sim, ridicularizadas. Especialmente atores, políticos e o bispo católico da cidade de Barquisimeto, que foi ameaçado de prisão por se expressar contra a situação do país, em janeiro de 2017. A liberdade religiosa é um valor da democracia e é o fundamento das expressões de fé, não somente a fé cristã. Quanto maior a democracia, maior a liberdade religiosa”.
Um pastor na presidência pode ajudar a amenizar a crise?
Com as eleições presidenciais marcadas para 20 de maio, um dos adversários de Maduro confirmado no pleito é o pastor evangélico Javier Bertucci, que confirmou sua candidatura dia 29 de fevereiro [2]. Bertucci pastoreia uma igreja do movimento Maranata e sua plataforma de trabalho atende pessoas com extrema necessidade, por meio de doações de alimentos.
Com o lema "O evangelho muda", Bertucci anunciou sua candidatura em um culto, transmitido ao vivo pelas redes sociais, e disse que sua decisão é em obediência a um “chamado divino”. Ele disse ainda que, se for eleito, o “país terá que se preparar para todos os domingos, na televisão e no rádio, ouvir esta palavra de oração e esperança”.
Comentando a candidatura de Bertucci, César Mermejo disse que, como qualquer cidadão, o pastor Bertucci tem o direito de oferecer seu nome para a corrida eleitoral presidencial. Entretanto, ele precisará convencer não só os evangélicos, mas toda a população, de que sua candidatura não está alinhada a uma estratégia que valida um pleito ilegal.
Segundo informações do jornal Deutsche Welle [3], Bertucci foi condenado a seis meses de prisão domiciliar em 2010, sob a acusação de contrabando de combustível, uma das atividades ilícitas mais lucrativas em Venezuela. Seu nome apareceu vinculado a escândalos de corrupção no caso que ficou conhecido como “Papéis do Panamá”, em 2016. Bertucci nega a acusação.
O Conselho Evangélico da Venezuela (CEV) emitiu um comunicado [4], no qual esclarece que “os evangélicos não têm um líder supremo ou um porta-voz oficial exclusivo, de maneira que ninguém pode falar em nome de todos os evangélicos e muito menos nomes que são impostos por instâncias externas às próprias comunidades evangélicas”.
No documento, a entidade questionou ainda a legitimidade do pleito antecipado por Maduro, uma vez que há vários líderes políticos presos, que não poderão participar das eleições, além do fato de milhares de venezuelanos terem migrado para outros países e por isso não poderem exercer sua cidadania nas urnas. Especialistas afirmam que os resultados das eleições não serão reconhecidos internacionalmente porque sua transparência não é garantida.
“Eu não acho que as eleições futuras podem produzir mudanças positivas para o país. O que pode acontecer é que os que mais necessitam de alimentos e medicamentos passem a ter cada vez menos acesso. As coisas poderão ficar piores do que estão”, comentou o pastor Mermejo.
Um recado aos cristãos latino-americanos
César Mermejo acredita que é um tempo de aprendizagem para a igreja venezuelana, e que a experiência poderá, futuramente, ser uma contribuição da Venezuela ao mundo. “Todos sabem o que está acontecendo em nosso país. A razão pela qual isso ocorre é a permanência de uma liderança que se opõe a servir o povo e prestar contas de suas ações. Uma liderança política que tem seus próprios interesses como prioridade, em vez da necessidade do povo. Isso é um mal espiritual porque se faz sem temor a Deus. Para estes políticos, os valores centrais da fé cristã só servem como clichês para propagandas sem essência, sem conteúdo humano. O grave problema é quando os cristãos se misturam a esses políticos e não sustentam os valores que devem os caracterizar com a causa do evangelho. Os males existirão enquanto os cristãos, ou melhor, a igreja, se aproximarem da política com uma visão romântica, sem entender os processos. Todas as ações políticas partidárias tentam oferecer o melhor em seus postulados, mas são instituições caídas, que precisam escutar a voz profética da igreja (de denúncia e orientação), para voltar a Deus e para corrigir o rumo. Isso é algo que teremos que aprender na Venezuela e uma lição que oferecemos como acréscimo ao mundo”, disse o pastor Mermejo.
O pastor Solano alertou para que os cristãos latino-americanos não esperem que a situação da Venezuela se repita em todo o continente. Ele também deixou o seu recado: “A situação tem se agravado com esse governo porque novos e perversos fatores têm surgido e estão fazendo muito dano ao povo venezuelano. Há muitos grupos de comerciantes de mercadoria estrangeira que são contratados pelo governo para vender produtos de primeira necessidade a preços absurdos, que os venezuelanos não têm condições de pagar. Há grupos de militares aposentados e guerrilheiros colombianos contratados para se posicionarem na região de minério e em algumas cidades estratégicas. Do ponto de vista econômico, não se trata da queda ou do aumento do desemprego, trata-se de uma questão de emergência nacional. Jamais se tinha visto adultos, crianças, famílias completas buscando alimento no lixo. Jamais se tinha visto o venezuelano sair da sua terra porque seu salário mínimo equivale a quatro dólares mensais. A mensagem que eu gostaria de dar é a seguinte: é necessário que tudo isso aconteça, para despertar os escolhidos de Deus a realizarem o trabalho de evangelismo mundial. Que a igreja de Cristo possa entender o tempo do Senhor e que façamos o seu trabalho. Não esperemos que todas essas coisas que estão acontecendo na Venezuela se repitam em nosso continente. Em meio à crise, podemos trabalhar para o Senhor”.
Coalizão SOS Venezuela: uma resposta da igreja brasileira
Líderes e organizações cristãs formaram uma coalizão como uma resposta da igreja brasileira à crise do país vizinho [5]. A coalizão SOS Venezuela conta com a participação e apoio de organizações como Visão Mundial, Associação de Missões Transculturais Brasileiras (AMTB), Movimento Vocare, SOS Global, Junta de Missões Nacionais, Rede Evangélica Nacional de Ação Social (Renas), Rede Evangélica de Apoio ao Migrante e Refugiado (Remir), Secretaria Nacional de missões das Assembleias de Deus (Senami), Desafio de Minas (DDM), Editora Ultimato, dentre outras entidades.
Igrejas e organizações locais, tanto em Manaus, quanto em Boa Vista e Pacaraima, já estão atuando no acolhimento dos migrantes venezuelanos. De acordo com José Prado, um dos organizadores da coalizão, o objetivo desta iniciativa é somar forças e coordenar esforços para acolher os venezuelanos. Prado também informou que a Visão Mundial fará um levantamento nos próximos dias para ter um diagnóstico da situação dos venezuelanos que estão chegando ao Brasil, identificar o que já está sendo feito, os atores envolvidos e as necessidades mais urgentes. A partir deste diagnóstico será traçado um plano de ação com o objetivo de aumentar os esforços nas ações já em curso e suprir as lacunas existentes.
Em um comunicado, a coalizão SOS Venezuela afirma que “acolher o estrangeiro é muito mais do que uma resposta humanitária. É um preceito bíblico. Uma marca dos discípulos de Jesus”.
Entenda a crise humanitária na Venezuela
Rica em petróleo e, ao mesmo tempo, com o pior desempenho econômico e a maior taxa de inflação do mundo, a Venezuela está cada vez mais afundada em uma crise humanitária. Oliver Stuenkel, em El Pais [6], diz que levará anos ou décadas para o país superar a crise que começou em 2012, com políticas públicas hostis ao setor produtivo, e que se deteriorou em 2014 com a queda do preço do petróleo, a base da economia venezuelana. Desde então a população sofre com a escassez de alimentos, a falta de medicamentos e itens básicos para sobrevivência.
O Governo acusa a oposição de provocar uma “guerra econômica”, com a ajuda do setor privado e grupos estrangeiros. Mas analistas afirmam que o surgimento e o agravamento da crise se devem à própria política econômica do Governo. Em maio de 2016, o Supremo Tribunal acatou o pedido de Nicolás Maduro e vetou uma lei aprovada pela Assembleia Nacional, que facilitaria a assistência humanitária internacional e autorizaria o recebimento de medicamentos vindos do exterior. Enquanto o governo se recusa a reconhecer a crise, a situação continua se agravando, sem perspectiva de que tenha um fim.
A crise em números
Açúcar e papel higiênico desaparecem dos supermercados
Uma pesquisa realizada em 2015 por organizações da sociedade civil e universidades venezuelanas, que ouviu 1488 pessoas de 21 cidades, mostrou que 87% dos entrevistados tinham dificuldades para comprar alimentos e 12% faziam apenas duas refeições ao dia, ou menos [13]. O pastor César Mermejo, do (CEV), confirma: “A falta de alimentos e medicamentos é uma realidade em todas as cidades do país, os principais afetados são as crianças e os idosos”.
A escassez de itens básicos para a sobrevivência tem causado um surto de saques e violência. Algumas pessoas estão invadindo fazendas e supermercados e saqueando caminhões de comida. Alimentos e itens básicos, como fraldas, creme dental e papel higiênico, estão com a venda racionada, e itens, como o açúcar, desapareceram dos supermercados.
Às vésperas das eleições presidenciais antecipadas por Maduro, aumentaram as ações de distribuição de comida subsidiada. De acordo com especialista ouvido pelo jornal Folha de São Paulo, é uma ação marcada por práticas corruptas e sujeita à manipulação para atender interesses políticos do regime governista.
Hospitais públicos funcionam sem materiais básicos
Em agosto de 2016, dados de uma pesquisa realizada por uma rede independente de médicos indicaram que 76% dos hospitais públicos da Venezuela funcionam sem ter medicamentos básicos como luvas, gases esterilizadas, antissépticos, álcool de uso médico, bisturis, agulhas, cateteres, nebulizadores e suturas cirúrgicas. Têm aumentado ocorrências de infecções hospitalares por causa da insalubridade nos hospitais, já que também faltam materiais de limpeza [14].
Documentos oficiais do Ministério da Saúde Venezuelano, consultado por Human Rights Watch, mostram o aumento na taxa de mortalidade infantil e materna nos últimos seis anos. Entre janeiro e maio de 2016, a taxa de mortalidade materna era de 130,7 mortes para cada 100 mil nascimentos – 79% maior que dos últimos dados oficiais de 2009, quando a taxa era de 73,1.
Profissionais que trabalham em hospitais públicos têm sido ameaçados com demissões, como retaliação por declarações públicas em que falem sobre a situação dos hospitais, e organizações locais de direitos humanos têm recebido ameaças de terem o financiamento estrangeiro bloqueado pelo governo.
A fuga de capital humano
Levantamento recente realizado pelo instituto Danticorp [15], localizado em Caracas, apontou que 57% dos venezuelanos querem sair da Venezuela. Estima-se que 815 mil pessoas tenham deixado o país nos últimos cinco anos. Apesar do grande número de venezuelanos em Boa Vista, RR, o Brasil não é o principal destino. Fica atrás da Colômbia, Peru, Chile e até de países pequenos, como o Panamá.
“Consertar uma economia quebrada é difícil, mas convencer os jovens e aqueles com alto nível educacional a retornarem daqui a alguns anos será ainda mais complicado: muitos nunca retornarão. Uma fuga de capital humano é o pior cenário possível para um país que tenta reduzir sua dependência do petróleo para diversificar suas atividades em outras indústrias e serviços”, escreveu Oliver Stuenkel para o jornal El Pais [16].
Os direitos humanos na Venezuela
Em dezembro de 2017, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos publicou o relatório “Institucionalidade Democrática, Estado de Direito e Direitos Humanos na Venezuela” [17] – é o terceiro documento da organização sobre a situação dos direitos humanos no país socialista. O relatório analisa o impacto do enfraquecimento da institucionalidade democrática, bem como a crescente repressão, violência e insegurança civil.
De acordo com o relatório, a Venezuela vive uma grave violação dos direitos fundamentais e das instituições democráticas representativas, previstas na Carta Democrática Interamericana, que são requisitos essenciais para a garantia e efetivação dos direitos humanos.
Em resposta ao parecer da Comissão, o governo de Maduro afirmou que “o documento apresenta uma visão seletiva e altamente parcial sobre a verdadeira situação dos direitos humanos na República Bolivariana da Venezuela. A Venezuela considerou que, em grande parte, a visão distorcida do relatório é o resultado de importantes debilidades presente na metodologia utilizada para sua elaboração e que o relatório faz uso excessivo de fontes carentes de objetividade e se exclui quase que totalmente a informação oficial”.
Apesar da propaganda do governo para desmentir os fatos e atribuir a culpa da crise aos seus opositores, a reação da maioria da população tem sido de desaprovação ao governo. Algumas pessoas que apoiam Maduros continuam acreditando que a situação vai mudar, enquanto recebam cestas básicas e dinheiro em suas contas bancárias para tentar cobrir suas necessidades. O pastor César explicou que grande parte da população, de sete em cada dez venezuelanos, entende o que está acontecendo, atribui culpa ao governo, se queixa, mas não faz nada. Outra parte decidiu abandonar o país em busca de um futuro melhor.
O pastor César Mermejo disse ainda que “a violência no país é uma prática comum, seja ela verbal ou física. Sabemos isso porque é algo público e notório. O governo conta com uma força civil que amedronta e agride os que se opõe à atual situação e ao governo, sejam eles estudantes, médicos, idosos etc.”.
As manifestações têm sido frequentes, mas há uma forte repressão por parte da polícia, da inteligência e dos militares. Há informações não oficiais de que o Exército Nacional da Colômbia (ELN) e parte da guerrilha colombiana (FARC) foram contatados para defender o governo de Maduro.
O governo se recusa a reconhecer a crise
De acordo com o Human Wights Watch, desde janeiro de 2016, o governo venezuelano tem anunciado iniciativas para solucionar a escassez. As ações incluem medidas para aumentar a produção local de medicamentos, insumos médicos e alimentos. No entanto, nenhum resultado significativo para aliviar a crise foi observado até o momento.
O novo ministro da agricultura urbana disse recentemente que as pessoas precisam cultivar tomates e criar galinhas em seus pátios e telhados. Uma campanha incentiva os venezuelanos a criar coelhos para comer.
Quanto ao fato do governo de Maduro atribuir a responsabilidade da crise à oposição, o pastor Erwin Julio explicou que é uma estratégia para desacreditar a oposição. “O que a oposição tem feito é defender os direitos dos venezuelanos e também a Constituição da República, que tem sido violada por este governo. A oposição venezuelana está nos defendendo desde que o socialismo chegou à Venezuela”, afirma o pastor.
Além de não admitir a crise, o governo venezuelano tem solicitado ajuda humanitária internacional de forma limitada, e tem vetado iniciativas da Assembleia Nacional para pedir ajuda internacional efetiva.
Como Maduro garante a permanência no poder
Em maio de 2017, o presidente Nicolás Maduro convocou uma Assembleia Constituinte para elaborar uma nova Constituição para o país. Mais de oito milhões de pessoas participaram do processo, de acordo com o Conselho Nacional Eleitoral, mas a oposição, que boicotou e não participou da votação, afirmou que apenas 12% da população compareceram às urnas. O governo disse que a eleição foi pacífica, mas o Ministério Público registrou a morte de dez pessoas. Além da oposição, a votação não foi reconhecida por vários países como Argentina, Peru, Colômbia, Chile, Estados Unidos e Brasil.
Uma manobra de Nicolás Maduro, por meio da Assembleia Constituinte, antecipou as eleições presidenciais e legislativas do país. A primeira que aconteceria em dezembro e a segunda que aconteceria só em 2020, haviam sido antecipadas para 22 de abril. Mas o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) divulgou o dia 20 de maio como a nova data oficial para as eleições. Maduro quer renovar a Assembleia Nacional, hoje controlada pela oposição.
Críticos do governo dizem que antecipar as eleições é uma manobra para desfavorecer a oposição. Após ter sido impedida por autoridades de formar uma chapa única para as eleições, a coalizão opositora Mesa da Unidade Democrática (MUD) já tinha anunciado que não participaria do pleito presidencial, por considerá-lo fraudulento e ilegítimo. Nenhum dirigente da coalizão apresentou-se como candidato independente. O único candidato confirmado até o momento é o pastor evangélico Javier Bertucci, que já foi preso por contrabando em 2010.
Em entrevista ao The Guardian [18], o especialista militar, Ricardo Sucre, explicou que desde que Hugo Chávez inaugurou a revolução socialista na Venezuela em 1999, o governo promoveu uma união cívico-militar, em que tropas e oficiais se envolvem em todos os aspectos do desenvolvimento nacional. Após a morte de Chávez, a falta de estrutura e liderança do partido abriu espaço para os militares ocuparem mais espaços no governo. Atualmente, oficiais militares ativos e aposentados ocupam quase metade do gabinete de Maduro e muitos outros cargos chaves. Em meio a protestos, Maduro conta com as forças armadas para protegê-lo.
Notas
[1] Venezuelanos disputam comida com cães no lixo de feira de Caracas
[2] Pastor evangélico oficializa candidatura à presidência na Venezuela
[3] Venezuela: Bertucci versus Maduro
[4] Comunicado CEV ante convocatoria a elecciones para el 22 de Abril
[5] Líderes e organizações cristãs criam coalizão para socorrer migrantes venezuelanos
[6] Crise humanitária na Venezuela requer resposta regional
[7] Desvalorização do bolívar afunda salário mínimo da Venezuela a apenas US$ 2
[8] Desnutrição e busca de comida no lixo refletem escassez na Venezuela
[9] Relatório da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, p. 229
[10] Pobreza atinge 87% da população da Venezuela em 2017
[11] Mais de 100 mil venezuelanos já solicitaram asilo no exterior, diz o Acnur
[12] ONU irá buscar apoio internacional para venezuelanos no Brasil
[13] Human Rights Watch. Informe Crisis humanitaria en Venezuela: La inadecuada y represiva respuesta del gobierno ante la grave escasez de medicinas, insumos y alimentos, p. 17.
[14] Human Rights Watch. Informe Crisis humanitaria en Venezuela: La inadecuada y represiva respuesta del gobierno ante la grave escasez de medicinas, insumos y alimentos, p. 8-10.
[15] Datincorp
[16] Crise humanitária na Venezuela requer resposta regional
[17] Comissão Interamericana de Direitos Humanos: “Institucionalidade Democrática, Estado de Direito e Direitos Humanos na Venezuela”
[18] Venezuela opposition looks to military to oust Maduro. Dream on
Desde 2014, o país governado por Nicolás Maduro sofre com a escassez de alimentos, remédios e outros itens básicos. Embora o governo negue a crise, organizações internacionais de direitos humanos afirmam que a situação no país é grave. Nos últimos cinco anos, 815 mil venezuelanos deixaram o país – aproximadamente 40 mil entraram no Brasil e 24 mil já solicitaram refúgio. Os que ficam país estão sofrendo: quase 70% das crianças com menos de cinco anos de idade estão desnutridas – 15% com desnutrição aguda; o salário vale cerca de dois dólares – menos de vinte reais; a venda de alimentos está sendo racionada, e outros itens, como açúcar e papel higiênico, sumiram dos supermercados.
O Portal Ultimato entrevistou dois pastores venezuelanos para saber como a população e a igreja evangélica do país tem reagido à crise. “É uma realidade o que mais de 70% da população venezuelana está experimentando. A escassez de alimentos e remédios tem causado a migração de muitos venezuelanos a outros países e tem aumentado o número de mortes. Jamais tínhamos conhecido o sistema de ‘trocas’. As pessoas estão trocando produtos, como por exemplo, um quilo de arroz por um quilo de sal, um quilo de sal por um pote de manteiga etc. Pelas redes sociais também fazem trocas de medicamentos, que antes eram muito baratos e hoje se transformaram em ouro aqui na Venezuela”, descreveu Erwin José Julio Solano, pastor e professor no Seminário Batista da Venezuela.
“As pessoas estão comendo lixo e morrendo nos hospitais. Como defender isso?”
O pastor Solano disse que existe entre a população setores que defendem e estão dispostos a morrer pelas ideias do governo de Maduro. Segundo ele, há militares em altos cargos que são pagos para defender os interesses do governo. O pastor César Mermejo, diretor executivo do Conselho Evangélico da Venezuela (CEV), confirmou a informação, mas disse que esse número diminui a cada dia, já que o discurso do governo é diferente do que a população vive. “As pessoas estão comendo lixo e morrendo nos hospitais. Como explicar ou defender isso?”, indagou Mermejo.
Diante da crise, a igreja evangélica venezuelana tem despertado para o evangelismo mundial, comentou o pastor Solano. “Há muitas pessoas abertas ao evangelho que em meio a essa circunstância têm se voltado para Deus. Creio que nosso Senhor tem disciplinado a Venezuela pelos pecados praticados na nossa sociedade. Esse remanescente fiel, que é a igreja na Venezuela, está aproveitando essa oportunidade para a pregação do evangelho”, acrescentou.
O diretor do CEV, César Mermejo, enfatizou que a crise tem produzido mudanças significativas entre os evangélicos: “A igreja venezuelana comprometida com o Senhor está trabalhando, criando consciência e promovendo a solidariedade nos seus fiéis, a fim de alcançar os mais frágeis. Estamos aprendendo a ser realmente solidários, compartilhando os medicamentos e comida com os que não têm. Estamos exercitando cada dia o músculo do amor e da bondade, diante dos dramas que estamos vivendo. Estamos valorizando o sentido de integridade. Temos aprendido que o que dá sentido à vida é a verdade como um valor, de modo que não acreditaremos até comprovarmos se é real o que foi escutado ou dito, para então formar uma opinião e crer na situação”.
Maduro: uma ameaça à igreja evangélica?
Embora seja uma oportunidade para tornar Cristo conhecido, o que significa certa abertura do governo quanto à liberdade de expressão e de crença, o pastor Solano é enfático ao dizer que o governo de Nicolás Maduro representa uma ameaça à essas liberdades: “Com certeza, este governo é uma ameaça à liberdade de expressão, à liberdade religiosa e à igreja cristã. Ele expõe abertamente sua posição contra Deus e tudo o que tem relação com o Criador. Em 2017, o atual presidente desafiou a Deus e disse que não lhe temia. Por isso esse governo é uma ameaça para a Venezuela. Conheço muitas pessoas que foram demitidas de seus trabalhos por opinarem diferente das políticas das empresas do país. Também conheço militares que foram despedidos da guarda nacional, uns que foram presos, outros que desertaram, e muitos opositores que estão presos por opinarem contra o governo”.
Tanto Solano quanto Mermejo afirmam que sentem liberdade para expressar suas opiniões políticas e crenças, mas ambos reconhecem que é uma questão delicada. O pastor Mermejo revelou: “Este tema requer um pouco de cuidado no atual momento. Conheço pessoas, não que foram ameaçadas de forma aberta, mas, sim, ridicularizadas. Especialmente atores, políticos e o bispo católico da cidade de Barquisimeto, que foi ameaçado de prisão por se expressar contra a situação do país, em janeiro de 2017. A liberdade religiosa é um valor da democracia e é o fundamento das expressões de fé, não somente a fé cristã. Quanto maior a democracia, maior a liberdade religiosa”.
Um pastor na presidência pode ajudar a amenizar a crise?
Com as eleições presidenciais marcadas para 20 de maio, um dos adversários de Maduro confirmado no pleito é o pastor evangélico Javier Bertucci, que confirmou sua candidatura dia 29 de fevereiro [2]. Bertucci pastoreia uma igreja do movimento Maranata e sua plataforma de trabalho atende pessoas com extrema necessidade, por meio de doações de alimentos.
Com o lema "O evangelho muda", Bertucci anunciou sua candidatura em um culto, transmitido ao vivo pelas redes sociais, e disse que sua decisão é em obediência a um “chamado divino”. Ele disse ainda que, se for eleito, o “país terá que se preparar para todos os domingos, na televisão e no rádio, ouvir esta palavra de oração e esperança”.
Comentando a candidatura de Bertucci, César Mermejo disse que, como qualquer cidadão, o pastor Bertucci tem o direito de oferecer seu nome para a corrida eleitoral presidencial. Entretanto, ele precisará convencer não só os evangélicos, mas toda a população, de que sua candidatura não está alinhada a uma estratégia que valida um pleito ilegal.
Segundo informações do jornal Deutsche Welle [3], Bertucci foi condenado a seis meses de prisão domiciliar em 2010, sob a acusação de contrabando de combustível, uma das atividades ilícitas mais lucrativas em Venezuela. Seu nome apareceu vinculado a escândalos de corrupção no caso que ficou conhecido como “Papéis do Panamá”, em 2016. Bertucci nega a acusação.
O Conselho Evangélico da Venezuela (CEV) emitiu um comunicado [4], no qual esclarece que “os evangélicos não têm um líder supremo ou um porta-voz oficial exclusivo, de maneira que ninguém pode falar em nome de todos os evangélicos e muito menos nomes que são impostos por instâncias externas às próprias comunidades evangélicas”.
No documento, a entidade questionou ainda a legitimidade do pleito antecipado por Maduro, uma vez que há vários líderes políticos presos, que não poderão participar das eleições, além do fato de milhares de venezuelanos terem migrado para outros países e por isso não poderem exercer sua cidadania nas urnas. Especialistas afirmam que os resultados das eleições não serão reconhecidos internacionalmente porque sua transparência não é garantida.
“Eu não acho que as eleições futuras podem produzir mudanças positivas para o país. O que pode acontecer é que os que mais necessitam de alimentos e medicamentos passem a ter cada vez menos acesso. As coisas poderão ficar piores do que estão”, comentou o pastor Mermejo.
Um recado aos cristãos latino-americanos
César Mermejo acredita que é um tempo de aprendizagem para a igreja venezuelana, e que a experiência poderá, futuramente, ser uma contribuição da Venezuela ao mundo. “Todos sabem o que está acontecendo em nosso país. A razão pela qual isso ocorre é a permanência de uma liderança que se opõe a servir o povo e prestar contas de suas ações. Uma liderança política que tem seus próprios interesses como prioridade, em vez da necessidade do povo. Isso é um mal espiritual porque se faz sem temor a Deus. Para estes políticos, os valores centrais da fé cristã só servem como clichês para propagandas sem essência, sem conteúdo humano. O grave problema é quando os cristãos se misturam a esses políticos e não sustentam os valores que devem os caracterizar com a causa do evangelho. Os males existirão enquanto os cristãos, ou melhor, a igreja, se aproximarem da política com uma visão romântica, sem entender os processos. Todas as ações políticas partidárias tentam oferecer o melhor em seus postulados, mas são instituições caídas, que precisam escutar a voz profética da igreja (de denúncia e orientação), para voltar a Deus e para corrigir o rumo. Isso é algo que teremos que aprender na Venezuela e uma lição que oferecemos como acréscimo ao mundo”, disse o pastor Mermejo.
O pastor Solano alertou para que os cristãos latino-americanos não esperem que a situação da Venezuela se repita em todo o continente. Ele também deixou o seu recado: “A situação tem se agravado com esse governo porque novos e perversos fatores têm surgido e estão fazendo muito dano ao povo venezuelano. Há muitos grupos de comerciantes de mercadoria estrangeira que são contratados pelo governo para vender produtos de primeira necessidade a preços absurdos, que os venezuelanos não têm condições de pagar. Há grupos de militares aposentados e guerrilheiros colombianos contratados para se posicionarem na região de minério e em algumas cidades estratégicas. Do ponto de vista econômico, não se trata da queda ou do aumento do desemprego, trata-se de uma questão de emergência nacional. Jamais se tinha visto adultos, crianças, famílias completas buscando alimento no lixo. Jamais se tinha visto o venezuelano sair da sua terra porque seu salário mínimo equivale a quatro dólares mensais. A mensagem que eu gostaria de dar é a seguinte: é necessário que tudo isso aconteça, para despertar os escolhidos de Deus a realizarem o trabalho de evangelismo mundial. Que a igreja de Cristo possa entender o tempo do Senhor e que façamos o seu trabalho. Não esperemos que todas essas coisas que estão acontecendo na Venezuela se repitam em nosso continente. Em meio à crise, podemos trabalhar para o Senhor”.
Coalizão SOS Venezuela: uma resposta da igreja brasileira
Líderes e organizações cristãs formaram uma coalizão como uma resposta da igreja brasileira à crise do país vizinho [5]. A coalizão SOS Venezuela conta com a participação e apoio de organizações como Visão Mundial, Associação de Missões Transculturais Brasileiras (AMTB), Movimento Vocare, SOS Global, Junta de Missões Nacionais, Rede Evangélica Nacional de Ação Social (Renas), Rede Evangélica de Apoio ao Migrante e Refugiado (Remir), Secretaria Nacional de missões das Assembleias de Deus (Senami), Desafio de Minas (DDM), Editora Ultimato, dentre outras entidades.
Igrejas e organizações locais, tanto em Manaus, quanto em Boa Vista e Pacaraima, já estão atuando no acolhimento dos migrantes venezuelanos. De acordo com José Prado, um dos organizadores da coalizão, o objetivo desta iniciativa é somar forças e coordenar esforços para acolher os venezuelanos. Prado também informou que a Visão Mundial fará um levantamento nos próximos dias para ter um diagnóstico da situação dos venezuelanos que estão chegando ao Brasil, identificar o que já está sendo feito, os atores envolvidos e as necessidades mais urgentes. A partir deste diagnóstico será traçado um plano de ação com o objetivo de aumentar os esforços nas ações já em curso e suprir as lacunas existentes.
Em um comunicado, a coalizão SOS Venezuela afirma que “acolher o estrangeiro é muito mais do que uma resposta humanitária. É um preceito bíblico. Uma marca dos discípulos de Jesus”.
Entenda a crise humanitária na Venezuela
Rica em petróleo e, ao mesmo tempo, com o pior desempenho econômico e a maior taxa de inflação do mundo, a Venezuela está cada vez mais afundada em uma crise humanitária. Oliver Stuenkel, em El Pais [6], diz que levará anos ou décadas para o país superar a crise que começou em 2012, com políticas públicas hostis ao setor produtivo, e que se deteriorou em 2014 com a queda do preço do petróleo, a base da economia venezuelana. Desde então a população sofre com a escassez de alimentos, a falta de medicamentos e itens básicos para sobrevivência.
O Governo acusa a oposição de provocar uma “guerra econômica”, com a ajuda do setor privado e grupos estrangeiros. Mas analistas afirmam que o surgimento e o agravamento da crise se devem à própria política econômica do Governo. Em maio de 2016, o Supremo Tribunal acatou o pedido de Nicolás Maduro e vetou uma lei aprovada pela Assembleia Nacional, que facilitaria a assistência humanitária internacional e autorizaria o recebimento de medicamentos vindos do exterior. Enquanto o governo se recusa a reconhecer a crise, a situação continua se agravando, sem perspectiva de que tenha um fim.
A crise em números
- 2 dólares, aproximadamente, é o que vale hoje o salário mínimo na Venezuela [7].
- 9 milhões de pessoas (30% da população) comem o equivalente a uma xícara de arroz por dia [8].
- 68% das crianças venezuelanas de até cinco anos estão desnutridas – 15% em um quadro agudo [9].
- 87% dos venezuelanos sobrevivem com uma renda abaixo da linha da pobreza e 61% estão no patamar da pobreza extrema [10].
- 815 mil venezuelanos deixaram o país nos últimos cinco anos – 100 mil já solicitaram asilo no exterior [11].
- 40 mil venezuelanos, aproximadamente, entraram no Brasil – 24 mil já solicitaram refúgio [12].
Açúcar e papel higiênico desaparecem dos supermercados
Uma pesquisa realizada em 2015 por organizações da sociedade civil e universidades venezuelanas, que ouviu 1488 pessoas de 21 cidades, mostrou que 87% dos entrevistados tinham dificuldades para comprar alimentos e 12% faziam apenas duas refeições ao dia, ou menos [13]. O pastor César Mermejo, do (CEV), confirma: “A falta de alimentos e medicamentos é uma realidade em todas as cidades do país, os principais afetados são as crianças e os idosos”.
A escassez de itens básicos para a sobrevivência tem causado um surto de saques e violência. Algumas pessoas estão invadindo fazendas e supermercados e saqueando caminhões de comida. Alimentos e itens básicos, como fraldas, creme dental e papel higiênico, estão com a venda racionada, e itens, como o açúcar, desapareceram dos supermercados.
Às vésperas das eleições presidenciais antecipadas por Maduro, aumentaram as ações de distribuição de comida subsidiada. De acordo com especialista ouvido pelo jornal Folha de São Paulo, é uma ação marcada por práticas corruptas e sujeita à manipulação para atender interesses políticos do regime governista.
Hospitais públicos funcionam sem materiais básicos
Em agosto de 2016, dados de uma pesquisa realizada por uma rede independente de médicos indicaram que 76% dos hospitais públicos da Venezuela funcionam sem ter medicamentos básicos como luvas, gases esterilizadas, antissépticos, álcool de uso médico, bisturis, agulhas, cateteres, nebulizadores e suturas cirúrgicas. Têm aumentado ocorrências de infecções hospitalares por causa da insalubridade nos hospitais, já que também faltam materiais de limpeza [14].
Documentos oficiais do Ministério da Saúde Venezuelano, consultado por Human Rights Watch, mostram o aumento na taxa de mortalidade infantil e materna nos últimos seis anos. Entre janeiro e maio de 2016, a taxa de mortalidade materna era de 130,7 mortes para cada 100 mil nascimentos – 79% maior que dos últimos dados oficiais de 2009, quando a taxa era de 73,1.
Profissionais que trabalham em hospitais públicos têm sido ameaçados com demissões, como retaliação por declarações públicas em que falem sobre a situação dos hospitais, e organizações locais de direitos humanos têm recebido ameaças de terem o financiamento estrangeiro bloqueado pelo governo.
A fuga de capital humano
Levantamento recente realizado pelo instituto Danticorp [15], localizado em Caracas, apontou que 57% dos venezuelanos querem sair da Venezuela. Estima-se que 815 mil pessoas tenham deixado o país nos últimos cinco anos. Apesar do grande número de venezuelanos em Boa Vista, RR, o Brasil não é o principal destino. Fica atrás da Colômbia, Peru, Chile e até de países pequenos, como o Panamá.
“Consertar uma economia quebrada é difícil, mas convencer os jovens e aqueles com alto nível educacional a retornarem daqui a alguns anos será ainda mais complicado: muitos nunca retornarão. Uma fuga de capital humano é o pior cenário possível para um país que tenta reduzir sua dependência do petróleo para diversificar suas atividades em outras indústrias e serviços”, escreveu Oliver Stuenkel para o jornal El Pais [16].
Os direitos humanos na Venezuela
Em dezembro de 2017, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos publicou o relatório “Institucionalidade Democrática, Estado de Direito e Direitos Humanos na Venezuela” [17] – é o terceiro documento da organização sobre a situação dos direitos humanos no país socialista. O relatório analisa o impacto do enfraquecimento da institucionalidade democrática, bem como a crescente repressão, violência e insegurança civil.
De acordo com o relatório, a Venezuela vive uma grave violação dos direitos fundamentais e das instituições democráticas representativas, previstas na Carta Democrática Interamericana, que são requisitos essenciais para a garantia e efetivação dos direitos humanos.
Em resposta ao parecer da Comissão, o governo de Maduro afirmou que “o documento apresenta uma visão seletiva e altamente parcial sobre a verdadeira situação dos direitos humanos na República Bolivariana da Venezuela. A Venezuela considerou que, em grande parte, a visão distorcida do relatório é o resultado de importantes debilidades presente na metodologia utilizada para sua elaboração e que o relatório faz uso excessivo de fontes carentes de objetividade e se exclui quase que totalmente a informação oficial”.
Apesar da propaganda do governo para desmentir os fatos e atribuir a culpa da crise aos seus opositores, a reação da maioria da população tem sido de desaprovação ao governo. Algumas pessoas que apoiam Maduros continuam acreditando que a situação vai mudar, enquanto recebam cestas básicas e dinheiro em suas contas bancárias para tentar cobrir suas necessidades. O pastor César explicou que grande parte da população, de sete em cada dez venezuelanos, entende o que está acontecendo, atribui culpa ao governo, se queixa, mas não faz nada. Outra parte decidiu abandonar o país em busca de um futuro melhor.
O pastor César Mermejo disse ainda que “a violência no país é uma prática comum, seja ela verbal ou física. Sabemos isso porque é algo público e notório. O governo conta com uma força civil que amedronta e agride os que se opõe à atual situação e ao governo, sejam eles estudantes, médicos, idosos etc.”.
As manifestações têm sido frequentes, mas há uma forte repressão por parte da polícia, da inteligência e dos militares. Há informações não oficiais de que o Exército Nacional da Colômbia (ELN) e parte da guerrilha colombiana (FARC) foram contatados para defender o governo de Maduro.
O governo se recusa a reconhecer a crise
De acordo com o Human Wights Watch, desde janeiro de 2016, o governo venezuelano tem anunciado iniciativas para solucionar a escassez. As ações incluem medidas para aumentar a produção local de medicamentos, insumos médicos e alimentos. No entanto, nenhum resultado significativo para aliviar a crise foi observado até o momento.
O novo ministro da agricultura urbana disse recentemente que as pessoas precisam cultivar tomates e criar galinhas em seus pátios e telhados. Uma campanha incentiva os venezuelanos a criar coelhos para comer.
Quanto ao fato do governo de Maduro atribuir a responsabilidade da crise à oposição, o pastor Erwin Julio explicou que é uma estratégia para desacreditar a oposição. “O que a oposição tem feito é defender os direitos dos venezuelanos e também a Constituição da República, que tem sido violada por este governo. A oposição venezuelana está nos defendendo desde que o socialismo chegou à Venezuela”, afirma o pastor.
Além de não admitir a crise, o governo venezuelano tem solicitado ajuda humanitária internacional de forma limitada, e tem vetado iniciativas da Assembleia Nacional para pedir ajuda internacional efetiva.
Como Maduro garante a permanência no poder
Em maio de 2017, o presidente Nicolás Maduro convocou uma Assembleia Constituinte para elaborar uma nova Constituição para o país. Mais de oito milhões de pessoas participaram do processo, de acordo com o Conselho Nacional Eleitoral, mas a oposição, que boicotou e não participou da votação, afirmou que apenas 12% da população compareceram às urnas. O governo disse que a eleição foi pacífica, mas o Ministério Público registrou a morte de dez pessoas. Além da oposição, a votação não foi reconhecida por vários países como Argentina, Peru, Colômbia, Chile, Estados Unidos e Brasil.
Uma manobra de Nicolás Maduro, por meio da Assembleia Constituinte, antecipou as eleições presidenciais e legislativas do país. A primeira que aconteceria em dezembro e a segunda que aconteceria só em 2020, haviam sido antecipadas para 22 de abril. Mas o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) divulgou o dia 20 de maio como a nova data oficial para as eleições. Maduro quer renovar a Assembleia Nacional, hoje controlada pela oposição.
Críticos do governo dizem que antecipar as eleições é uma manobra para desfavorecer a oposição. Após ter sido impedida por autoridades de formar uma chapa única para as eleições, a coalizão opositora Mesa da Unidade Democrática (MUD) já tinha anunciado que não participaria do pleito presidencial, por considerá-lo fraudulento e ilegítimo. Nenhum dirigente da coalizão apresentou-se como candidato independente. O único candidato confirmado até o momento é o pastor evangélico Javier Bertucci, que já foi preso por contrabando em 2010.
Em entrevista ao The Guardian [18], o especialista militar, Ricardo Sucre, explicou que desde que Hugo Chávez inaugurou a revolução socialista na Venezuela em 1999, o governo promoveu uma união cívico-militar, em que tropas e oficiais se envolvem em todos os aspectos do desenvolvimento nacional. Após a morte de Chávez, a falta de estrutura e liderança do partido abriu espaço para os militares ocuparem mais espaços no governo. Atualmente, oficiais militares ativos e aposentados ocupam quase metade do gabinete de Maduro e muitos outros cargos chaves. Em meio a protestos, Maduro conta com as forças armadas para protegê-lo.
Notas
[1] Venezuelanos disputam comida com cães no lixo de feira de Caracas
[2] Pastor evangélico oficializa candidatura à presidência na Venezuela
[3] Venezuela: Bertucci versus Maduro
[4] Comunicado CEV ante convocatoria a elecciones para el 22 de Abril
[5] Líderes e organizações cristãs criam coalizão para socorrer migrantes venezuelanos
[6] Crise humanitária na Venezuela requer resposta regional
[7] Desvalorização do bolívar afunda salário mínimo da Venezuela a apenas US$ 2
[8] Desnutrição e busca de comida no lixo refletem escassez na Venezuela
[9] Relatório da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, p. 229
[10] Pobreza atinge 87% da população da Venezuela em 2017
[11] Mais de 100 mil venezuelanos já solicitaram asilo no exterior, diz o Acnur
[12] ONU irá buscar apoio internacional para venezuelanos no Brasil
[13] Human Rights Watch. Informe Crisis humanitaria en Venezuela: La inadecuada y represiva respuesta del gobierno ante la grave escasez de medicinas, insumos y alimentos, p. 17.
[14] Human Rights Watch. Informe Crisis humanitaria en Venezuela: La inadecuada y represiva respuesta del gobierno ante la grave escasez de medicinas, insumos y alimentos, p. 8-10.
[15] Datincorp
[16] Crise humanitária na Venezuela requer resposta regional
[17] Comissão Interamericana de Direitos Humanos: “Institucionalidade Democrática, Estado de Direito e Direitos Humanos na Venezuela”
[18] Venezuela opposition looks to military to oust Maduro. Dream on
- 02 de março de 2018
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