Opinião
12 de março de 2013
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O pastor dos torturados

A sociedade brasileira habituada aos regimes ditatoriais civis e militares apoiava a ditadura. Igrejas evitavam o envolvimento do CMI, sediado em Genebra, Suíça, acusado de apoiar conspirações contra o regime. Temos apresentado o pastor brasileiro Jaime Wright à parte da “cobertura” evangélica conservadora e antiecumênica. Ele sempre esteve ao lado de outros brasileiros cristãos, eclesiásticos, com o reverendo presbiteriano Charles Roy Harper, e os Arcebispos Paulo Evaristo Arns e Hélder Câmara. Símbolos da resistência sem submissão.
Jaime Wright começou a procurar pelo irmão, presbítero da IPB (Igreja Presbiteriana do Brasil) de Florianópolis, SC, Paulo Stuart Wright – o deputado fora cassado, sequestrado e morto pela ditadura militar. Aproximando-se de presos políticos, participou do projeto Clamor, que defendeu perseguidos políticos no Brasil e países da América Latina, com financiamento ecumênico intermediado diretamente pelo CMI. Ajudou a reunir os documentos que deram origem ao relatório “Brasil: Nunca Mais”, que revelou a extensão da repressão política no Brasil, identificando e denunciando os torturadores do regime militar, bem como desvelando as perseguições, os assassinatos, os desaparecimentos e as torturas em lugares secretos; revelando atos praticados nas delegacias, unidades militares e locais clandestinos mantidos pelo aparelho repressivo no Brasil. Jaime Wright – assim como o CMI – também era denunciado a organismos evangélicos no exterior como “persona non grata” às igrejas evangélicas brasileiras. Estas publicavam o apoio aos ditadores nos jornais eclesiásticos e cediam seus púlpitos. E até exaltavam as "qualidades cristãs" de alguns desses ditadores.
Quanto ao Vaticano, chamamos a atenção para a história e a verdade. Uma contundente “denúncia sobre o insidioso papel desestabilizador do CMI” partiu do cardeal Joseph Ratzinger, então prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé do Vaticano. Em uma entrevista (Folha de S. Paulo, 10/jun/1997), ele afirmou: “Grande parte dos bispos católicos da América Latina lamentam comigo o fato de que o Conselho Ecumênico de Igrejas tem dado grande ajuda a movimentos de subversão". Condenação pública que Jaime Wright recebeu ainda em vida, enquanto residente com sua família a dois quarteirões de uma igreja presbiteriana, em Vitória, ES.
No livro biográfico destaquei as declarações elegantes do Rev. Charles Roy Harper (responsável pela repatriação dos documentos referentes à perseguição política na ditadura), em evidente deferência aos católicos Paulo Evaristo Arns e Helder Câmara, os quais reconheciam e recorriam ao CMI, atendidos em extraordinário espírito ecumênico. Mas nenhum setor internacional da Igreja Católica participou moral e financeiramente da ajuda aos perseguidos, nem protegeu refugiados das ditaduras, desde a América Central e Caribe, ao Cone Sul. O CMI arcou com todos os custos dos projetos “Brasil: Nunca Mais” e Clamor. A exceção é o Cardeal Paulo Evaristo Arns, que abrigou o grupo que constituiu o projeto “Brasil: Nunca Mais”, e deu-lhe voz na imprensa amordaçada, através do jornal da Arquidiocese de São Paulo, que desafiava a censura estabelecida pela ditadura através do AI-5.
A história recente tem tributado e honrado personagens democráticos libertários, como Tancredo Neves, Ulisses Guimarães, Teotônio Vilela, Sobral Pinto, Oscar Niemeyer, Júlio Prestes, com biografias, documentários, canções, exposições, reportagens, referências literárias, bem merecidas. A história do protestantismo recente, no entanto, segundo conceito da sociedade contemporânea, tem dado importância aos pastores milionários do pentecostalismo mercadológico, das igrejas de negócios, dos comerciantes da fé. Prestidigitadores e charlatães interessam mais à mídia e à imprensa escrita que os religiosos mártires que lutam pela democracia e a liberdade, sob risco de morte. É assim no Brasil. É o reverso da verdade que cerca o autêntico protestantismo evangélico.
O debate sobre os fatos que cercam Jaime Wright precisa ser estendido à juventude católica e evangélica protestante. Com prioridade, uma vez que os jovens são intérpretes e protagonistas preferenciais desse século e suas ênfases. É preciso reconhecer a necessidade de participação concreta da juventude, nas cidades, nos municípios, nos estados, no país, nas igrejas, nas escolas e nas universidades. Absurdos sempre retornam na história do mundo. Presentes no intento comum dos autoritarismos políticos, onde o Mal é o parâmetro controlador da vida, tido equivocada ou intencionalmente como inevitável e irreversível.
A fé cristã afirma o contrário quanto aos absurdos. São agressões à consciência libertária da fé em esperança. Assim, o reverendo Jaime Wright será lembrado como um homem que não fugiu de sua vocação. Com estas referências, a Igreja evangélica protestante deve recobrar a dignidade perdida de seus pastores; deve também recuperar o conceito anterior, de honestidade política e compromisso cidadão com o país. Minha colega, uma pastora presbiteriana estudando na Alemanha, dizia-me, ao ler nosso livro: “Esta é a verdade sobre o autêntico protestantismo brasileiro”. O autor agradece pelos demais pastores e líderes do protestantismo de resistência.
Em tempo
Derval Dasilio lançou em dezembro o livro Jaime Wright – O Pastor dos Torturados que conta a história do pastor presbiteriano que denunciou as injustiças na época da ditadura militar no Brasil.
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É pastor emérito da Igreja Presbiteriana Unida do Brasil e autor de livros como “Pedagogia da Ganância" (2013) e "O Dragão que Habita em Nós” (2010).
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