Opinião
- 30 de outubro de 2016
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O evangelho pertence a uma denominação?
Martinho Lutero jamais pretendeu tornar-se o centro das atenções. Era um estudante de direito atormentado por uma angústia. Tinha consciência de que não conseguia ser o que Deus queria que ele fosse. Sabia-se endividado diante de Deus. Em 1505 ele entrou num convento com hábitos rigorosos para obter a certeza do perdão divino. Essa recomendação da igreja medieval dava a todos que a buscavam. Assim, abdicou ao mundo e submeteu-se aos exercícios espirituais com extremo rigor. No entanto, isso não aliviou sua angústia. Pelo contrário, a potenciou. Seu superior, não sabendo mais o que lhe recomendar, ordenou que se dedicasse ao estudo da Bíblia. Assim, em 1512, Lutero tornou-se professor de Bíblia numa universidade provinciana onde começou a dar aulas sobre os Salmos.
No preparo dessas aulas Lutero foi surpreendido por uma afirmação do Salmo 31: “Em ti, Senhor, me refugio; nunca permitas que eu seja humilhado; livra-me pela tua justiça”. Percebeu que o salmista não clamava “livra-me pela minha justiça”, mas que ele pedia a Deus “livra-me pela tua justiça”. Começou a se dar conta que a libertação da inclinação para o mal não resultava da justiça que nós produzimos. Descobriu que ela procede da justiça que Deus oferece gratuitamente por meio de Jesus Cristo. Quase 40 anos mais tarde o reformador recordaria o impacto deste aprendizado: “Dia e noite eu desejava entender Paulo em Romanos; noite e dia ponderei até perceber a conexão entre a justiça de Deus e a afirmação de que o ‘justo vive pela fé’. Então eu entendi que a justiça de Deus é aquela pela qual Deus nos justifica na graça e pura misericórdia. Eu me senti completamente renascido e acolhido pelas portas abertas no paraíso. Toda a Escritura adquiriu um novo significado: se antes (a menção da) ‘justiça de Deus' me enchia de ódio, agora tornou-se indescritivelmente doce e amável. Esta afirmação de Paulo tornou-se para mim num portal do paraíso.”
Só em 1517 Lutero viria a público com este seu aprendizado pessoal. E ele o fez motivado por uma situação pastoral, pois encontrara um membro da igreja alcoolizado cuja confissão havia ouvido poucos dias antes. Quando Lutero questionou seu comportamento, o bêbado justificou-se, apresentando a indulgência, uma certidão emitida pela igreja que garantia perdão dos pecados a quem a comprava. Indignado, Lutero redigiu então as “95 Teses” sobre o verdadeiro arrependimento. Elas eram um roteiro para debater o assunto em sala de aula. Como de costume afixou-as na porta da igreja que funcionava como edital de avisos da faculdade. De lá as “95 Teses” viralizaram. Viraram panfleto impresso aos milhares. Em poucas semanas seriam conhecidas por toda Europa, de Roma a Londres, de Madrid e Paris a Praga.
É verdade que depois outros interesses se conectaram e, não poucas vezes, sobrepujaram esse propósito de restaurar a fé na boa notícia da salvação graciosa por meio de Jesus. Ainda que a Reforma tenha impactado a estrutura eclesiástica, interferido na política e na economia da Europa, não se pode esquecer que ela se originou desta resposta à pergunta pela certeza da salvação que afligia a muitos. Apenas esta aflição generalizada explica o impacto do testemunho da Reforma.
Por causa desse foco, nem Lutero nem qualquer outra liderança da Reforma – Zwinglio, Bucer, Menon, Calvino, etc –, postularam direitos autorais pela redescoberta da graça. Entenderam-se como meros instrumentos pelos quais Deus estava restaurando sua igreja. Lutero manifestou-se explicitamente sobre isso no prefácio da primeira edição alemã de suas obras: “Antes de tudo peço que não mencionem o meu nome e nem se chamem de luteranos, mas de cristãos. Quem é Lutero? A doutrina não é minha. Também não fui crucificado por ninguém. Em 1Coríntios 1 São Paulo não tolerou que se chamasse os cristãos de paulinos ou petrinos, mas (deveriam chamar-se apenas) cristãos. Como seria possível que filhos de Cristo fossem chamados pelo meu desgraçado nome, eu saco de vermes pobre e fedorento. Não seja assim, caros amigos, apaguemos todos os nomes partidários e sejamos (apenas) de Cristo, cujos ensinamentos temos. … Os cristãos não creem em Lutero, mas no próprio Cristo; (assim) abram mão de Lutero; apegue-se à palavra. [...] Não sou, nem quero ser o mestre de ninguém. Somente Cristo é nosso mestre.”
Ao aplicar a admoestação de Paulo à igreja em Corinto ao seu tempo, Lutero desafia também a nós a bebermos da fonte do evangelho e a perseverarmos na “obediência da fé” em Jesus Cristo (Rm 1.5 e 16.26). Só quem deixar de lado o sectarismo denominacional poderá anunciar a esperança em Cristo a quem vive na busca ansiosa pelo que dá sentido à vida. Assim lembramos o testemunho dos reformadores para “… livrar-nos de tudo o que nos atrapalha e do pecado que nos envolve, e correr com perseverança a corrida que nos é proposta, tendo os olhos fitos em Jesus, autor e consumador da nossa fé.” (Hb 12.1-2).
Martin Weingaertner, nascido em Santa Catarina (1949), é professor e diretor da Faculdade de Teologia Evangélica em Curitiba (FATEV) e editor do devocionário “Orando em Família”. Seu casamento com Ursula foi abençoado com 5 filhos e 8 netos.
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Só em 1517 Lutero viria a público com este seu aprendizado pessoal. E ele o fez motivado por uma situação pastoral, pois encontrara um membro da igreja alcoolizado cuja confissão havia ouvido poucos dias antes. Quando Lutero questionou seu comportamento, o bêbado justificou-se, apresentando a indulgência, uma certidão emitida pela igreja que garantia perdão dos pecados a quem a comprava. Indignado, Lutero redigiu então as “95 Teses” sobre o verdadeiro arrependimento. Elas eram um roteiro para debater o assunto em sala de aula. Como de costume afixou-as na porta da igreja que funcionava como edital de avisos da faculdade. De lá as “95 Teses” viralizaram. Viraram panfleto impresso aos milhares. Em poucas semanas seriam conhecidas por toda Europa, de Roma a Londres, de Madrid e Paris a Praga.
É verdade que depois outros interesses se conectaram e, não poucas vezes, sobrepujaram esse propósito de restaurar a fé na boa notícia da salvação graciosa por meio de Jesus. Ainda que a Reforma tenha impactado a estrutura eclesiástica, interferido na política e na economia da Europa, não se pode esquecer que ela se originou desta resposta à pergunta pela certeza da salvação que afligia a muitos. Apenas esta aflição generalizada explica o impacto do testemunho da Reforma.
Por causa desse foco, nem Lutero nem qualquer outra liderança da Reforma – Zwinglio, Bucer, Menon, Calvino, etc –, postularam direitos autorais pela redescoberta da graça. Entenderam-se como meros instrumentos pelos quais Deus estava restaurando sua igreja. Lutero manifestou-se explicitamente sobre isso no prefácio da primeira edição alemã de suas obras: “Antes de tudo peço que não mencionem o meu nome e nem se chamem de luteranos, mas de cristãos. Quem é Lutero? A doutrina não é minha. Também não fui crucificado por ninguém. Em 1Coríntios 1 São Paulo não tolerou que se chamasse os cristãos de paulinos ou petrinos, mas (deveriam chamar-se apenas) cristãos. Como seria possível que filhos de Cristo fossem chamados pelo meu desgraçado nome, eu saco de vermes pobre e fedorento. Não seja assim, caros amigos, apaguemos todos os nomes partidários e sejamos (apenas) de Cristo, cujos ensinamentos temos. … Os cristãos não creem em Lutero, mas no próprio Cristo; (assim) abram mão de Lutero; apegue-se à palavra. [...] Não sou, nem quero ser o mestre de ninguém. Somente Cristo é nosso mestre.”
Ao aplicar a admoestação de Paulo à igreja em Corinto ao seu tempo, Lutero desafia também a nós a bebermos da fonte do evangelho e a perseverarmos na “obediência da fé” em Jesus Cristo (Rm 1.5 e 16.26). Só quem deixar de lado o sectarismo denominacional poderá anunciar a esperança em Cristo a quem vive na busca ansiosa pelo que dá sentido à vida. Assim lembramos o testemunho dos reformadores para “… livrar-nos de tudo o que nos atrapalha e do pecado que nos envolve, e correr com perseverança a corrida que nos é proposta, tendo os olhos fitos em Jesus, autor e consumador da nossa fé.” (Hb 12.1-2).
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