Opinião
- 12 de novembro de 2012
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Nem católicos, nem protestantes
Nos 495 anos da Reforma Protestante no século 16, comemorados em 31 de outubro, queremos fazer referência ao movimento “anabatista”. Pouco conhecida e vista com desconfiança, a chamada reforma radical ocupou lugar fundamental no advento do processo reformador da igreja. Isto porque levou adiante certos pressupostos aos limites políticos e espirituais. Luteranos e calvinistas, bem como os católicos, recusaram, condenaram e perseguiram os anabatistas.
Um dos resultados foi a dispersão por conta do massacre ocorrido no qual cerca de 100 mil camponeses foram mortos. Líderes como Thomas Müntzer e Karlstadt sublevaram multidões contra a ordem estabelecida, movidos pelo milenarismo das profecias e das revelações. Lutero, imbuído da teologia dos dois reinos, aprovou a necessidade da repressão do movimento rebelde, mas rejeitou a violência exercida. Por sua vez, para os radicais o sacerdócio universal dos santos reivindicava o fim de qualquer hierarquização na igreja, afirmando a igualdade de todos para com Deus, em comunidades autogestoras e de decisões compartilhadas. Um germe da democracia moderna.
Se a Reforma foi um movimento popular e reformador, o anabatismo foi revolucionário por ter questionado e pressionado as bases políticas e econômicas da sociedade em transição para o capitalismo. Se luteranos fizeram alianças com a nobreza aristocrática e os calvinistas justificaram a emergência da ordem moderna capitalista, o anabatismo foi abraçado pelos camponeses. Se Ulrich Zwinglio, apoiado pela burguesia urbana e instruída das cidades suíças, foi pela via do simbolismo limitando-se à dimensão eclesiástica, o anabatismo foi rural e rejeitou as estruturas eclesiásticas.
Estes trabalhadores do campo entenderam que a terra dada por Deus a todos deveria ser desfrutada por todos e, por isso, reagiram contra a acumulação de terras por parte da nobreza que ocupava cargos na hierarquia eclesiástica. Os anabatistas foram precursores da reforma agrária.
Para Engels, eles deram continuidade às tradições de protestos populares oriundos do medievo e anteciparam os movimentos operários socialistas do século 19. Foram chamados de hereges pela rejeição do batismo – inclusive o das igrejas protestantes –, pela releitura do valor da eucaristia e pela negação da relação ou aliança entre Igreja e Estado. Além disso, o misticismo religioso sincretizado com engajamentos políticos na instalação imediata do Reino de Deus em seu igualitarismo trouxe a repulsa ao movimento.
A piedade subversiva dos espiritualistas resultou na extrema repressão com violência, diante das ações iconoclastas, do rebatismo, da autonomia da escolha dos pastores e do anticlericalismo. As ovelhas se voltaram contra os pastores. As comunidades se desligaram das estruturas. A tradição foi identificada como pertencendo ao discurso do poder estabelecido. Thomas Muntzer dizia que “o povo será livre e somente Deus será seu Senhor”, num projeto que se aproximaria da proposta anarquista moderna.
Num certo momento, não se afirmavam nem como católicos e nem como protestantes. Se a inspiração não vinha da tradição, nem da doutrina oficial ou muito menos da fala clerical autorizada, a sua fonte era o interior, a alma, pelo testemunho interno do Espírito. Esta concepção disseminou-se nas práticas posteriores dos quacres e de movimentos separatistas, que precedeu o movimento pietista, na relevância dada à subjetividade, voltado para uma espiritualidade mais existencial. O anabatismo, enfim foi um laboratório de experiências no contexto nascente da Reforma, marcado por ambiguidades, mas gestador de paradigmas que podemos retomar hoje, diante da aguda crise evangélica que se diz legatária de Reforma.
Um deles seria o questionamento e o protesto contra injustiças sociais numa sociedade mascarada pelo consumismo. Outro seria a espiritualidade integral, vivenciada nos âmbitos privado e público, reencontrando o valor e o sentido de ser igreja. Ainda mais outro seria a releitura das escrituras tomando o contexto vivencial dos leitores. Quem sabe redescobrimos uma agenda do Reino nem “católica” e nem “protestante”.
Fonte:
LINDBERG, Carter. As reformas na Europa. Trad. Luís Henrique Dreher e Luís Marcos Sander. São Leopoldo: Sinodal, 2001.
Lyndon de Araújo Santos é historiador, professor universitário e pastor da Igreja Evangélica Congregacional em São Luís, MA. Faz parte da Fraternidade Teológica Latino-americana - Setor Brasil (FTL-Br).
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