Opinião
- 17 de outubro de 2016
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Meta-História e a imaginação teológica
A imaginação muitas vezes nos leva a mundos inexistentes, mas sem ela não iríamos a lugar algum.
— Carl Sagan
Tive muito medo de lançar o livro Meta-História, há 22 anos. Tanto medo de publicá-lo quanto alegria de escrevê-lo. O medo vinha da insegurança quanto à qualidade da teologia que estava fazendo. E a alegria vinha das descobertas a que pensava estar chegando.
Achei que era necessário advertir meu leitor sobre os riscos e ganhos envolvidos na empreitada. Apoiei-me, então, no sociólogo americano Wright Mills, que trabalhou sobre o lugar da imaginação no pensamento científico. Ao lançar seu livro "A Imaginação Sociológica", em 1959, ele dizia: “Não é apenas de informação que necessitam [os cientistas sociais] ... Não é apenas da habilidade da razão que precisam [...] O que precisam, e o que sentem precisar, é uma qualidade do espírito que lhes ajude a usar a informação e a desenvolver a razão... É essa qualidade, afirmo, que jornalistas e professores, artistas e públicos, cientistas e editores estão começando a esperar daquilo que poderemos chamar de imaginação sociológica.”
Foi daí que me veio a coragem para propor o termo "imaginação teológica". Algo bem diferente da fantasia, diga-se. A imaginação consistiria no movimento mental de lançar hipóteses, de inferir, de concluir, de associar ideias e imagens. A fantasia já não precisa ter limites da "realidade" nem base factual, nem compromisso com qualquer verdade. Em que pese a criatividade envolvida, minha imaginação teológica precisava ter compromisso com a biblicidade e consistência com o relato bíblico, ainda que não chegasse a citações de versículos.
Quero lembrar um trecho do que escrevi, na introdução ao "Meta-História: a história por trás da história da salvação".
"A imaginação teológica ajuda-nos a “ler” uma passagem, ou um conjunto de textos, sem que nos aprisionemos tanto pela sua concretude. É bem verdade que a imaginação em si traz a possibilidade da incursão no mundo do inexistente, da fantasia, da fábula. Por isso, precisamos entendê-la como uma “imaginação instrumentada”, ou seja, não totalmente livre, mas ligada ao bom-senso, à técnica, ao conhecimento, ao método — uma espécie de imaginação científica. Com essas restrições e cuidados, ela permite vôos, permite ligações mais ousadas entre dois temas — menos seguras, admitamos. Mas sem ela — e isso não acontece apenas no ramo da Teologia, mas em qualquer área do conhecimento humano — não há invenções, não há descobertas, não há ciência, não há progresso. É ela que nos impulsiona para o desconhecido, para o não-óbvio (ou para o óbvio não dito)."
Hoje eu já não pediria tantas desculpas. Vendo as parábolas de Jesus, as ousadas conexões bíblicas do autor de Hebreus, a linguagem figurada dos salmos, já não tenho tanto receio de imaginar. Com o tempo, vamos aprendendo os limites entre a imaginação e a fantasia. Não que esta seja perniciosa à teologia. Um exemplo de bom uso desse recurso literário são as Crônicas de Nárnia, de C. S. Lewis (como aprendi sobre o cristianismo nesses textos juvenis!) Com o tempo, vamos nos tornando capazes de evitar "perder o pé" da Bíblia, como quando, na praia, uma onda nos levanta, tirando-nos, perigosamente, o apoio.
Hoje já podemos criar metáforas, parábolas e até mesmo fábulas, sem que, necessariamente, se comprometa nossa biblicidade. Percebemos que muitos pregadores consagrados fazem isso, ao explicar e aplicar textos bíblicos aos dias de hoje (sem o quê qualquer hermenêutica é estéril). Analogias, que são uma forma de imaginação, são utilizadas dentro de seus limites e limitações para esclarecer ou enriquecer o texto bíblico. Nada mais são que resultado de processos imaginativos. Recursos imagéticos ou linguísticos pelos quais nos apropriamos das diversas esferas de realidade resultantes da criação de Deus. Daquilo que nos é dado experimentar ou conhecer.
1. MILLS, Wright C. A Imaginação Sociológica. Rio de Janeiro, Zahar, 4ª ed., 1975, p. 11.
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Experimente improvisar
Leituras Diárias das Crônicas de Nárnia
Apocalipse e a imaginação
— Carl Sagan
Tive muito medo de lançar o livro Meta-História, há 22 anos. Tanto medo de publicá-lo quanto alegria de escrevê-lo. O medo vinha da insegurança quanto à qualidade da teologia que estava fazendo. E a alegria vinha das descobertas a que pensava estar chegando.
Achei que era necessário advertir meu leitor sobre os riscos e ganhos envolvidos na empreitada. Apoiei-me, então, no sociólogo americano Wright Mills, que trabalhou sobre o lugar da imaginação no pensamento científico. Ao lançar seu livro "A Imaginação Sociológica", em 1959, ele dizia: “Não é apenas de informação que necessitam [os cientistas sociais] ... Não é apenas da habilidade da razão que precisam [...] O que precisam, e o que sentem precisar, é uma qualidade do espírito que lhes ajude a usar a informação e a desenvolver a razão... É essa qualidade, afirmo, que jornalistas e professores, artistas e públicos, cientistas e editores estão começando a esperar daquilo que poderemos chamar de imaginação sociológica.”
Foi daí que me veio a coragem para propor o termo "imaginação teológica". Algo bem diferente da fantasia, diga-se. A imaginação consistiria no movimento mental de lançar hipóteses, de inferir, de concluir, de associar ideias e imagens. A fantasia já não precisa ter limites da "realidade" nem base factual, nem compromisso com qualquer verdade. Em que pese a criatividade envolvida, minha imaginação teológica precisava ter compromisso com a biblicidade e consistência com o relato bíblico, ainda que não chegasse a citações de versículos.
Quero lembrar um trecho do que escrevi, na introdução ao "Meta-História: a história por trás da história da salvação".
"A imaginação teológica ajuda-nos a “ler” uma passagem, ou um conjunto de textos, sem que nos aprisionemos tanto pela sua concretude. É bem verdade que a imaginação em si traz a possibilidade da incursão no mundo do inexistente, da fantasia, da fábula. Por isso, precisamos entendê-la como uma “imaginação instrumentada”, ou seja, não totalmente livre, mas ligada ao bom-senso, à técnica, ao conhecimento, ao método — uma espécie de imaginação científica. Com essas restrições e cuidados, ela permite vôos, permite ligações mais ousadas entre dois temas — menos seguras, admitamos. Mas sem ela — e isso não acontece apenas no ramo da Teologia, mas em qualquer área do conhecimento humano — não há invenções, não há descobertas, não há ciência, não há progresso. É ela que nos impulsiona para o desconhecido, para o não-óbvio (ou para o óbvio não dito)."
Hoje eu já não pediria tantas desculpas. Vendo as parábolas de Jesus, as ousadas conexões bíblicas do autor de Hebreus, a linguagem figurada dos salmos, já não tenho tanto receio de imaginar. Com o tempo, vamos aprendendo os limites entre a imaginação e a fantasia. Não que esta seja perniciosa à teologia. Um exemplo de bom uso desse recurso literário são as Crônicas de Nárnia, de C. S. Lewis (como aprendi sobre o cristianismo nesses textos juvenis!) Com o tempo, vamos nos tornando capazes de evitar "perder o pé" da Bíblia, como quando, na praia, uma onda nos levanta, tirando-nos, perigosamente, o apoio.
Hoje já podemos criar metáforas, parábolas e até mesmo fábulas, sem que, necessariamente, se comprometa nossa biblicidade. Percebemos que muitos pregadores consagrados fazem isso, ao explicar e aplicar textos bíblicos aos dias de hoje (sem o quê qualquer hermenêutica é estéril). Analogias, que são uma forma de imaginação, são utilizadas dentro de seus limites e limitações para esclarecer ou enriquecer o texto bíblico. Nada mais são que resultado de processos imaginativos. Recursos imagéticos ou linguísticos pelos quais nos apropriamos das diversas esferas de realidade resultantes da criação de Deus. Daquilo que nos é dado experimentar ou conhecer.
1. MILLS, Wright C. A Imaginação Sociológica. Rio de Janeiro, Zahar, 4ª ed., 1975, p. 11.
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Leituras Diárias das Crônicas de Nárnia
Apocalipse e a imaginação
Rubem Amorese é presbítero emérito na Igreja Presbiteriana do Planalto, em Brasília. Foi professor na Faculdade Teológica Batista por vinte anos e consultor legislativo no Senado Federal. É autor de, entre outros, Fábrica de Missionários e Ponto Final. Acompanhe seu blog pessoal: ultimato.com.br/sites/amorese.
- Textos publicados: 36 [ver]
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Site: http://www.amorese.com.br
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