Opinião
- 15 de dezembro de 2016
- Visualizações: 12001
- comente!
- +A
- -A
- compartilhar
Existem dois tipos de pessoas: as que agradecem e as ingratas
O mundo das lutas, problemas e privações é habitado por dois tipos de pessoas: aquelas que glorificam a Deus, e lhe dão graças e aquelas que, nas mesmas circunstâncias, não o fazem. As primeiras são apontadas pelo apóstolo Paulo como bem-aventuradas; as segundas como loucas. A ingratidão, segundo ele, é causa de soberba e degradação. Achando-se sábios, tornam-se loucos.
Considero esse entendimento do apóstolo intrigante. Ele apresenta a gratidão como um divisor de águas. Ou melhor, como um divisor de almas. Na sequência de seu pensamento, o quadro é triste: embrutecimento e declínio moral são o caminho daqueles que "nem lhe deram graças" (Rm 1: 21).
Ao tentar compreender a razão por que a gratidão ocupa posição tão destacada no pensamento do apóstolo, dou-me conta de que estou às voltas com um mistério. Considero-a integrante de uma trindade fundamental da alma humana, formada pela fé, pela contrição e pela gratidão.
A gratidão me parece ser uma capacidade, ou disposição do coração, que funciona como célula-tronco espiritual. É capaz de se transformar em qualquer tipo de "tecido da alma". Além disso, é atitude esperada por Deus entre aqueles que o buscam. Ela não pode, no entanto, ser comprada no mercado. Então, de onde vem? Como desenvolvê-la? Tenho aprendido que é dádiva do próprio Deus; e que se desenvolve pela prática, pelo seu exercício.
Consciente de que estou examinando um mistério, tento compreender esse coração que dá graças mesmo em meio às vicissitudes; essa alma cujo culto é permeado de comunhão, cânticos e ações de graças; esse coração que, na alegria e na dor, adora seu Criador. De fato, este último gesto pressupõe a gratidão. Pois ela não floresce em um coração ressentido, como o de Jonas.
Ora, temos aprendido que "sem fé é impossível agradar a Deus"; também ouvimos do salmista que é de um coração contrito que Deus se agrada. E também, que o mundo está dividido entre aqueles que mantêm e os que não mantêm o coração grato. Mas, tendo chegado a este ponto, é razoável indagar: como? Onde haveremos de encontrar, dentro de nós, a fé, a contrição e a gratidão que tanto agradam a Deus?
Eu ousaria sugerir que tais células-tronco da alma já estão lá. Foram depositadas em nossas vidas pelo próprio Criador. Entretanto, como são capacidades, ferramentas, aguardam seu uso adequado. São chaves que abrem determinadas portas. São tesouras que cortam de modo peculiar; são martelos que batem em pregos; são palavras inefáveis a serem ditas; são linguagem apropriada para expressar segredos íntimos, e revelá-los até mesmo a quem dessa linguagem se utiliza.
Estão lá no fundo, dizíamos; são dons do Criador; e seu uso é esperado por ele, do mesmo modo que o lavrador espera o germinar da semente que plantou.
Assim como nos tornamos hábeis no uso de nossas ferramentas de trabalho, devemos praticar o uso da "ferramenta gratidão". Sem que a utilizemos, ela ficará inerte, dentro de nós, e nada de bom produzirá. Uma tesoura não corta sozinha. Mas tendo sido reconhecida, mediante a exortação da Palavra de Deus, poderá ser utilizada com destreza e grande proveito.
E como é esse misterioso instrumento da alma, que chamamos de gratidão? Penso que se trata de uma linguagem. Uma capacidade de expressar emoções e afetos. Ele pode se manifestar na forma de cântico, de poesia, de gesto de carinho, de sorriso ou mesmo de um simples olhar. Não importa; o que vale é o que está "dizendo". E normalmente "diz" que algo lá dentro percebeu o bem recebido e se alegrou e deseja que o benfeitor saiba disso.
O coração sabe que esse bem, essa alegria, esse agrado não foi produzido por ele mesmo. Não, veio de fora; veio sem preço, veio de graça — não raramente inesperada. E o exercício a que nos referíamos consiste em identificar o benfeitor e "dizer" isso de volta. A esse "dizer" eu chamaria de agradecimento ou ação de graças. Estamos expressando gratidão. Estamos exteriorizando essa alegria interna, esse bem-querer, esse desejo de retribuição — muitas vezes impossível de realizar, considerando a dimensão da dádiva recebida. Sentimos e dizemos que tal gesto criou em nós uma obrigação de retribuição impossível. Dizemos, então, que estamos muito obrigados.
O que me encanta nisso tudo é que o trabalho constante das células-tronco faz crescer em nós as células da alegria, do contentamento, do afeto, da amabilidade e tantas outras. Em particular, torna-nos generosos. Porque a gratidão é célula-tronco do altruísmo.
Leia também
Irmãs gêmeas
Louvarei ao Senhor — "em todo o tempo"
Pare de Conjugar o Verbo Sofrer
Foto: Michael Gaída / Pixabay.com
Considero esse entendimento do apóstolo intrigante. Ele apresenta a gratidão como um divisor de águas. Ou melhor, como um divisor de almas. Na sequência de seu pensamento, o quadro é triste: embrutecimento e declínio moral são o caminho daqueles que "nem lhe deram graças" (Rm 1: 21).
Ao tentar compreender a razão por que a gratidão ocupa posição tão destacada no pensamento do apóstolo, dou-me conta de que estou às voltas com um mistério. Considero-a integrante de uma trindade fundamental da alma humana, formada pela fé, pela contrição e pela gratidão.
A gratidão me parece ser uma capacidade, ou disposição do coração, que funciona como célula-tronco espiritual. É capaz de se transformar em qualquer tipo de "tecido da alma". Além disso, é atitude esperada por Deus entre aqueles que o buscam. Ela não pode, no entanto, ser comprada no mercado. Então, de onde vem? Como desenvolvê-la? Tenho aprendido que é dádiva do próprio Deus; e que se desenvolve pela prática, pelo seu exercício.
Consciente de que estou examinando um mistério, tento compreender esse coração que dá graças mesmo em meio às vicissitudes; essa alma cujo culto é permeado de comunhão, cânticos e ações de graças; esse coração que, na alegria e na dor, adora seu Criador. De fato, este último gesto pressupõe a gratidão. Pois ela não floresce em um coração ressentido, como o de Jonas.
Ora, temos aprendido que "sem fé é impossível agradar a Deus"; também ouvimos do salmista que é de um coração contrito que Deus se agrada. E também, que o mundo está dividido entre aqueles que mantêm e os que não mantêm o coração grato. Mas, tendo chegado a este ponto, é razoável indagar: como? Onde haveremos de encontrar, dentro de nós, a fé, a contrição e a gratidão que tanto agradam a Deus?
Eu ousaria sugerir que tais células-tronco da alma já estão lá. Foram depositadas em nossas vidas pelo próprio Criador. Entretanto, como são capacidades, ferramentas, aguardam seu uso adequado. São chaves que abrem determinadas portas. São tesouras que cortam de modo peculiar; são martelos que batem em pregos; são palavras inefáveis a serem ditas; são linguagem apropriada para expressar segredos íntimos, e revelá-los até mesmo a quem dessa linguagem se utiliza.
Estão lá no fundo, dizíamos; são dons do Criador; e seu uso é esperado por ele, do mesmo modo que o lavrador espera o germinar da semente que plantou.
Assim como nos tornamos hábeis no uso de nossas ferramentas de trabalho, devemos praticar o uso da "ferramenta gratidão". Sem que a utilizemos, ela ficará inerte, dentro de nós, e nada de bom produzirá. Uma tesoura não corta sozinha. Mas tendo sido reconhecida, mediante a exortação da Palavra de Deus, poderá ser utilizada com destreza e grande proveito.
E como é esse misterioso instrumento da alma, que chamamos de gratidão? Penso que se trata de uma linguagem. Uma capacidade de expressar emoções e afetos. Ele pode se manifestar na forma de cântico, de poesia, de gesto de carinho, de sorriso ou mesmo de um simples olhar. Não importa; o que vale é o que está "dizendo". E normalmente "diz" que algo lá dentro percebeu o bem recebido e se alegrou e deseja que o benfeitor saiba disso.
O coração sabe que esse bem, essa alegria, esse agrado não foi produzido por ele mesmo. Não, veio de fora; veio sem preço, veio de graça — não raramente inesperada. E o exercício a que nos referíamos consiste em identificar o benfeitor e "dizer" isso de volta. A esse "dizer" eu chamaria de agradecimento ou ação de graças. Estamos expressando gratidão. Estamos exteriorizando essa alegria interna, esse bem-querer, esse desejo de retribuição — muitas vezes impossível de realizar, considerando a dimensão da dádiva recebida. Sentimos e dizemos que tal gesto criou em nós uma obrigação de retribuição impossível. Dizemos, então, que estamos muito obrigados.
O que me encanta nisso tudo é que o trabalho constante das células-tronco faz crescer em nós as células da alegria, do contentamento, do afeto, da amabilidade e tantas outras. Em particular, torna-nos generosos. Porque a gratidão é célula-tronco do altruísmo.
Leia também
Irmãs gêmeas
Louvarei ao Senhor — "em todo o tempo"
Pare de Conjugar o Verbo Sofrer
Foto: Michael Gaída / Pixabay.com
Rubem Amorese é presbítero emérito na Igreja Presbiteriana do Planalto, em Brasília. Foi professor na Faculdade Teológica Batista por vinte anos e consultor legislativo no Senado Federal. É autor de, entre outros, Fábrica de Missionários e Ponto Final. Acompanhe seu blog pessoal: ultimato.com.br/sites/amorese.
- Textos publicados: 36 [ver]
-
Site: http://www.amorese.com.br
- 15 de dezembro de 2016
- Visualizações: 12001
- comente!
- +A
- -A
- compartilhar
QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU ATÉ AQUI.
Ultimato quer falar com você.
A cada dia, mais de dez mil usuários navegam pelo Portal Ultimato. Leem e compartilham gratuitamente dezenas de blogs e hotsites, além do acervo digital da revista Ultimato, centenas de estudos bíblicos, devocionais diárias de autores como John Stott, Eugene Peterson, C. S. Lewis, entre outros, além de artigos, notícias e serviços que são atualizados diariamente nas diferentes plataformas e redes sociais.
PARA CONTINUAR, precisamos do seu apoio. Compartilhe conosco um cafezinho.
Leia mais em Opinião
Opinião do leitor
Para comentar é necessário estar logado no site. Clique aqui para fazer o login ou o seu cadastro.
Ainda não há comentários sobre este texto. Seja o primeiro a comentar!
Escreva um artigo em resposta
Para escrever uma resposta é necessário estar cadastrado no site. Clique aqui para fazer o login ou seu cadastro.
Ainda não há artigos publicados na seção "Palavra do leitor" em resposta a este texto.
Assuntos em Últimas
- 500AnosReforma
- Aconteceu Comigo
- Aconteceu há...
- Agenda50anos
- Arte e Cultura
- Biografia e História
- Casamento e Família
- Ciência
- Devocionário
- Espiritualidade
- Estudo Bíblico
- Evangelização e Missões
- Ética e Comportamento
- Igreja e Liderança
- Igreja em ação
- Institucional
- Juventude
- Legado e Louvor
- Meio Ambiente
- Política e Sociedade
- Reportagem
- Resenha
- Série Ciência e Fé Cristã
- Teologia e Doutrina
- Testemunho
- Vida Cristã
Revista Ultimato
+ lidos
- Descobrindo o potencial da diáspora: um chamado à igreja brasileira
- Trabalho sob a perspectiva do reino de Deus
- Jesus [não] tem mais graça
- Não confunda o Natal com Papai Noel — Para celebrar o verdadeiro Natal
- Onde estão as crianças?
- Uma cidade sitiada - Uma abordagem literária do Salmo 31
- C. S. Lewis, 126 anos
- Ultimato recebe prêmio Areté 2024
- Paciência e determinação: virtudes essenciais para enfrentar a realidade da vida
- Exalte o Altíssimo!