Opinião
- 06 de março de 2018
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Eva e a identidade feminina
Por Isabella Passos
Gênesis é fonte para importantes noções acerca das relações humanas e da interação entre os sexos na comunidade moral. Embora a narrativa de Adão e Eva possa ser melhor compreendida no contexto da cultura hebraica, todo bom cristão recebe dali verdades fundamentais. No entanto, nos primeiros anos do cristianismo, por causa da grande influência grega por meio da cultura helênica e pelo nascimento de várias seitas no meio cristão, algumas teologias acabaram por produzir uma série de interpretações negativas da natureza da mulher através do registro da matriarca adâmica. E, nisso, muitos teólogos confundiram Eva com Pandora.
Tertuliano, um dos primeiros teólogos cristãos, fez questão de lembrar às mulheres de sua época a sua ligação com uma imagem dura de Eva. Disse ele: “vocês não acreditam que (cada) uma de vocês é uma Eva? A sentença de Deus sobre este sexo de vocês vive mesmo em nossos tempos e, portanto, é necessário que a culpa também seja vivida. Você é a porta do Diabo, você é o agente daquela árvore (proibida): você é a primeira que deserta da lei divina; você é aquela que persuadiu a quem o Diabo não era suficientemente forte para atacar. Muito facilmente você destruiu a cara imagem de Deus. Por causa do seu deserto, isto é, a morte, mesmo o Filho de Deus teve que morrer”[1]. Em menor ou maior grau, o fato de ser Eva quem primeiro acolhe a tentação marca dramaticamente a mulher.
Dessa maneira, Eva figurando a mulher, em alguns meios passou a representar tudo de que a humanidade deve se proteger, fixando um imaginário da identidade feminina como seres ingênuos, fracos, desobedientes, desleais, indignos de confiança, enganosos, sedutores e motivados por pensamentos e comportamentos autointeressados. Na modernidade, disposições reforçadas por psicologismos que defenderam uma natureza refém da falta e da deficiência com seus respectivos substratos.
A redenção da feminilidade viria somente com Maria. Podendo explicar a nossa dificuldade de identificar outras mulheres bíblicas como exemplos de cristãos genuinamente comprometidos com a causa de Cristo. Ou se é Eva ou se é Maria, quando na verdade, independente do sexo, deveríamos ser todos, Cristo. Ou de outra forma, uma religião baseada em obras para as mulheres deveria ser a intepretação razoável para passagens como a de 1 Tim. 2:14-15. O que parece inadequado em vista dos princípios resgatados pela reforma principalmente naqueles pontos que defendem a justificação dos santos (e das santas) pela fé. Vale aqui revisitar as notas do comentador da Bíblia de Estudo de Genebra [2] onde são mencionados pelo menos três aspectos envolvidos na interpretação de 1 Timóteo.
Enquanto isso, a omissão de Adão não tem para nós a força estigmatizadora da ação de Eva. O abandono de Adão, no registro do silêncio, não nos faz questionar a fortaleza que Tertuliano defende para o sexo masculino adâmico. E isso ocorre porque tendemos a não interpretar ação e omissão como duas variações pertencentes a um mesmo comportamento finalista. Esquecendo que ação e omissão são subclasses de tomada de posição dentro de uma mesma reivindicação, não existindo, portanto, uma omissão por si ou independente da convocação. Omissão sempre tem a ver com uma conduta devida, requerida e, neste caso, aqueles que defendem um olhar rigoroso sobre Eva, que é legítimo, deveriam também lançar esse mesmo olhar sobre a omissão daquele que se diz não ter sido tentado.
Por isso, é Adão, feito homem e mulher, que peca contra Deus. E tem algo na ilustração do encontro dos dois gêneros no protótipo do humano que nos escapa completamente sugerindo uma prudente suspenção de juízo quanto aos detalhes que podem ter pouca importância no quadro geral do que se pretende comunicar pela narrativa. Mas a boa teologia conseguiria dar espaço a uma responsável epoché, porquanto, poderiam ser esses detalhes parte de uma resposta que havemos de ter mais distintamente somente no consumar dos tempos?
Assim, é bom não esquecer das ambiguidades que rondam as intepretações do casal adâmico. Uma em particular vem do teólogo reformado Geerhardus Vos. Ele sugere, pelas falas de Eva, que ela poderia ter sido escolhida pelo tentador porque não recebeu pessoalmente a proibição da parte Deus [3]. Eva, assim, poderia ter sido envolvida por um dilema acerca do conteúdo da proibição de Deus. Outro autor, Leon R. Kass, sugere do ponto de vista da psicologia e da antropologia, que “a mulher se mostra mais aberta ao mundo – para a beleza e para a possibilidade da sabedoria”, enquanto o homem se mantém fixo na diferença sexual na aparição de Eva. Assim, Eva ilustraria, segundo este autor, os “traços mais genuinamente humanos” [4], inclusive, os traços importantes ao mandato cultural depositado sobre Adão.
Essas ambiguidades, obviamente, não têm por intenção absolver Eva, mas contribuem para rever as imagens esboçadas pelos seguidores de Tertuliano. Inclusive, porque é razoável pensar que uma imagem deturpada de Eva também produzirá, inevitavelmente, uma imagem distorcida do masculino em Adão. E do próprio Adão. Afinal, é Adão, feito homem e mulher, que peca contra Deus. Então, busquemos a reconciliação desses termos porque a tragédia alcançou a todos. Mas também a providencial redenção. Em que Jesus não é um plano alternativo à desobediência de Eva ou mesmo de Adão. E não é mesmo, Tertuliano.
[1] Tertuliano. The Apparel of Women, livro I, cap. 1. 198 d.C. Ver aqui.
[2] Bíblia de Estudo de Genebra. Sociedade Bíblica do Brasil; São Paulo: Cultura Cristã, 2009.
[3] Geerhardus J. Vos. Reformed Dogmatics: Anthropology. 1896.
[4] Leon R. Kass. Man and Woman: An Old Story. 1991. Ver aqui.
• Isabella Passos é formada em Filosofia pela PUC-MG. Mora em Belo Horizonte e congrega na Igreja Esperança.
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Sobre a (in) submissão do masculino
O feminismo quer redefinir o que é ser homem?
A participação cristã no direito das mulheres ao voto
Mulheres e homens: o que fazer com as diferenças?
Deixem que Elas Mesmas Falem [Elben César]
Gênesis é fonte para importantes noções acerca das relações humanas e da interação entre os sexos na comunidade moral. Embora a narrativa de Adão e Eva possa ser melhor compreendida no contexto da cultura hebraica, todo bom cristão recebe dali verdades fundamentais. No entanto, nos primeiros anos do cristianismo, por causa da grande influência grega por meio da cultura helênica e pelo nascimento de várias seitas no meio cristão, algumas teologias acabaram por produzir uma série de interpretações negativas da natureza da mulher através do registro da matriarca adâmica. E, nisso, muitos teólogos confundiram Eva com Pandora.
Tertuliano, um dos primeiros teólogos cristãos, fez questão de lembrar às mulheres de sua época a sua ligação com uma imagem dura de Eva. Disse ele: “vocês não acreditam que (cada) uma de vocês é uma Eva? A sentença de Deus sobre este sexo de vocês vive mesmo em nossos tempos e, portanto, é necessário que a culpa também seja vivida. Você é a porta do Diabo, você é o agente daquela árvore (proibida): você é a primeira que deserta da lei divina; você é aquela que persuadiu a quem o Diabo não era suficientemente forte para atacar. Muito facilmente você destruiu a cara imagem de Deus. Por causa do seu deserto, isto é, a morte, mesmo o Filho de Deus teve que morrer”[1]. Em menor ou maior grau, o fato de ser Eva quem primeiro acolhe a tentação marca dramaticamente a mulher.
Dessa maneira, Eva figurando a mulher, em alguns meios passou a representar tudo de que a humanidade deve se proteger, fixando um imaginário da identidade feminina como seres ingênuos, fracos, desobedientes, desleais, indignos de confiança, enganosos, sedutores e motivados por pensamentos e comportamentos autointeressados. Na modernidade, disposições reforçadas por psicologismos que defenderam uma natureza refém da falta e da deficiência com seus respectivos substratos.
A redenção da feminilidade viria somente com Maria. Podendo explicar a nossa dificuldade de identificar outras mulheres bíblicas como exemplos de cristãos genuinamente comprometidos com a causa de Cristo. Ou se é Eva ou se é Maria, quando na verdade, independente do sexo, deveríamos ser todos, Cristo. Ou de outra forma, uma religião baseada em obras para as mulheres deveria ser a intepretação razoável para passagens como a de 1 Tim. 2:14-15. O que parece inadequado em vista dos princípios resgatados pela reforma principalmente naqueles pontos que defendem a justificação dos santos (e das santas) pela fé. Vale aqui revisitar as notas do comentador da Bíblia de Estudo de Genebra [2] onde são mencionados pelo menos três aspectos envolvidos na interpretação de 1 Timóteo.
Enquanto isso, a omissão de Adão não tem para nós a força estigmatizadora da ação de Eva. O abandono de Adão, no registro do silêncio, não nos faz questionar a fortaleza que Tertuliano defende para o sexo masculino adâmico. E isso ocorre porque tendemos a não interpretar ação e omissão como duas variações pertencentes a um mesmo comportamento finalista. Esquecendo que ação e omissão são subclasses de tomada de posição dentro de uma mesma reivindicação, não existindo, portanto, uma omissão por si ou independente da convocação. Omissão sempre tem a ver com uma conduta devida, requerida e, neste caso, aqueles que defendem um olhar rigoroso sobre Eva, que é legítimo, deveriam também lançar esse mesmo olhar sobre a omissão daquele que se diz não ter sido tentado.
Por isso, é Adão, feito homem e mulher, que peca contra Deus. E tem algo na ilustração do encontro dos dois gêneros no protótipo do humano que nos escapa completamente sugerindo uma prudente suspenção de juízo quanto aos detalhes que podem ter pouca importância no quadro geral do que se pretende comunicar pela narrativa. Mas a boa teologia conseguiria dar espaço a uma responsável epoché, porquanto, poderiam ser esses detalhes parte de uma resposta que havemos de ter mais distintamente somente no consumar dos tempos?
Assim, é bom não esquecer das ambiguidades que rondam as intepretações do casal adâmico. Uma em particular vem do teólogo reformado Geerhardus Vos. Ele sugere, pelas falas de Eva, que ela poderia ter sido escolhida pelo tentador porque não recebeu pessoalmente a proibição da parte Deus [3]. Eva, assim, poderia ter sido envolvida por um dilema acerca do conteúdo da proibição de Deus. Outro autor, Leon R. Kass, sugere do ponto de vista da psicologia e da antropologia, que “a mulher se mostra mais aberta ao mundo – para a beleza e para a possibilidade da sabedoria”, enquanto o homem se mantém fixo na diferença sexual na aparição de Eva. Assim, Eva ilustraria, segundo este autor, os “traços mais genuinamente humanos” [4], inclusive, os traços importantes ao mandato cultural depositado sobre Adão.
Essas ambiguidades, obviamente, não têm por intenção absolver Eva, mas contribuem para rever as imagens esboçadas pelos seguidores de Tertuliano. Inclusive, porque é razoável pensar que uma imagem deturpada de Eva também produzirá, inevitavelmente, uma imagem distorcida do masculino em Adão. E do próprio Adão. Afinal, é Adão, feito homem e mulher, que peca contra Deus. Então, busquemos a reconciliação desses termos porque a tragédia alcançou a todos. Mas também a providencial redenção. Em que Jesus não é um plano alternativo à desobediência de Eva ou mesmo de Adão. E não é mesmo, Tertuliano.
[1] Tertuliano. The Apparel of Women, livro I, cap. 1. 198 d.C. Ver aqui.
[2] Bíblia de Estudo de Genebra. Sociedade Bíblica do Brasil; São Paulo: Cultura Cristã, 2009.
[3] Geerhardus J. Vos. Reformed Dogmatics: Anthropology. 1896.
[4] Leon R. Kass. Man and Woman: An Old Story. 1991. Ver aqui.
• Isabella Passos é formada em Filosofia pela PUC-MG. Mora em Belo Horizonte e congrega na Igreja Esperança.
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O feminismo quer redefinir o que é ser homem?
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