Opinião
- 13 de outubro de 2009
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De Caio Fábio para Bráulia Ribeiro
Querida Bráulia, graça e paz!
Li o texto Alexandre (Ultimato, edição setembro/outubro, 2009) e me comovi profundamente com a dor de vocês, tão simples e verdadeiramente expressa pela Bráulia.
Você e eu já tivemos todas as chances de nos tornarmos mais próximos em razão de amigos comuns e de muitas identificações simples e práticas no Evangelho. Além disso, muitos já fizeram tudo para que isto acontecesse, mas as circunstâncias não permitiram; e a culpa é minha, não sua.
Não posso dizer que leio o que você escreve, que pesquiso, que estou informado sobre você em detalhes...
Sabia e soube de você mais pelo George Foster, pelo Pedro do Borel (hoje no Egito), pelo André Fernandes e pelo Tiago da Jocum em Brasília, do que por quaisquer outros meios. E todos me dão o mesmo testemunho; sim, falam-me da carta escrita com amor de Deus em seu coração para com todos os que passam em seu caminho.
Entretanto, amiga no Senhor, somente Jesus nunca foi levita e sacerdote na estrada, sendo sempre o samaritano.
Sim, além dele, todos os demais somos samaritanos de vez em quando, e ficamos felizes com isso. Embora em nossa ignorância e distração não registremos a quantidade enorme de vezes em que passamos de largo fazendo da agenda da estrada [...] o caminho de nossa pressa, e não fazendo a estrada submeter-se ao caminho interior, ao invés de seguir o roteiro da estrada [...], todos os dias vejo-me escolhendo apressadamente as agendas da estrada enquanto negligencio a agenda do caminho.
O levita e o sacerdote seguiram a estrada e seu “tempo”. O samaritano seguiu o seu caminho.
A estrada, todavia, é apressada, diferentemente do caminho, que só segue quando tem a permissão da vida para passar. Graças a Deus somos perdoados todos os dias pelas escolhas da estrada contra as veredas calmas do caminho!
Entretanto, o que desejo de coração dizer a você, publicamente, visto que seu texto é público, é que nem você e nem ele têm esse poder todo! Sim, vocês não têm o poder de saber nada além do que se tornou história com as configurações de “história” [...] de passado, portanto.
Na noite que meu filho Lukas morreu atropelado saindo de uma festa com os irmãos, antes de ir ele me ligou e me disse que estava meio cansado, a fim de dormir, e que se fosse seria apenas pelos irmãos e porque lá haveria uma moçada da Igreja Presbiteriana Betânia que ele não via há muito tempo.
“Vá meu filho! Vai ser legal! A Bruna está indo só por sua causa. E ela já saiu!”, foi o que eu disse; e ele foi.
O interessante em tudo isto é que por uma certeza mais profunda do que a morte dele naquela noite, eu sabia que não fora a “minha força” que o pusera no chão daquela estrada fria de Itaipú. Havia um caminho naquela estrada que estava para além de mim. E certamente muito para além da própria estrada.
Conheço a sensação de não atender a insistências que acabam de modo catastrófico. No curso da vida já deixei para visitar no dia seguinte muita gente que morreu durante a noite; já adiei idas que se confirmaram atrasadas depois dos fatos; já passei e soube que o “deixado” não resistiu; já sim, já muita coisa...
Sei também que o nível de pessoalidade do conhecimento do moço que se autovitimou aprofunda qualquer dor. Aumenta toda sensação de culpa e exacerba as perspectivas de responsabilidade e de omissão. Tais fatos, todavia, servem a nós de muitos modos quando o coração é como o de vocês.
A gente aprende que todos estão a um passo de qualquer coisa.
A gente aprende que por vezes nem todos os esforços do mundo mudam determinadas realidades.
A gente aprende que muita dor culposa que se sente decorre da culpa da bondade cristã salvadora, a qual assume para si poderes de salvação que não estão em nossas mãos.
A gente aprende a discernir quais são as coisas que podem esperar ante um desespero e quais não podem.
A gente aprende que nem todo desespero tem que parar o nosso caminho também.
A gente aprende, sutilmente, o que é agenda da estrada e o que é agenda do caminho.
Mas ninguém aprende isso sem se sentir levita e sacerdote de vez em quando, posto que nossos atos samaritanos são emblemáticos, mas nossas omissões levíticas e sacerdotais são a regra na agitação de nossas inúmeras distrações.
O pecado é adotar o caminho do levita e do sacerdote como modo de se desviar de gente na estrada. Ora, esse jamais foi ou será o caso de vocês, graças a Deus.
Entretanto, o mesmo samaritano um dia deve ter tido seu dia de levita. Ou, então, ele seria “Ele”. E não era...
Assim, minha oração é uma só nesse particular: “Senhor, faz de mim o samaritano possível no dia de hoje em minha existência! E salva-me dessa horrível tendência natural que tenho a, na estrada, preferir a omissão do caminho do levita e do sacerdote!”.
Sim, pois o mais devotado dos samaritanos tem seus momentos de pressa de levita e de sacerdote. E mais: isto é assim para que todo ato samaritano de nossa vida seja pura glória e graça de Deus sobre nós; e não fruto de nossa certeza de que em nossa existência não existem omissões.
Louvo a verdade de sua dor sincera e exposta de modo tão simples e franco.
Recomendo, no entanto, que essa dor se torne louvor àquele que amava o Alexandre, e que o ama e que o tem em seu seio, pois quem danou o Alexandre apenas por que a dor de sua perturbação mental o levou a um desatino?
O Alexandre, sim, o do salmo, o que buscava consolação onde há consolação, era apenas um jovem em estado de perturbação adquirida pelo vício. Não era filho do inferno.
Nenhum diabo teve o poder de tirar o Alexandre das mãos do Senhor Jesus! Assim como nenhum diabo tentará (e vencerá) vocês com a culpa de que poderiam ser os salvadores do Alexandre e não o foram.
Manos amados, também isto está consumado! Recebam meu amor e meu carinho sincero e cheio de orações.
Nele, em quem nenhum de nós tem o poder de salvar, mas apenas o de cooperar com o Salvador, o qual salva com ou sem nós,
Caio
• Caio Fábio D´Araújo Filho é psicanalista clínico, escritor e pregador do Evangelho da Graça de Jesus. caiofabio.com
Li o texto Alexandre (Ultimato, edição setembro/outubro, 2009) e me comovi profundamente com a dor de vocês, tão simples e verdadeiramente expressa pela Bráulia.
Você e eu já tivemos todas as chances de nos tornarmos mais próximos em razão de amigos comuns e de muitas identificações simples e práticas no Evangelho. Além disso, muitos já fizeram tudo para que isto acontecesse, mas as circunstâncias não permitiram; e a culpa é minha, não sua.
Não posso dizer que leio o que você escreve, que pesquiso, que estou informado sobre você em detalhes...
Sabia e soube de você mais pelo George Foster, pelo Pedro do Borel (hoje no Egito), pelo André Fernandes e pelo Tiago da Jocum em Brasília, do que por quaisquer outros meios. E todos me dão o mesmo testemunho; sim, falam-me da carta escrita com amor de Deus em seu coração para com todos os que passam em seu caminho.
Entretanto, amiga no Senhor, somente Jesus nunca foi levita e sacerdote na estrada, sendo sempre o samaritano.
Sim, além dele, todos os demais somos samaritanos de vez em quando, e ficamos felizes com isso. Embora em nossa ignorância e distração não registremos a quantidade enorme de vezes em que passamos de largo fazendo da agenda da estrada [...] o caminho de nossa pressa, e não fazendo a estrada submeter-se ao caminho interior, ao invés de seguir o roteiro da estrada [...], todos os dias vejo-me escolhendo apressadamente as agendas da estrada enquanto negligencio a agenda do caminho.
O levita e o sacerdote seguiram a estrada e seu “tempo”. O samaritano seguiu o seu caminho.
A estrada, todavia, é apressada, diferentemente do caminho, que só segue quando tem a permissão da vida para passar. Graças a Deus somos perdoados todos os dias pelas escolhas da estrada contra as veredas calmas do caminho!
Entretanto, o que desejo de coração dizer a você, publicamente, visto que seu texto é público, é que nem você e nem ele têm esse poder todo! Sim, vocês não têm o poder de saber nada além do que se tornou história com as configurações de “história” [...] de passado, portanto.
Na noite que meu filho Lukas morreu atropelado saindo de uma festa com os irmãos, antes de ir ele me ligou e me disse que estava meio cansado, a fim de dormir, e que se fosse seria apenas pelos irmãos e porque lá haveria uma moçada da Igreja Presbiteriana Betânia que ele não via há muito tempo.
“Vá meu filho! Vai ser legal! A Bruna está indo só por sua causa. E ela já saiu!”, foi o que eu disse; e ele foi.
O interessante em tudo isto é que por uma certeza mais profunda do que a morte dele naquela noite, eu sabia que não fora a “minha força” que o pusera no chão daquela estrada fria de Itaipú. Havia um caminho naquela estrada que estava para além de mim. E certamente muito para além da própria estrada.
Conheço a sensação de não atender a insistências que acabam de modo catastrófico. No curso da vida já deixei para visitar no dia seguinte muita gente que morreu durante a noite; já adiei idas que se confirmaram atrasadas depois dos fatos; já passei e soube que o “deixado” não resistiu; já sim, já muita coisa...
Sei também que o nível de pessoalidade do conhecimento do moço que se autovitimou aprofunda qualquer dor. Aumenta toda sensação de culpa e exacerba as perspectivas de responsabilidade e de omissão. Tais fatos, todavia, servem a nós de muitos modos quando o coração é como o de vocês.
A gente aprende que todos estão a um passo de qualquer coisa.
A gente aprende que por vezes nem todos os esforços do mundo mudam determinadas realidades.
A gente aprende que muita dor culposa que se sente decorre da culpa da bondade cristã salvadora, a qual assume para si poderes de salvação que não estão em nossas mãos.
A gente aprende a discernir quais são as coisas que podem esperar ante um desespero e quais não podem.
A gente aprende que nem todo desespero tem que parar o nosso caminho também.
A gente aprende, sutilmente, o que é agenda da estrada e o que é agenda do caminho.
Mas ninguém aprende isso sem se sentir levita e sacerdote de vez em quando, posto que nossos atos samaritanos são emblemáticos, mas nossas omissões levíticas e sacerdotais são a regra na agitação de nossas inúmeras distrações.
O pecado é adotar o caminho do levita e do sacerdote como modo de se desviar de gente na estrada. Ora, esse jamais foi ou será o caso de vocês, graças a Deus.
Entretanto, o mesmo samaritano um dia deve ter tido seu dia de levita. Ou, então, ele seria “Ele”. E não era...
Assim, minha oração é uma só nesse particular: “Senhor, faz de mim o samaritano possível no dia de hoje em minha existência! E salva-me dessa horrível tendência natural que tenho a, na estrada, preferir a omissão do caminho do levita e do sacerdote!”.
Sim, pois o mais devotado dos samaritanos tem seus momentos de pressa de levita e de sacerdote. E mais: isto é assim para que todo ato samaritano de nossa vida seja pura glória e graça de Deus sobre nós; e não fruto de nossa certeza de que em nossa existência não existem omissões.
Louvo a verdade de sua dor sincera e exposta de modo tão simples e franco.
Recomendo, no entanto, que essa dor se torne louvor àquele que amava o Alexandre, e que o ama e que o tem em seu seio, pois quem danou o Alexandre apenas por que a dor de sua perturbação mental o levou a um desatino?
O Alexandre, sim, o do salmo, o que buscava consolação onde há consolação, era apenas um jovem em estado de perturbação adquirida pelo vício. Não era filho do inferno.
Nenhum diabo teve o poder de tirar o Alexandre das mãos do Senhor Jesus! Assim como nenhum diabo tentará (e vencerá) vocês com a culpa de que poderiam ser os salvadores do Alexandre e não o foram.
Manos amados, também isto está consumado! Recebam meu amor e meu carinho sincero e cheio de orações.
Nele, em quem nenhum de nós tem o poder de salvar, mas apenas o de cooperar com o Salvador, o qual salva com ou sem nós,
Caio
• Caio Fábio D´Araújo Filho é psicanalista clínico, escritor e pregador do Evangelho da Graça de Jesus. caiofabio.com
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