Opinião
- 08 de fevereiro de 2017
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A promessa de terra para Israel no Novo Testamento
Por Timóteo Carriker
A primeira geração de cristãos era de maioria judia. Eram judeus cristãos mesmo com algumas conversões entre os não judeus desde o início. A Bíblia deles era o Velho Testamento. Os documentos do Novo Testamento foram escritos depois. Assim não é difícil entender, por exemplo, sem as cartas de Paulo, por que muitas pessoas na igreja primitiva pressupunham que cabia aos seguidores do Messias Jesus seguir as orientações da sua Bíblia popularmente conhecida como “a Lei” (Sl 19, 119).
Não é assim que pensamos sobre o papel da Bíblia (Velho e Novo Testamento) nas nossas vidas hoje?
O início do movimento cristão
Mas há uma diferença muito grande entre o momento que vivemos hoje e o início do movimento cristão. A diferença é a seguinte: O início do movimento cristão representa uma dobradiça da história, um novo momento mais significativo que qualquer outro momento na história humana. Era o momento do cumprimento das promessas de Deus feitas ao longo das escrituras do Antigo Testamento. E foi exatamente assim que todos os autores do Novo Testamento entenderam. Era o momento em que a vinda de Cristo representava literalmente a projeção ou o cumprimento da lei (Romanos 10.4). A palavra “cumprimento” ou “fim” neste versículo é telos no grego, a mesma palavra usada para compor “televisão”, “telefone”, “telegrafia”, etc., isto é, a “projeção” da visão, do ouvido e da grafia. Tanto que eventualmente a história era entendida como dividida entre a.C. (antes de Cristo) e d.C. (depois de Cristo). E a própria Bíblia também era entendida como sendo dividida entre o Velho Testamento e o Novo Testamento, que correspondem a velha dispensação e a nova dispensação.
Nosso momento é qualitativamente diferente porque vivemos dentro da continuação do período d.C., da nova aliança. Entretanto, no início do movimento cristão e ainda sem o Novo Testamento, nem todos os cristãos entendiam o significado da vinda de Cristo para a interpretação da Lei (o Antigo Testamento, o que era a sua Bíblia). E, grosso modo, o movimento cristão se dividiu em dois grupos: um que entendia que a Lei não mudou e deve ser entendida e obedecida como sempre foi e, o outro grupo, representado notoriamente – mas não exclusivamente – pelo Apóstolo Paulo, entendia que o novo momento implicava em uma mudança na maneira que a Lei era entendida e obedecida, não a despeito da Lei, mas, sim, em cumprimento daquilo que a própria Lei previa (por exemplo, em Jeremias 31.31-34).
A lei e o Apóstolo Paulo
Para o leitor com boa formação bíblica na igreja, o que tenho falado até aqui provavelmente é bem conhecido. O que é muito pouco conhecido, entretanto, é a dimensão da situação daquela época. Havia muitos – isto mesmo, muitos –, na igreja primitiva, que entendiam que não existia nenhuma revelação além da Lei (Antigo Testamento) e, por isso, assim deveria ser interpretado. Advogavam a permanência notoriamente da circuncisão, das leis alimentícias, a observância do sábado e das festas religiosa – só para começar. Paulo combatia esta perspectiva explicitamente não só em Antioquia e nas suas cartas de Gálatas e Romanos, mas também 1 e 2 Coríntios, Filipenses e Colossenses. Aliás, a ressonância desta batalha pairava em todas as suas cartas. Não era questão periférica de pouca gente. Isto sabemos do aviso que Paulo recebeu em Atos 21.18-22 (veja também 15.5):
No dia seguinte, Paulo foi conosco encontrar-se com Tiago, e todos os presbíteros se reuniram. E, tendo-os saudado, contou em detalhes o que Deus tinha feito entre os gentios por seu ministério. Ouvindo isso, eles deram glória a Deus e lhe disseram: Você percebe, irmão, que há milhares de judeus que creram, e todos são zelosos da Lei. Eles foram informados que você ensina todos os judeus entre os gentios a apostatarem de Moisés, dizendo-lhes que não devem circuncidar os filhos, nem andar segundo os costumes da Lei. Que se há de fazer, pois? Certamente saberão que você já chegou. (Revista e Atualizada, 3a edição, 2016, destaque acrescentado)
A referência numérica é espantosa. Inclusive, não se sabe ao certo se traduz a palavra muriás como “milhares” ou “dezenas de milhares”. Certamente se refere a um número e porcentagem muito grande da igreja. Além disto, os “zelosos da Lei” certamente é uma referência ao grupo de onde vieram: os fariseus.
Duas décadas ou mais depois deste encontro de Paulo em Jerusalém, como os Evangelhos foram escritos, não nos surpreendemos que os Evangelhos registram um número grande de encontros de Jesus com os fariseus, quase sempre, encontros conflitantes (João nos disse que muitos outros eventos nem foram registrados, veja 21.25). Tudo isso evidencia a força deste grupo grande na igreja que advogava a continuação da prática da Lei – e, por trás disto, nenhuma modificação na interpretação das Escrituras (o Velho Testamento) – e também por que Paulo precisava esclarecer com tanto cuidado e extensivamente nas suas cartas, especialmente as Cartas aos Gálatas e aos Romanos, que a vinda do Messias Jesus inaugurava uma nova era em que a Lei encontrava o seu cumprimento. E por isso, as promessas de Deus para os judeus encontravam o seu cumprimento em Jesus. Essa também é a tese central da Epístola aos Hebreus.
A nova aliança
Em retrospectiva, é fácil entender que as implicações da interpretação por Paulo incluíam a dispensa da circuncisão, pelo menos para os gentios e, de modo semelhante, o vencimento da validade obrigatória das leis alimentícias, a observância do sábado e das festas religiosas.
É neste contexto de cumprimento que todas as promessas de Deus para o seu povo precisam ser consideradas. E para nós hoje é muito mais fácil fazê-lo do que era na época da igreja primitiva pela simples razão que temos em mãos a interpretação dada pelo Espírito Santo e reconhecida eventualmente pela igreja primitiva e hoje consensualmente por toda a igreja cristã: o Novo Testamento.
Enfim, à semelhança dos destinatários da Epístola aos Hebreus, nós hoje não temos desculpa e motivo para “voltar para trás” e permanecer nas nossas interpretações dentro da velha aliança (2 Coríntios 3.14). E, a partir deste contexto, podemos então considerar como o Novo Testamento entende o cumprimento das promessas de Deus a respeito da Terra Prometida para Israel. O que é assunto para outro artigo*.
*Para ler a continuação desse artigo, acesse Terra prometida? Para quem?
Leia Mais
De Quem é a Terra Santa? O contínuo conflito entre Israel e a Palestina
A primeira geração de cristãos era de maioria judia. Eram judeus cristãos mesmo com algumas conversões entre os não judeus desde o início. A Bíblia deles era o Velho Testamento. Os documentos do Novo Testamento foram escritos depois. Assim não é difícil entender, por exemplo, sem as cartas de Paulo, por que muitas pessoas na igreja primitiva pressupunham que cabia aos seguidores do Messias Jesus seguir as orientações da sua Bíblia popularmente conhecida como “a Lei” (Sl 19, 119).
Não é assim que pensamos sobre o papel da Bíblia (Velho e Novo Testamento) nas nossas vidas hoje?
O início do movimento cristão
Mas há uma diferença muito grande entre o momento que vivemos hoje e o início do movimento cristão. A diferença é a seguinte: O início do movimento cristão representa uma dobradiça da história, um novo momento mais significativo que qualquer outro momento na história humana. Era o momento do cumprimento das promessas de Deus feitas ao longo das escrituras do Antigo Testamento. E foi exatamente assim que todos os autores do Novo Testamento entenderam. Era o momento em que a vinda de Cristo representava literalmente a projeção ou o cumprimento da lei (Romanos 10.4). A palavra “cumprimento” ou “fim” neste versículo é telos no grego, a mesma palavra usada para compor “televisão”, “telefone”, “telegrafia”, etc., isto é, a “projeção” da visão, do ouvido e da grafia. Tanto que eventualmente a história era entendida como dividida entre a.C. (antes de Cristo) e d.C. (depois de Cristo). E a própria Bíblia também era entendida como sendo dividida entre o Velho Testamento e o Novo Testamento, que correspondem a velha dispensação e a nova dispensação.
Nosso momento é qualitativamente diferente porque vivemos dentro da continuação do período d.C., da nova aliança. Entretanto, no início do movimento cristão e ainda sem o Novo Testamento, nem todos os cristãos entendiam o significado da vinda de Cristo para a interpretação da Lei (o Antigo Testamento, o que era a sua Bíblia). E, grosso modo, o movimento cristão se dividiu em dois grupos: um que entendia que a Lei não mudou e deve ser entendida e obedecida como sempre foi e, o outro grupo, representado notoriamente – mas não exclusivamente – pelo Apóstolo Paulo, entendia que o novo momento implicava em uma mudança na maneira que a Lei era entendida e obedecida, não a despeito da Lei, mas, sim, em cumprimento daquilo que a própria Lei previa (por exemplo, em Jeremias 31.31-34).
A lei e o Apóstolo Paulo
Para o leitor com boa formação bíblica na igreja, o que tenho falado até aqui provavelmente é bem conhecido. O que é muito pouco conhecido, entretanto, é a dimensão da situação daquela época. Havia muitos – isto mesmo, muitos –, na igreja primitiva, que entendiam que não existia nenhuma revelação além da Lei (Antigo Testamento) e, por isso, assim deveria ser interpretado. Advogavam a permanência notoriamente da circuncisão, das leis alimentícias, a observância do sábado e das festas religiosa – só para começar. Paulo combatia esta perspectiva explicitamente não só em Antioquia e nas suas cartas de Gálatas e Romanos, mas também 1 e 2 Coríntios, Filipenses e Colossenses. Aliás, a ressonância desta batalha pairava em todas as suas cartas. Não era questão periférica de pouca gente. Isto sabemos do aviso que Paulo recebeu em Atos 21.18-22 (veja também 15.5):
No dia seguinte, Paulo foi conosco encontrar-se com Tiago, e todos os presbíteros se reuniram. E, tendo-os saudado, contou em detalhes o que Deus tinha feito entre os gentios por seu ministério. Ouvindo isso, eles deram glória a Deus e lhe disseram: Você percebe, irmão, que há milhares de judeus que creram, e todos são zelosos da Lei. Eles foram informados que você ensina todos os judeus entre os gentios a apostatarem de Moisés, dizendo-lhes que não devem circuncidar os filhos, nem andar segundo os costumes da Lei. Que se há de fazer, pois? Certamente saberão que você já chegou. (Revista e Atualizada, 3a edição, 2016, destaque acrescentado)
A referência numérica é espantosa. Inclusive, não se sabe ao certo se traduz a palavra muriás como “milhares” ou “dezenas de milhares”. Certamente se refere a um número e porcentagem muito grande da igreja. Além disto, os “zelosos da Lei” certamente é uma referência ao grupo de onde vieram: os fariseus.
Duas décadas ou mais depois deste encontro de Paulo em Jerusalém, como os Evangelhos foram escritos, não nos surpreendemos que os Evangelhos registram um número grande de encontros de Jesus com os fariseus, quase sempre, encontros conflitantes (João nos disse que muitos outros eventos nem foram registrados, veja 21.25). Tudo isso evidencia a força deste grupo grande na igreja que advogava a continuação da prática da Lei – e, por trás disto, nenhuma modificação na interpretação das Escrituras (o Velho Testamento) – e também por que Paulo precisava esclarecer com tanto cuidado e extensivamente nas suas cartas, especialmente as Cartas aos Gálatas e aos Romanos, que a vinda do Messias Jesus inaugurava uma nova era em que a Lei encontrava o seu cumprimento. E por isso, as promessas de Deus para os judeus encontravam o seu cumprimento em Jesus. Essa também é a tese central da Epístola aos Hebreus.
A nova aliança
Em retrospectiva, é fácil entender que as implicações da interpretação por Paulo incluíam a dispensa da circuncisão, pelo menos para os gentios e, de modo semelhante, o vencimento da validade obrigatória das leis alimentícias, a observância do sábado e das festas religiosas.
É neste contexto de cumprimento que todas as promessas de Deus para o seu povo precisam ser consideradas. E para nós hoje é muito mais fácil fazê-lo do que era na época da igreja primitiva pela simples razão que temos em mãos a interpretação dada pelo Espírito Santo e reconhecida eventualmente pela igreja primitiva e hoje consensualmente por toda a igreja cristã: o Novo Testamento.
Enfim, à semelhança dos destinatários da Epístola aos Hebreus, nós hoje não temos desculpa e motivo para “voltar para trás” e permanecer nas nossas interpretações dentro da velha aliança (2 Coríntios 3.14). E, a partir deste contexto, podemos então considerar como o Novo Testamento entende o cumprimento das promessas de Deus a respeito da Terra Prometida para Israel. O que é assunto para outro artigo*.
*Para ler a continuação desse artigo, acesse Terra prometida? Para quem?
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De Quem é a Terra Santa? O contínuo conflito entre Israel e a Palestina
teólogo, missionário da Igreja Presbiteriana Independente, capelão d’A Rocha Brasil e surfista nas horas vagas. Pela Editora Ultimato, é autor de O Propósito de Deus e a Nossa Vocação, A Visão Missionária na Bíblia e Trabalho, Descanso e Dinheiro. É blogueiro da Ultimato.
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