Opinião
- 17 de março de 2014
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A igreja e a universidade
A igreja evangélica no Brasil, de modo geral, desenvolveu o medo e a desconfiança para com a universidade e a teologia como saber. Subsiste a associação entre o saber e a falta de espiritualidade, entre a teologia e a ausência de unção, entre o conhecimento secular e a perda da fé. Vive-se sob o fantasma da apostasia, sob o pavor da heresia, sob a ameaça do desvio liberal. No imaginário evangélico comum e nos jargões repetidos sem a devida crítica e respeito reproduz-se ironicamente que a teologia é um indicador de sapiência inútil e oposta ao Evangelho.
Instituiu-se neste imaginário e neste inconsciente coletivo o cultivo do medo ante qualquer ameaça ao purismo moralista e à ortodoxia tida como oficial (que raramente se sabe exatamente qual é). Defendem-se os bastiões da verdade sem se viver e discutir esta verdade na relação com as situações e os contextos de vida, do mundo vivido. Confundem a doutrina com a Revelação. Menosprezam o estudo, a pesquisa, a inquirição, a crítica, a discussão e o debate porque temem pela ordem “divinamente” instituída em seus feudos e guetos eclesiásticos.
Este conjunto de posturas, mentalidades e atitudes tem suas raízes históricas. Estas se acentuaram a partir do ambiente e do contexto após a segunda guerra mundial, com a guerra fria e o “macarthismo” norte-americano. A “caça às bruxas” do comunismo “colonizou” a religião evangélica na desconfiança e na oposição ao próprio conhecimento secular. Incutiu-se nesta mentalidade o estado de vigilância e de combate, a postura da trincheira armada contra as ameaças reais ou imaginárias vindas do “mundo”.
No Brasil, esta atitude originalmente ligada ao discurso da direita liberal, traduziu-se, dentre outros aspectos, no anti-intelectualismo que penetrou por meio de certas vias de transmissão tecidas na cultura religiosa norte-americana: seminários, institutos bíblicos, agências missionárias, publicações, editoras, filmes, documentários, material didático, cartilhas, etc. Por sua vez, a ascensão do pentecostalismo reforçou a oposição ao conhecimento em nome do Espírito Santo, suas revelações, dons e capacitações. Estar cheio do Espírito implicava na não necessidade do conhecimento “humano”.
Isto foi um golpe para o protestantismo brasileiro que se notabilizou no passado com figuras que pertenceram ao mundo acadêmico como, por exemplo, o gramático Otoniel Mota. Era um protestantismo com coragem de participar dos debates nacionais, na arena política com Guaracy Silveira na constituinte de 1934, nas revistas teológicas com Erasmo Braga e a própria Confederação Evangélica do Brasil. As denominações tinham projetos de ensino avançado desde a alfabetização, com suas escolas de vanguarda e pedagogias de ponta. A própria universidade brasileira quando se instituiu com a federalização (1930-1950) teve a presença de protestantes.
Este anti-intelectualismo foi assimilado pelas lideranças denominacionais justamente no momento em que a universidade pública no Brasil se expandia e ampliava. Raros foram os professores universitários evangélicos nas décadas de 1950 a 1980. Poucos eram os estudantes também. E, para desferir um segundo “golpe”, os eventos de 1964 em diante deram o cenário propício para consolidar o medo e a desconfiança para com a universidade e a teologia.
O regime militar-civil interveio diretamente na universidade prendendo e exilando professores e alunos. Por sua vez, as denominações aliadas aos militares, intervieram nos seminários teológicos expulsando professores e alunos, e acirraram internamente o discurso do medo contra os subversivos da política e da fé.
Atualmente vivemos um processo com dadas contradições. Por um lado, cresce o número de estudantes e de professores evangélicos nas universidades, enquanto a igreja alimenta atitudes ainda de medo e de desconfiança, e não consegue dialogar com a universidade brasileira. Por outro lado, esta mesma universidade nasceu amamentada no berço positivista e racionalista, cresceu alimentada pelo marxismo crítico e militante e expandiu-se pelas rédeas neoliberais a serviço do mercado. Estas heranças excluem a teologia como um saber equiparado aos demais da tradição ocidental moderna.
Quem sabe este seria o cenário oportuno para a Igreja repensar sua atitude, pastorear os seus jovens estudantes, acolher os professores e pesquisadores com suas demandas intelectuais, abraçar a sua missão integral na academia e abandonar o medo do saber. E, se este ensoberbece ele deve ser questionado na sua soberba. O saber, de fato ensoberbece, mas intolerância mata.
Nota:
Este é o primeiro artigo de uma série de quatro sobre o assunto “Igreja e Universidade”.
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O teste da fé
Cartas entre Freud e Pfister
Crer é também pensar
Instituiu-se neste imaginário e neste inconsciente coletivo o cultivo do medo ante qualquer ameaça ao purismo moralista e à ortodoxia tida como oficial (que raramente se sabe exatamente qual é). Defendem-se os bastiões da verdade sem se viver e discutir esta verdade na relação com as situações e os contextos de vida, do mundo vivido. Confundem a doutrina com a Revelação. Menosprezam o estudo, a pesquisa, a inquirição, a crítica, a discussão e o debate porque temem pela ordem “divinamente” instituída em seus feudos e guetos eclesiásticos.
Este conjunto de posturas, mentalidades e atitudes tem suas raízes históricas. Estas se acentuaram a partir do ambiente e do contexto após a segunda guerra mundial, com a guerra fria e o “macarthismo” norte-americano. A “caça às bruxas” do comunismo “colonizou” a religião evangélica na desconfiança e na oposição ao próprio conhecimento secular. Incutiu-se nesta mentalidade o estado de vigilância e de combate, a postura da trincheira armada contra as ameaças reais ou imaginárias vindas do “mundo”.
No Brasil, esta atitude originalmente ligada ao discurso da direita liberal, traduziu-se, dentre outros aspectos, no anti-intelectualismo que penetrou por meio de certas vias de transmissão tecidas na cultura religiosa norte-americana: seminários, institutos bíblicos, agências missionárias, publicações, editoras, filmes, documentários, material didático, cartilhas, etc. Por sua vez, a ascensão do pentecostalismo reforçou a oposição ao conhecimento em nome do Espírito Santo, suas revelações, dons e capacitações. Estar cheio do Espírito implicava na não necessidade do conhecimento “humano”.
Isto foi um golpe para o protestantismo brasileiro que se notabilizou no passado com figuras que pertenceram ao mundo acadêmico como, por exemplo, o gramático Otoniel Mota. Era um protestantismo com coragem de participar dos debates nacionais, na arena política com Guaracy Silveira na constituinte de 1934, nas revistas teológicas com Erasmo Braga e a própria Confederação Evangélica do Brasil. As denominações tinham projetos de ensino avançado desde a alfabetização, com suas escolas de vanguarda e pedagogias de ponta. A própria universidade brasileira quando se instituiu com a federalização (1930-1950) teve a presença de protestantes.
Este anti-intelectualismo foi assimilado pelas lideranças denominacionais justamente no momento em que a universidade pública no Brasil se expandia e ampliava. Raros foram os professores universitários evangélicos nas décadas de 1950 a 1980. Poucos eram os estudantes também. E, para desferir um segundo “golpe”, os eventos de 1964 em diante deram o cenário propício para consolidar o medo e a desconfiança para com a universidade e a teologia.
O regime militar-civil interveio diretamente na universidade prendendo e exilando professores e alunos. Por sua vez, as denominações aliadas aos militares, intervieram nos seminários teológicos expulsando professores e alunos, e acirraram internamente o discurso do medo contra os subversivos da política e da fé.
Atualmente vivemos um processo com dadas contradições. Por um lado, cresce o número de estudantes e de professores evangélicos nas universidades, enquanto a igreja alimenta atitudes ainda de medo e de desconfiança, e não consegue dialogar com a universidade brasileira. Por outro lado, esta mesma universidade nasceu amamentada no berço positivista e racionalista, cresceu alimentada pelo marxismo crítico e militante e expandiu-se pelas rédeas neoliberais a serviço do mercado. Estas heranças excluem a teologia como um saber equiparado aos demais da tradição ocidental moderna.
Quem sabe este seria o cenário oportuno para a Igreja repensar sua atitude, pastorear os seus jovens estudantes, acolher os professores e pesquisadores com suas demandas intelectuais, abraçar a sua missão integral na academia e abandonar o medo do saber. E, se este ensoberbece ele deve ser questionado na sua soberba. O saber, de fato ensoberbece, mas intolerância mata.
Nota:
Este é o primeiro artigo de uma série de quatro sobre o assunto “Igreja e Universidade”.
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Lyndon de Araújo Santos é historiador, professor universitário e pastor da Igreja Evangélica Congregacional em São Luís, MA. Faz parte da Fraternidade Teológica Latino-americana - Setor Brasil (FTL-Br).
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