Opinião
- 15 de outubro de 2014
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A eleição e as eleições
Existem dois temas que dividem os evangélicos, dentre outros tantos: a eleição enquanto questão teológica e as eleições enquanto questão política. De alguma forma os dois estão relacionados e vale uma reflexão ante o atual cenário do segundo turno das eleições para presidente da república.
O primeiro tema vem de uma longa duração ou tradição, desde o período pós reforma ou até antes, quando agostinianos e pelagianos, calvinistas e arminianos polarizaram os debates acerca dos critérios divinos para salvar uns e não outros e do grau de participação e autonomia humana no seu destino eterno. O segundo tem uma curta duração porque votar ainda é uma experiência recente na outrora instável, ameaçada e interrompida democracia brasileira.
Se a eleição implica nos decretos divinos envoltos em propósitos inalcançáveis à mente humana, as eleições funcionam segundo os decretos humanos sujeitos aos interesses dos grupos e dos indivíduos, aos programas dos partidos, às alianças e aos pactos possíveis entre as forças políticas atuantes. Estas também acontecem em meio a disputas, temores, discriminações, interesses, acirramentos de ânimos, ódios e conflitos ideológicos de classe.
Por um lado, é necessário reconhecer que esta demanda faz parte do jogo político e da própria democracia. Não há como conciliar de todo os conflitos tão complexos surgidos numa ordem política e econômica atravessada por agudas contradições. Por outro, ela reproduz certos sentimentos e valores até não conscientes que foram tecidos numa cultura política historicamente marcada por séculos de desigualdades, exclusões e preconceitos.
No Império somente os abastados votavam porque o voto dependia da renda para usufruir deste “privilégio autoconcedido”. Negros escravos e forros, indígenas, mulheres, analfabetos e até segmentos médios letrados ficavam de fora das eleições que ainda eram determinadas em seus resultados pelas fraudes. Apesar da República proclamada e do direito universalizado do voto, não houve o avanço quantitativo da participação popular, mas a permanência das restrições às mulheres, aos analfabetos e aos que não possuíam renda mantiveram o mesmo percentual de pouco mais de 1% de votantes!
Isso porque, pelos decretos e arcanos simulados das elites governantes do país, a cidadania era uma concessão controlada e temerosa ante a participação popular direta na coisa pública. Quando o voto universal foi sendo estendido a todos os segmentos, seja pela pressão popular das greves, dos partidos progressistas, dos segmentos liberais, dos movimentos sociais e das classes médias emergentes, ainda assim esteve sujeito ao “cabresto” das camadas dirigentes. Este “voto de cabresto” se perpetuou sob outras modalidades mais sofisticadas e disfarçadas no campo religioso evangélico, por exemplo, como bem denunciou a Rede FALE acerca do “voto de cajado” praticado nas igrejas evangélicas.
As tentativas golpistas desde Getúlio Vargas até o “sucesso” do golpe de 1964 representaram o esforço de conter as massas em suas reivindicações legítimas por justiça social, salário justo, reforma agrária, educação e outras temáticas básicas. O regime militar favoreceu a violência contra os movimentos sociais e aprofundou, nos segmentos médios e dirigentes da sociedade, o medo diante de qualquer processo de empoderamento das populações secularmente desassistidas e excluídas.
Daí o ressurgimento de leituras rancorosas, senão odiosas, voltadas contra políticas que favorecem a elevação da condição social dos mais empobrecidos, por meio de políticas sociais efetivas. Reacendem os velhos horrores ante às ameaças do comunismo travestidos nos discursos preconceituosos aos nordestinos e aos favorecidos por estas políticas sociais enquanto “vagabundos” que sobrevivem às custas dos recursos públicos.
Se o voto é um gesto cívico perpassado por tantas implicações, ele não pode tornar-se refém de motivações determinadas pelo medo, pelo rancor e pela coerção. Sobretudo, escolher pelo voto um(a) candidato(a) deve contribuir muito mais para um processo de mudança em direção à justiça social, à distribuição de renda e ao aprofundamento da democracia. Não estamos votando em messias, antes em processos de mudança reais ou na conservação de privilégios aos segmentos elitizados.
A eleição divina tem como motivação a graça e a inclusão de todo(a)s que se arrependem, sem acepções, sem preconceitos e sem interesses, pois Ele morreu pelo mundo todo por amor. Incondicional. Daí ela ser também política no sentido em que “os que nada são” foram escolhidos e transformados em gente, filhos e filhas de Deus. Os excluídos são aceitos e os pobres se tornam ricos na fé para serem sujeitos na história da salvação. A “subclasse” da humanidade se torna protagonista porque foi escolhida para ser povo de Deus, igualmente aos demais que se julgam escolhidos pela condição social superior.
Sendo assim, a eleição é um ato político de Deus. E isto se demonstrou nos dias do ministério do seu Filho. Ao invés do berço no palácio de Herodes, escolheu a manjedoura num estábulo anônimo de Belém. No lugar dos ministros de estado, esteve na companhia dos pastores do campo. Não priorizou a Judéia como lugar do ministério, mas a Galileia dos gentios, terra onde havia sombra e morte. Na maior parte do tempo ele andou nas aldeias, nas vilas, nas ruas, nas sinagogas e nas margens do mar entre pessoas simples, pescadores, mulheres, enfermos, endemoninhados e lunáticos. Seu programa ministerial era político, conforme expresso em Lucas 4.18: dar vista, curar, restaurar, libertar e anunciar.
Sem ódio e sem medo.
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“Os evangélicos não têm força para decidir as eleições para presidente”
Decálogo do voto evangélico
Cristianismo e política
Foto: Marri Nogueira/ Agência Senado
O primeiro tema vem de uma longa duração ou tradição, desde o período pós reforma ou até antes, quando agostinianos e pelagianos, calvinistas e arminianos polarizaram os debates acerca dos critérios divinos para salvar uns e não outros e do grau de participação e autonomia humana no seu destino eterno. O segundo tem uma curta duração porque votar ainda é uma experiência recente na outrora instável, ameaçada e interrompida democracia brasileira.
Se a eleição implica nos decretos divinos envoltos em propósitos inalcançáveis à mente humana, as eleições funcionam segundo os decretos humanos sujeitos aos interesses dos grupos e dos indivíduos, aos programas dos partidos, às alianças e aos pactos possíveis entre as forças políticas atuantes. Estas também acontecem em meio a disputas, temores, discriminações, interesses, acirramentos de ânimos, ódios e conflitos ideológicos de classe.
Por um lado, é necessário reconhecer que esta demanda faz parte do jogo político e da própria democracia. Não há como conciliar de todo os conflitos tão complexos surgidos numa ordem política e econômica atravessada por agudas contradições. Por outro, ela reproduz certos sentimentos e valores até não conscientes que foram tecidos numa cultura política historicamente marcada por séculos de desigualdades, exclusões e preconceitos.
No Império somente os abastados votavam porque o voto dependia da renda para usufruir deste “privilégio autoconcedido”. Negros escravos e forros, indígenas, mulheres, analfabetos e até segmentos médios letrados ficavam de fora das eleições que ainda eram determinadas em seus resultados pelas fraudes. Apesar da República proclamada e do direito universalizado do voto, não houve o avanço quantitativo da participação popular, mas a permanência das restrições às mulheres, aos analfabetos e aos que não possuíam renda mantiveram o mesmo percentual de pouco mais de 1% de votantes!
Isso porque, pelos decretos e arcanos simulados das elites governantes do país, a cidadania era uma concessão controlada e temerosa ante a participação popular direta na coisa pública. Quando o voto universal foi sendo estendido a todos os segmentos, seja pela pressão popular das greves, dos partidos progressistas, dos segmentos liberais, dos movimentos sociais e das classes médias emergentes, ainda assim esteve sujeito ao “cabresto” das camadas dirigentes. Este “voto de cabresto” se perpetuou sob outras modalidades mais sofisticadas e disfarçadas no campo religioso evangélico, por exemplo, como bem denunciou a Rede FALE acerca do “voto de cajado” praticado nas igrejas evangélicas.
As tentativas golpistas desde Getúlio Vargas até o “sucesso” do golpe de 1964 representaram o esforço de conter as massas em suas reivindicações legítimas por justiça social, salário justo, reforma agrária, educação e outras temáticas básicas. O regime militar favoreceu a violência contra os movimentos sociais e aprofundou, nos segmentos médios e dirigentes da sociedade, o medo diante de qualquer processo de empoderamento das populações secularmente desassistidas e excluídas.
Daí o ressurgimento de leituras rancorosas, senão odiosas, voltadas contra políticas que favorecem a elevação da condição social dos mais empobrecidos, por meio de políticas sociais efetivas. Reacendem os velhos horrores ante às ameaças do comunismo travestidos nos discursos preconceituosos aos nordestinos e aos favorecidos por estas políticas sociais enquanto “vagabundos” que sobrevivem às custas dos recursos públicos.
Se o voto é um gesto cívico perpassado por tantas implicações, ele não pode tornar-se refém de motivações determinadas pelo medo, pelo rancor e pela coerção. Sobretudo, escolher pelo voto um(a) candidato(a) deve contribuir muito mais para um processo de mudança em direção à justiça social, à distribuição de renda e ao aprofundamento da democracia. Não estamos votando em messias, antes em processos de mudança reais ou na conservação de privilégios aos segmentos elitizados.
A eleição divina tem como motivação a graça e a inclusão de todo(a)s que se arrependem, sem acepções, sem preconceitos e sem interesses, pois Ele morreu pelo mundo todo por amor. Incondicional. Daí ela ser também política no sentido em que “os que nada são” foram escolhidos e transformados em gente, filhos e filhas de Deus. Os excluídos são aceitos e os pobres se tornam ricos na fé para serem sujeitos na história da salvação. A “subclasse” da humanidade se torna protagonista porque foi escolhida para ser povo de Deus, igualmente aos demais que se julgam escolhidos pela condição social superior.
Sendo assim, a eleição é um ato político de Deus. E isto se demonstrou nos dias do ministério do seu Filho. Ao invés do berço no palácio de Herodes, escolheu a manjedoura num estábulo anônimo de Belém. No lugar dos ministros de estado, esteve na companhia dos pastores do campo. Não priorizou a Judéia como lugar do ministério, mas a Galileia dos gentios, terra onde havia sombra e morte. Na maior parte do tempo ele andou nas aldeias, nas vilas, nas ruas, nas sinagogas e nas margens do mar entre pessoas simples, pescadores, mulheres, enfermos, endemoninhados e lunáticos. Seu programa ministerial era político, conforme expresso em Lucas 4.18: dar vista, curar, restaurar, libertar e anunciar.
Sem ódio e sem medo.
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Foto: Marri Nogueira/ Agência Senado
Lyndon de Araújo Santos é historiador, professor universitário e pastor da Igreja Evangélica Congregacional em São Luís, MA. Faz parte da Fraternidade Teológica Latino-americana - Setor Brasil (FTL-Br).
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