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1ª Guerra Mundial: relembrando o horror

Hoje, 28 de julho de 2014, a história registra o centenário da Primeira Guerra Mundial. Longe de ser uma comemoração, as lembranças deste trágico acontecimento causam tristeza. Para recordar a data, oferecemos na íntegra o artigo “Primeira Guerra Mundial: relembrando o horror”, do colunista Alderi Souza de Matos, publicado na edição atual da revista Ultimato. O texto que estava restrito aos assinantes, agora está disponível para todos os leitores do Portal Ultimato.

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Primeira Guerra Mundial: relembrando o horror

Transcorre em meados deste ano o centenário de um acontecimento importante, mas que não permite comemorações. No dia 28 de julho de 1914 teve início a Primeira Guerra Mundial, também denominada a Grande Guerra. Quatro anos depois, quando o conflito terminou, havia deixado para trás um terrível rastro de morte, destruição, genocídio e barbárie. As estatísticas são estarrecedoras -- total das forças mobilizadas: 65 milhões de homens; combatentes mortos: 8,5 milhões; feridos: 21,2 milhões; prisioneiros e desaparecidos: 7,7 milhões; total de baixas: 37,4 milhões ou 57% das tropas. Isso sem contar as incontáveis atrocidades cometidas contra a população civil. A humilhação sofrida pela Alemanha lançou as sementes do nacional-socialismo e da Segunda Guerra Mundial, que eclodiu apenas duas décadas mais tarde.

O século 20, o “século das luzes”, havia surgido com grandiosas expectativas de paz e prosperidade sem limites. As próprias igrejas, influenciadas pelo pensamento iluminista e a teologia liberal, sonhavam com a construção do reino de Deus na terra. O imenso otimismo da época podia ser resumido no famoso slogan: “A paternidade de Deus e a fraternidade do homem”. A Conferência Missionária Mundial se reuniu em Edimburgo, em 1910, sob o lema triunfal “A evangelização do mundo nesta geração”. Em poucos anos, todavia, as forças acumuladas do nacionalismo e do militarismo explodiram numa carnificina sem precedentes que exterminou grande parte da população masculina da Europa entre 18 e 32 anos de idade. Foi a primeira “guerra total”, isto é, travada em terra, no mar e no ar, sendo o seu potencial destrutivo exacerbado por novas tecnologias de combate, como tanques, aviões e armas químicas.

O estopim imediato do conflito foi o assassinato do herdeiro do trono austro-húngaro, arquiduque Francisco Fernando, e sua esposa, em Sarajevo, no dia 28 de junho, por um nacionalista sérvio. Logo, dois blocos de nações estavam em luta: as potências centrais (Alemanha, Áustria-Hungria e mais tarde o Império Turco e a Bulgária) e os aliados (Reino Unido, França, Rússia e posteriormente Itália, Japão, Estados Unidos e outros países). Por causa do colonialismo e das alianças políticas, todos os continentes acabaram envolvidos. O que mais chocou as consciências foi o fato de os “povos civilizados” do Ocidente colocarem de lado os ditames da fé, da ética e da razão para dissiparem seus melhores recursos e a vida de sua juventude num conflito marcado por tamanha insanidade.

No início de 1916, reuniu-se no Panamá o Congresso da Ação Cristã na América Latina, o primeiro encontro das forças evangélicas do continente. Um dos oradores mais conhecidos foi o doutor John Raleigh Mott, líder da Federação de Estudantes Cristãos e do Movimento Voluntário de Estudantes, que pouco tempo antes havia estado na Europa e testemunhara os conflitos. Ele disse: “Minha memória hoje está boa: vejo as camponesas a deitar braçadas de flores sobre as sepulturas sem conta; os hospitais em que cinco milhões de feridos, a maior parte rapazes, sofrem horrivelmente; os comboios de feridos correndo como rios de dor. É uma Europa que padece, estendida em uma cruz”. O pastor e educador Erasmo Braga, um dos participantes brasileiros do congresso, observou: “A luta ocorreu a despeito do cristianismo e como efeito da oposição da cultura moderna ao espírito de Jesus”.

A Primeira Guerra Mundial teve alguns horríveis efeitos colaterais, como o massacre de cristãos armênios pelos turcos, em 1915, um precursor do holocausto judeu. Na Rússia, o caos reinante abriu espaço para a revolução bolchevique de Vladimir Ilitch Lenin (1917), que implantou uma cruel ditadura anticristã. Foi indizível o sofrimento de cristãos ortodoxos e outros grupos em decorrência do marxismo-leninismo. Por outro lado, houve admirável envolvimento de algumas organizações cristãs, como a YMCA (Associação Cristã de Moços), que enviaram centenas de voluntários para dar assistência às regiões afetadas pelas hostilidades e auxiliar prisioneiros de guerra e soldados feridos.

Nos Estados Unidos, a atitude predominante inicial foi em prol da paz. Finalmente, os governantes e o povo se renderam à retórica belicista, entendendo que se tratava de um conflito entre a civilização e a barbárie, entre a democracia e o despotismo. O Congresso declarou guerra à Alemanha em abril de 1917, durante a presidência de Woodrow Wilson. As igrejas aderiram ao novo sentimento nacional, exceto alguns grupos pacifistas, como menonitas e quacres. Conhecidos líderes fizeram declarações bombásticas em favor da guerra. O evangelista Billy Sunday afirmou que cristianismo e patriotismo eram sinônimos, assim como inferno e traidores; ele sugeriu que, em vez de serem deportados, os “radicais” fossem fuzilados. Shailer Mathews, professor da Escola de Teologia da Universidade de Chicago, declarou que a recusa de um americano em participar da guerra não era uma atitude cristã.

De modo geral, todavia, o conflito teve um efeito positivo sobre as igrejas e a teologia. Redobraram-se os esforços para a aproximação e colaboração entre diferentes confissões cristãs, o que resultou no surgimento ou no fortalecimento de diversas organizações cooperativas: União das Igrejas pela Paz, Aliança Mundial para a Promoção da Amizade Internacional por Meio das Igrejas, Concílio Federal de Igrejas, Movimento Mundial Intereclesiástico da América do Norte.

A Grande Guerra questionou a fé na ciência e na capacidade de autoaperfeiçoamento do ser humano. O velho liberalismo, com seu otimismo e sua crença na bondade humana inata, não tinha respostas para a grande tragédia que ocorria. Foi nesse contexto que entrou em cena o teólogo suíço Karl Barth (1886--1968), com sua ênfase na transcendência divina, na palavra revelada de Deus, na tensão entre julgamento e graça. Seu pensamento ficou conhecido como teologia dialética, teologia da crise ou neo-ortodoxia. Robert Clouse observa que, para Barth, a única esperança estava na “crise da fé”, quando havia arrependimento diante de Deus e uma vida de humildade, perdão e obediência. Isso preparava o indivíduo para participar da igreja e do reino de Deus, para o qual não há substitutos nas instituições humanas. Tais alertas continuam necessários nos dias cheios de apreensões que o mundo atual atravessa.


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Autor de A Caminhada Cristã na História, Alderi Souza de Matos é pastor presbiteriano e professor no Centro de Pós-Graduação Andrew Jumper, em São Paulo. É bacharel em teologia, filosofia e direito, mestre em Novo Testamento (S.T.M.) e doutor em História da Igreja (Th.D.). É também o historiador da Igreja Presbiteriana do Brasil e escreve a coluna “História” da revista Ultimato.
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