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Professores, alunos, estudantes e discípulos

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Dia 15 de outubro é tido como “Dia do Professor”, dia para se homenagear esses que se dispõem e/ou não viram outra saída a não ser exercer tal vocação (chamado inquieto e irrevogável), apesar de alguns ficarem apenas com a profissão. Esse dia já foi, mas dentro da margem de erro das pesquisas, ainda estamos em tempo. Aliás, sempre é tempo de homenagear e agradecer aqueles que nos ensinaram e ensinam, contribuíram para nossa formação, investiram em prol de nossa educação.

Penso que uma boa maneira de homenagear professores queridos, que nos marcaram positivamente, inspirando-nos a prosseguir no caminho da curiosidade, desejosos de saborear novos conhecimentos, pensar com maior profundidade e amplitude, compreender mais da vida, seja justamente considerarmos o quanto ainda queremos aprender e que tipo de estudantes somos hoje.

Gosto das reflexões a respeito das diferenças entre ser aluno e ser estudante que o admirável professor Thomaz Wood Jr. faz. Colocações que nos ajudam a distinguir entre um e outro, embora possam, à distância, se parecerem. Ele diz que aluno é aquele que atende regularmente a um curso, com a suposta finalidade de adquirir conhecimento ou ter direito a um título. Já o estudante é um ser que busca uma nova competência e pretende exercê-la, para o seu benefício e da sociedade. Enquanto o aluno recebe o estudante busca. Assim, pois, alunos entram e saem da sala de aula sem muito compromisso, e quando dentro, sentam e só aguardam que o show tenha início. Após 20 minutos, se tanto, vêm o tédio e o sono. Incapazes de se concentrar, eles espreguiçam e bocejam, para em seguida recorrerem ao celular, à internet e às mídias sociais. E o apelo é: procuram-se estudantes!

Não é difícil achar, inclusive nos seminários teológicos, nas Escolas Bíblicas Dominicais, nos bancos das igrejas e nos pequenos grupos a partir dela, alunos que agem como espectadores passivos, gente pouco interessada em ser agente do aprendizado e sedento discípulo de Jesus.

A boa notícia é que ensino de Jesus alcança acomodados, mas é tão provocador que fica difícil permanecer no mesmo estado. Jesus chama seus estudantes de discípulos, que no início estavam, talvez, mais para alunos. Contudo, andar com Jesus é ser desafiado continuamente a pensar e repensar, a praticar, a ver e conviver.

Em sua caminhada como fazedor de discípulos o Mestre Jesus amplia horizontes, desorganiza conteúdos acomodados, e ajuda seus seguidores a ver além.

Os saberes que vinham de Jesus carregavam frescor e novidade de vida. Era tão diferente que o povo ficava ora maravilhado, ora escandalizado, ora um pouco de tudo. Mas, multidões o procuravam e se aproximavam interessados em ouvir mais sobre aquele Reino que se anunciava.

Os relatos dos evangelhos estão cheios de exemplos do estilo do Mestre Jesus. Mas olhemos agora para um deles. Um relato conhecido e que se encontra nos quatro evangelhos (Mt 4.13-21; Mc 6.30-44; Lc 9.10-17 e Jo 6.1-15). Na narrativa segundo Lucas, os discípulos acabavam de voltar do envio missionário de Jesus, repletos de histórias sobre o que tinham feito. E o texto conta que Jesus os tomou para si e os levou consigo para outra cidade. Jesus privilegia pessoalidade, tempo a sós com eles, saídas didáticas e para refrigério. Mas, logo descobriram onde estava Jesus e uma multidão os cercou num lugar deserto. Parece que foram achados no meio do caminho e aí não tiveram mais sossego. Muitos com variados tipos de necessidades (físicas, emocionais, intelectuais, espirituais) e Jesus os acolheu bondosamente.

Ao fim da tarde os discípulos atentos sugeriram que a multidão fosse orientada a voltar para a casa ou ir aos campos vizinhos, ver se conseguiram alimento cada um para si. E aí vem Jesus com mais uma parte prática, um novo desafio, mais responsabilidades: “Deem-lhes vocês algo para comer” (Lc 9.13). E aí não puderam nem ir pela ideia que tiveram e nem tão somente assistir ao que Jesus faria. Eles tiveram que participar e assim foram verificar o que conseguiam, o que teriam, e aí apresentaram a Jesus os ínfimos recursos angariados. A partir daí vem a dica de organizar a multidão em grupos de cinquenta, e sim, o milagre, a multiplicação dos pães, com abundância.

A participação de estudantes/discípulos é fundamental para o nosso aprendizado. Os Doze certamente saíram daquele dia com algo mais do que euforia, saíram com um senso de cuidado ampliado.

Jesus é surpreendente em seu ensino e na maneira que faz discípulos. E nós podemos refletir a partir do que recebemos e acumulamos quanto nosso coração ainda é aprendiz, e, como a vida tem sido modificada na prática do ensino do Mestre.

Jesus ensinou pela maneira que viveu a fim de que nós seguíssemos seu exemplo e praticando descobríssemos uma felicidade única (Jo 13.15,17).

Que bom é na jornada encontrarmos bons professores, sobretudo aqueles professores que nos animam a prosseguir, dando testemunho e oferecendo a própria vida como exemplo de gente que busca ser discípulo de Cristo Jesus.

Estudante cristão

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Gosto do livro de Eclesiastes por diversas razões. Desde criança tive contato com essa leitura. Lembro-me de ficar um tanto confusa e perceber que tratava-se de algo elevado demais para mim. Na adolescência me vi escandalizada em alguns momentos pela verdade nua e crua que ele retratava, por uma dose de melancolia na maneira de ver o mundo (ao menos foi o nome que conseguir dar à época), e, me perturbava aquela ousadia na maneira de retratar a vida. Ainda hoje me sinto profundamente atraída e desafiada pelo livro. Trago a sensação de que há muito mais, dimensões que não alcancei, verdades que ainda estou por vivenciar, e cresce minha reverência pelo livro.

Ali se encontra esse trecho: “Eis que a felicidade do homem é comer e beber, desfrutando do produto de seu trabalho; e vejo que também isso vem da mão de Deus, pois quem pode comer e beber sem que isso venha de Deus?”[1]. Numa outra tradução[2] ficou assim: “separado deste [Deus] quem pode comer, ou quem pode alegrar-se?”.

Comer, beber, desfrutar do fruto do trabalho é muito bom, alguns até dizem, “nada há melhor que isso”. Mas, segundo o escritor bíblico, se a percepção de Deus está fora, será difícil você descobrir a felicidade, será impossível você saborear isso com alegria profunda.

Penso no contexto estudantil. Jovens que gostam cada vez mais de comer, beber e até, às vezes, desfrutar do produto de seus trabalhos acadêmicos (menções honrosas, títulos, publicações, etc). Isso tudo pode ser bom, muito bom, se o que se faz, conscientemente se faz na presença de Deus, ou mesmo, para Deus.

O escritor, professor e pastor, Eugene Peterson, diz algo que requer reflexão oportuna: “A vida colorida e cheia de energia do aprendizado, da pesquisa e do ensino recebe pleno desenvolvimento no cenário universitário da história. Mas é tudo, menos uma glorificação do aprendizado e do conhecimento em si, pois o mal se manifesta aqui de maneira ainda mais poderosa. […] O aprendizado e o saber são bons e verdadeiros, mas, dissociados da presença e vontade de Deus, dão origem ao mal”[3].

Será que ao invés de conhecer mais a bondade, o estudante cristão, pode estar mais próximo da maldade? O risco é frequente.

Trabalhando por tantos anos diretamente com universitários e pós-graduandos, e observando minha própria experiência e jornada nos estudos, percebo essa realidade. Quem está mais envolvido com o meio acadêmico conhece as diversas manifestações horrendas e criativas da maldade. Algumas mais explícitas, outras, cultivadas no recôndito de uma alma carente.

Acredito ser possível estudar, desenvolver-se, aprofundar questões teóricas, contribuir para o avanço da ciência e tecnologia, e nisso, descobrir mais da bondade de Deus, e assim, desfrutar de uma alegria maior, perene. Contudo, as ciladas se multiplicam. Espalham-se sutilmente pelo caminho. Há uma camuflagem e a distração pode aumentar o perigo.

Ao fim e ao cabo, que companhia temos? Longe de Deus, todo esforço e até mesmo toda conquista, pode se revelar como poeira, pior, pode trazer à tona o mal com suas caras mais feias.

Ao final do livro de Eclesiastes, o autor conclui: “Fique atento: fazer livros é um trabalho sem fim, e muito estudo cansa o corpo”[4]. Quer algo mais óbvio? Quer algo mais necessário de ser lembrado enquanto se dedica a tal tarefa?

Cuide-se!


[1] Ec 2.24-25 (Bíblia de Jerusalém)

[2] Tradução de João Ferreira de Almeida – Edição Revista e Atualizada (Sociedade Bíblica do Brasil).

[3] Eugene Peterson, Espiritualidade Subversiva. Editora Mundo Cristão.

[4] Ec 12.12 (Bíblia de Jerusalém)

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