Nós gostamos dessa ideia de que nascemos para vencer. Histórias de superação nos encantam. Um discurso que fale de vitórias na vida nos atrai. Entretanto, quais vitórias, ou, do que se fala quando nos dizem sobre vitória?

Bom êxito no viver, sim, o que seria viver bem? Como isso é compreendido num contexto onde impera o capitalismo senão uma vida farta, muito acúmulo de bens, segurança material?! Triunfar é ter sucesso, e também isto é compreendido, ao menos em boa parte, como conquistar fama, admiração, ou seja, lutamos para sermos reconhecidos, de preferência por termos uma vida brilhante. Ser um destaque, ser muito bom, superior em alguma área. Queremos um espaço na galeria dos que sobressaíram e foram condecorados, afinal, hoje em dia só é considerado vitória se houver aplausos, seguidores, comentários, curtidas, etc. Eu vencer e ninguém ficar sabendo não é mais suficiente. A validação da plateia é o que buscamos incansavelmente.

Numa sociedade assim o medo do fracasso cresce cada vez mais. Passar pela vida desapercebido? Muitos vão se desesperando ao ver o tempo passar e a ilusões não serem satisfeitas, outros estão cansados e oprimidos, na marcha depressiva dos desistentes.

Cada vez mais me parece que estamos sensíveis a qualquer fracasso, a paúra de se encontrar entre os perdedores, seja em que área for. E a derrota nem precisa ser definitiva, basta ser a de um dia para nos derrubar. Alguns se recuperam, outros se veem fora, abatidos, procurando voltar para a casa que eles já nem possuem. Há falta de um lugar para serem acolhidos, compreendidos em suas dores, acalentados.

Ao olhar para tal situação cresce em mim a força de um encontro, relatado por um médico, chamado Lucas. Sim, aquele que escreveu um dos evangelhos. Conta de um pescador abatido, desanimado, com o gosto amargo do fracasso, pois, havia se esforçado a noite inteira e não pegou nada. Só lhe restava lavar as redes e esperar por melhor sorte noutro dia.

A este Jesus diz: “Vá para onde as águas são mais fundas” (Lc 5.4). Jesus insiste para que volte ao lago e ouse mais. Desafia-o a fazer nova tentativa, só que não da mesma forma, agora, em águas mais fundas. Que pescador que não sabe disso? Contudo, que pescador cansado e que já passou toda uma noite tentando ainda tem coragem e fôlego?

A resposta do pescador esforçado e derrotado é: “porque és tu quem está dizendo isto, vou lançar as redes” (Lc 5.5). É alguém que apesar de todo esforço em vão ainda se permite nova tentativa. É alguém ainda capaz de ouvir, capaz de respeitar a voz de alguém especial, capaz de acreditar na autoridade daquele que fascinava multidões por falar a palavra de Deus.

Relata-se, então, a surpresa do conhecedor daquelas águas. Um experiente pescador que ousa ir às aguas mais profundas para em seguida ver suas redes rompendo de tantos peixes. Um homem que rapidamente sai da derrota para a inesperada vitória abundante. E isso não seria suficiente? Haveria espaço para algo mais? As águas profundas não tinham sido alcançadas, a obediência se dado e o resultado positivo obtido? Já poderia se encerrar a história, o final feliz estava pronto.

O pescador estava assustado com tamanho imprevisto. Era bom, mas era muito. Sentiu-se constrangido. Pediu para que Jesus se afastasse. E a resposta de Jesus é: “Não tenha medo; de agora em diante você será pescador de homens” (Lc 5.10). Assim, Jesus chama a uma vida que é paradoxalmente parecida e diferente. A semelhança é que ele continuará a ser pescador, mas, não um pescador comum, agora, pescador de gente.

Jesus convida-nos a ser. Penso que essa é a melhor vitória – a de que podemos viver para aquilo que fomos chamados a ser. Não se trata uma vitória que necessariamente ganhará manchetes, que atrairá os holofotes da vida, mas de um viver onde a realização se dá em águas mais profundas.

Para aquele pescador uma revolução acabara de acontecer. Mais do que aquele resultado exterior, há um resultado interior – um chamado a ser diferente. Em sua singularidade ele poderia agora descobrir o que seria ser pescador de gente. E ao reler sua história na Bíblia vemos o quão significativo foi aquele pescador ter ouvido aquele chamado.

Mais do que se preocupar com o êxito com aquilo que se faz, embora isso possa ter certa legitimidade, não necessariamente prioridade, trata-se de atentar para quem se é. Não ceder a pressão da correnteza que nos sugere forçar algumas proezas, falsas ou ilusórias vitórias. Correr atrás do vento pode ser divertido por um tempo, mas, tem o seu limite. Não preenche, não colabora para a identidade. Ouvir a Jesus é ser desafiado a algo novo. E dentre algumas implicações, talvez, seja preciso abandonar redes que já são familiares, abandonar velho hábitos, se aventurar e confiar naquele que chama-nos a uma nova vida. Quem vai ouvi-lo hoje?