Opinião
- 23 de março de 2015
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Viver a vocação valida a vida
Vocação e profissão não são sinônimos. Vocação é aquilo a que somos chamados a ser e a realizar, enquanto gente, tanto coletiva como individualmente.
Vocação tem relação com o sentido que Deus atribui a tudo que Ele mesmo cria. É Deus quem dá nome, identidade e significado àquilo que Ele constitui no universo. Deus cria tudo com bons propósitos e estabelece o cosmos com a intenção de promover o bem, a graça e fazer o amor transbordar.
Encontrar-se com o fluxo de vocação estabelecido por Deus para a humanidade no princípio é reencontrar o chamado básico, aquilo que produz senso de realização e autentica a existência. Há pelo menos dois aspectos a ser considerados aqui: o denominado mandato cultural e o mandato missional.
Mandato cultural
À humanidade - representada naquele primeiro casal, constituído com igual dignidade, conjuntamente chamado e igualmente investido na corregência da Terra-jardim - Deus profere uma benção que também indica sua vocação: "sede fecundos, multiplicai-vos, enchei e dominai a Terra".
A identidade de gênero, a sexualidade, o casamento, a família, a sociedade, as nações, o cuidado com meio ambiente, o trabalho, a economia, a governança política, a cultura e a espiritualidade estão contidos na benção-vocação comunicadas por Deus à humanidade como um todo (Mandato Cultural) e que permanece essencialmente inalterada desde as origens. Responder à convocação divina e cumprir a agenda proposta pelo Criador como pessoas, por meio do corpo, na história, nas interações uns com os outros e com a Terra é encontrar o sentido básico para a existência humana, pessoal e coletiva.
Idealmente é isso. Basta discernir e seguir o rumo da vocação designada pelo Criador, com a liberdade de escolha também graciosamente concedida. Originalmente está tudo muito bem configurado no universo; o meio ambiente está em harmonia e há alimento e a justa provisão para todos. Entretanto, surgem elementos desagregadores, que instilam dúvidas em relação ao projeto celestial. Fundamentalmente, foi semeada uma desconfiança básica: a de que o Criador não teria compartilhado o melhor; que existiria uma posição de inferioridade e falta de liberdade; e surge, então, uma ambição na alma por ser mais do que aquilo para o qual se foi constituído. Ato contínuo, uma ruptura e desordem cósmica se introduzem no coração e em todas as relações do ser humano, que tumultuam o senso da vocação humana essencial.
Muito da crise vocacional contemporânea, vivenciada tanto por jovens, como por gente de meia idade frustrada em meio de carreira, está relacionada com a pretensão por estabelecer-se existencialmente de modo desconexo com a vocação e a ordem configurada pelo Criador. Escolhas sob as pressões do mercado, independente de considerar os valores básicos do Reinado de Deus, são aposta certa na insatisfação. A vida humana plena consiste em muito mais do que no acúmulo de bens. E ganhar o mundo todo e perder a alma é um despautério. Assim, o coração só se satisfaz existencialmente quando encontra e caminha no roteiro definido por Deus mesmo, isto é, na descoberta do chamado divino. Viver tão somente para si mesmo é igual a perder a vida (desperdiçar a existência).
Encontrar a vocação é o reencontro com a orientação divina fundante e com o chamado para restaurar todas as coisas sob o reinado dinâmico de Jesus.
O Reino de Deus é eterno e não é abalado pelas sazonalidades da rebeldia humana ou angélica. Deus, terapêutica e redentoramente, continuamente chama a humanidade de volta, reorganizando a situação de crise e desajuste, proporcionando graciosamente a promessa-vocação, que traça o curso de salvação da deterioração introduzida na história pelo pecado humano (Mandato Missional).
Mandato missional
A vocação humana básica permanece (mandato cultural), não sendo modificada na sua natureza, embora alguns aspectos sofram ajustes. Surge, porém, uma nova dimensão da vocação, que é a participação no serviço ao resgate e reordenamento da criação corrompida (mandato missional). Deus mesmo, em Cristo, entra no mundo parar reconciliar todas as coisas consigo, reunindo-as sob o senhorio de Jesus.
É provável que a maior parte do problema quanto à crise de vocação, sentido e significado da existência decorra do receio e da desconfiança de que o plano projetado por Deus seja mesmo bom. Entretanto, sintonizar-se previamente à agenda do Reino de Deus é exatamente a plataforma para as posteriores escolhas que trazem realização quanto ao trabalho, à profissão e à carreira.
Quanto ao aspecto da escolha profissional há total liberdade, salvo excepcional convocação específica. Cada um pode fazer o que quiser, conquanto que faça com as mãos o que seja bom (Ef 4.28). A escolha é livre dentro de parâmetros éticos do que seja o bem da criação, da sociedade e de si mesmo. O trabalho deve produzir saldos positivos, que permitam a manutenção própria e da família. O propósito do trabalho, entretanto, vai além do cuidado dos seus, do desfrute e do acúmulo; ele visa ajudar e abençoar também aos que estão em volta, e que, por alguma razão, estão necessitados. Assim o que recolhe muito fruto não fica com demais e, a quem colheu pouco, não falta o pão.
Do ponto de vista do governo de Deus, é a descoberta e cumprimento dos mandatos divinos (cultural e missional) que importa. O que tem valor é cumprir tais mandatos onde quer que se esteja, com o cônjuge que se tiver escolhido, na carreira pela qual se tenha optado. Os aspectos exteriores e formais são secundários (conquanto que sejam "bem"!). O que importa é a conexão com o Reino de Deus e o propósito essencial de cumprir a vocação na esfera onde estiver colocado, seja qual for a profissão.
É importante salientar que uma "carreira religiosa" não cumpre necessariamente, por si só, os mandatos de Deus; por ter formato religioso não significa automaticamente realizar a agenda celestial. Uma "vocação secular", sintonizada com o Céu, cumprirá melhor os planos de Deus no mundo, se o coração estiver conectado com o senso de vocação que vem do Alto.
Paradoxalmente, o que autentica a vida, a história e a existência não é a medida de sucesso segundo as pobres categorias do mundo. É justamente o negar a si mesmo a satisfação narcisista do ego e de suas vontades para assumir o seguimento e o cumprimento da vocação comunicada por Deus que trás o profundo senso de realização e alegria diante de Deus.
• Christian Gillis é casado com Juliana, pai de três filhos, pastor da Igreja Batista da Redenção, em Belo Horizonte (MG) e membro do Conselho Gestor da Aliança Evangélica.
**
Participe do Vocare 2015
De 18 a 21 de abril
Na Unicesumar, em Maringá, PR
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Encontrar-se com o fluxo de vocação estabelecido por Deus para a humanidade no princípio é reencontrar o chamado básico, aquilo que produz senso de realização e autentica a existência. Há pelo menos dois aspectos a ser considerados aqui: o denominado mandato cultural e o mandato missional.
Mandato cultural
À humanidade - representada naquele primeiro casal, constituído com igual dignidade, conjuntamente chamado e igualmente investido na corregência da Terra-jardim - Deus profere uma benção que também indica sua vocação: "sede fecundos, multiplicai-vos, enchei e dominai a Terra".
A identidade de gênero, a sexualidade, o casamento, a família, a sociedade, as nações, o cuidado com meio ambiente, o trabalho, a economia, a governança política, a cultura e a espiritualidade estão contidos na benção-vocação comunicadas por Deus à humanidade como um todo (Mandato Cultural) e que permanece essencialmente inalterada desde as origens. Responder à convocação divina e cumprir a agenda proposta pelo Criador como pessoas, por meio do corpo, na história, nas interações uns com os outros e com a Terra é encontrar o sentido básico para a existência humana, pessoal e coletiva.
Idealmente é isso. Basta discernir e seguir o rumo da vocação designada pelo Criador, com a liberdade de escolha também graciosamente concedida. Originalmente está tudo muito bem configurado no universo; o meio ambiente está em harmonia e há alimento e a justa provisão para todos. Entretanto, surgem elementos desagregadores, que instilam dúvidas em relação ao projeto celestial. Fundamentalmente, foi semeada uma desconfiança básica: a de que o Criador não teria compartilhado o melhor; que existiria uma posição de inferioridade e falta de liberdade; e surge, então, uma ambição na alma por ser mais do que aquilo para o qual se foi constituído. Ato contínuo, uma ruptura e desordem cósmica se introduzem no coração e em todas as relações do ser humano, que tumultuam o senso da vocação humana essencial.
Muito da crise vocacional contemporânea, vivenciada tanto por jovens, como por gente de meia idade frustrada em meio de carreira, está relacionada com a pretensão por estabelecer-se existencialmente de modo desconexo com a vocação e a ordem configurada pelo Criador. Escolhas sob as pressões do mercado, independente de considerar os valores básicos do Reinado de Deus, são aposta certa na insatisfação. A vida humana plena consiste em muito mais do que no acúmulo de bens. E ganhar o mundo todo e perder a alma é um despautério. Assim, o coração só se satisfaz existencialmente quando encontra e caminha no roteiro definido por Deus mesmo, isto é, na descoberta do chamado divino. Viver tão somente para si mesmo é igual a perder a vida (desperdiçar a existência).
Encontrar a vocação é o reencontro com a orientação divina fundante e com o chamado para restaurar todas as coisas sob o reinado dinâmico de Jesus.
O Reino de Deus é eterno e não é abalado pelas sazonalidades da rebeldia humana ou angélica. Deus, terapêutica e redentoramente, continuamente chama a humanidade de volta, reorganizando a situação de crise e desajuste, proporcionando graciosamente a promessa-vocação, que traça o curso de salvação da deterioração introduzida na história pelo pecado humano (Mandato Missional).
Mandato missional
A vocação humana básica permanece (mandato cultural), não sendo modificada na sua natureza, embora alguns aspectos sofram ajustes. Surge, porém, uma nova dimensão da vocação, que é a participação no serviço ao resgate e reordenamento da criação corrompida (mandato missional). Deus mesmo, em Cristo, entra no mundo parar reconciliar todas as coisas consigo, reunindo-as sob o senhorio de Jesus.
É provável que a maior parte do problema quanto à crise de vocação, sentido e significado da existência decorra do receio e da desconfiança de que o plano projetado por Deus seja mesmo bom. Entretanto, sintonizar-se previamente à agenda do Reino de Deus é exatamente a plataforma para as posteriores escolhas que trazem realização quanto ao trabalho, à profissão e à carreira.
Quanto ao aspecto da escolha profissional há total liberdade, salvo excepcional convocação específica. Cada um pode fazer o que quiser, conquanto que faça com as mãos o que seja bom (Ef 4.28). A escolha é livre dentro de parâmetros éticos do que seja o bem da criação, da sociedade e de si mesmo. O trabalho deve produzir saldos positivos, que permitam a manutenção própria e da família. O propósito do trabalho, entretanto, vai além do cuidado dos seus, do desfrute e do acúmulo; ele visa ajudar e abençoar também aos que estão em volta, e que, por alguma razão, estão necessitados. Assim o que recolhe muito fruto não fica com demais e, a quem colheu pouco, não falta o pão.
Do ponto de vista do governo de Deus, é a descoberta e cumprimento dos mandatos divinos (cultural e missional) que importa. O que tem valor é cumprir tais mandatos onde quer que se esteja, com o cônjuge que se tiver escolhido, na carreira pela qual se tenha optado. Os aspectos exteriores e formais são secundários (conquanto que sejam "bem"!). O que importa é a conexão com o Reino de Deus e o propósito essencial de cumprir a vocação na esfera onde estiver colocado, seja qual for a profissão.
É importante salientar que uma "carreira religiosa" não cumpre necessariamente, por si só, os mandatos de Deus; por ter formato religioso não significa automaticamente realizar a agenda celestial. Uma "vocação secular", sintonizada com o Céu, cumprirá melhor os planos de Deus no mundo, se o coração estiver conectado com o senso de vocação que vem do Alto.
Paradoxalmente, o que autentica a vida, a história e a existência não é a medida de sucesso segundo as pobres categorias do mundo. É justamente o negar a si mesmo a satisfação narcisista do ego e de suas vontades para assumir o seguimento e o cumprimento da vocação comunicada por Deus que trás o profundo senso de realização e alegria diante de Deus.
• Christian Gillis é casado com Juliana, pai de três filhos, pastor da Igreja Batista da Redenção, em Belo Horizonte (MG) e membro do Conselho Gestor da Aliança Evangélica.
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