O que nunca foi simples parece estar ainda mais complicado, consideremos as relações entre verdade e mentira, ficção e realidade, essência e aparência.

O que caracteriza nossa vida no século XXI? Vertiginosos processos de espetacularização do nosso mundo, onde apenas o que causa sensação é percebido e valorizado, ou seja, experiência e intensidade são palavras chaves em nosso tempo.

Vivemos dias onde tudo o que não causa impacto em nossas sensações tende a desaparecer rapidamente no fluxo de informações, apesar, claro, de que aquilo que nos causa sensações fortes também desaparecerá em breve período, mas ao menos deixa marcas. O que quero destacar é o quanto vamos nos tornando viciados em injeções de sensações que agudizam nosso sistema nervoso, favorecendo assim, um jeito de ser que depende de sequências de instantes que nos joguem na vida como montanha russa permanente.

Dentre as sensações mais buscadas está o de ser visto, admirado, seguido (criar tendência e espalhá-las com agilidade porque logo se esvai, tudo é muito efêmero – sensação é vapor).

No regime ditatorial da espetacularização da vida crescem novas construções identitárias, onde valho quanto causo (provoco sensações nos que me cercam), sou quando sou percebida (necessidade de destaque na vitrine da vida).

Há sempre muito mais nos obscuros meandros de nossa alma, e quão pouco ainda sabemos da bagagem enigmática que carregamos. Mas, algumas coisas carregamos há muito, constitui-nos como humanidade caída.

A questão de exibirmo-nos, de sermos validados pelo outro, de desejarmos ser não apenas aprovados, mas admirados é grande desde sempre. E isso aparece inclusive no âmbito da espiritualidade.

Ao mesmo tempo que queremos novidades (novas e mais intensas sensações), trazemos desejos antigos, que nos confundem e nos empurram a práticas já conhecidas.

Aprecio sempre como as palavras de Jesus são atuais. Como profundo conhecedor de nossa alma carente, de nossos desvios e labirintos interiores, ele adianta e revela comportamentos mascarados, mas que achamos que nunca ninguém descobriria o que estava por detrás – achamo-nos convincentes.

Assim diz Jesus: “Quando vocês orarem, não sejam como os hipócritas. Eles gostam de ficar orando em pé nas sinagogas e nas esquinas, a fim de serem vistos pelos outros” (Mt 6.5). Jesus, firmemente, denuncia a hipocrisia na espiritualidade. Quem de nós escapa?

A oração é um convite desafiador para o desvendamento de própria alma, sempre surpreendente. Contudo, até a oração pode ser instrumento fundamental em meu jogo de cena na espetacularização da espiritualidade, uma maneira de esmolarmos atenção e reconhecimento, provocando sensações diversas em mim e no outro.

Jesus instrui seus discípulos dizendo: “mas quando você orar, vá para seu quarto, feche a porta e ore a seu Pai, que está sem secreto” (Mt 6.6).

Nós vivemos num tempo onde a tentação é abrir a porta do quarto e nos mostrarmo-nos – exibicionismo de intimidade perdida. É muito contracultura o que Jesus nos pede. É estranho a nossa alma, afinal, vida privada é algo que está em desuso, intimidade é algo desconhecido e deturpado (novas construções vem por aí?), e discrição é cada vez mais difícil de se viver.

Fechar a porta é um trabalho árduo e que não nos chama a atenção por ir na contramão do que tem sido mais valorizado, nada glamoroso, então, quem vai atender a tal pedido e aprender essa nova forma de ser?

Buscamos compensar nossas inseguranças quanto ao nosso valor e identidade com frenesis espetaculares, fantasias grandiosas que denunciam a deficiência de valor e significado.

Não ser hipócrita, não enganar o outro e nem a si mesmo é deslocar-se do palco para a coxia, para os bastidores. Encarar a vida a partir de quem se é, não de quem se desejaria ser. É fechar as cortinas, olhar no espelho, arrancar máscaras e maquiagens e ver quem de fato somos. Não precisamos ter medo, pois Jesus nos lembra, temos um Pai que nos vê em secreto, ou seja, para Deus não será novidade, talvez, sejamos novidade apenas para nós mesmos (e, quem sabe, para alguns diante de quem ainda sustentamos máscaras e vivemos papéis decorados, conforme manda o script).

O Pai que nos vê como somos, conhece nossas reais necessidades (Mt 6.8),e cuidará de nós. Crer nisso pode ser o início de uma caminhada nova e profunda, num caminho estreito, é fato, onde poucos seguem. Mas abandonar tendências, fugir de tais tentações, não viver por meras sensações, exigem a coragem de fechar a porta do quarto e ser tratado num genuíno espaço de oração. Quem quer assim ser trabalhado?