Ele chegou aos oitenta anos, mas vinha sofrendo, nos últimos, com problemas físicos. Com os anos, as doenças também chegaram. Ora mais abatido, ora ainda mais sensível, prosseguiu enquanto pode.

Rubem Alves dizia poeticamente sobre a finitude que sentia se aproximar: “de um lado, sou o rio que vai indo pela planície, sem retorno, para o mar. Do outro sou piracema, peixes rio acima em busca da infância… E assim vou indo, o corpo trabalhando, na direção do mar, a alma brincando, na direção das nascentes…”. Alcançou o mar.

Em nossa memória ficam suas piracemas, sua alma brincante, sua delicadeza e sensibilidade. Seus textos fluíam como poucos. Era bom de ler. Mesmo quando eu divergia, eu me encantava, respeitosamente.

Sua escrita era carismática, ele era acolhedor. Bom ouvinte, criativo, cabeça de filósofo e coração de poeta. Boa conjugação! Já em seus anos avançados disse: “Na velhice saímos à cata das palavras essenciais. Por isso nos voltamos para os poetas”. E assim o fez, continuou cultivando a beleza e a alegria.

Há décadas lendo e encontrando Rubem Alves, sempre atenta a suas publicações, vendo sua maturidade em forma de frases bem colocadas, comecei a fazer um dicionário particular dele. Depois saíram diversas publicações com alguns verbetes, mas, há muito mais nele a ser aproveitado. Há uma herança a ser visitada.

Rubem não viveu do passado, embora tenha sido marcado por ele. Era alguém sintonizado, como bom educador, contextualizado. Atentava para a realidade sem perder a perspectiva esperançosa: “é preciso viver a vida com sabedoria para que ela, a vida, não seja estragada pela loucura que nos cerca”.

Eu celebrava suas percepções: “A alma chora pelo que não existe”. Sim, seres de incompletude, inquietos pela falta, e como Deus trabalha em nossa falta! Mas também sobre a alma dizia mais: “a alma é uma biblioteca. Nela se encontram as estórias que amamos”. E várias estórias ele as contou e nos abençoou com sua biblioteca interna e única. Como não sentir saudade?

Aproveito o que ele mesmo disse para lidar agora com essa saudade: “falamos para transformar a ausência em presença”, ou, “as grandes comunhões não acontecem em meio aos risos da festa. Elas acontecem, paradoxalmente, na ausência do outro. Quem ama sabe disso. É precisamente na ausência que a proximidade é maior”. Quero estar perto, continuar falando de seus escritos, porque neles havia uma brisa de beleza da vida, de quem a seu modo conheceu o Criador. Viva a comunhão.

Rubem Alves foi um artista das palavras. De modo sucinto expressava: “a arte é isso, pegar o eterno que cintila por um instante no rio do tempo”, e ainda, “a arte são as asas do corpo. Por ela voamos!” E ele voou e tocou na eternidade que Deus colocou em nosso coração, o fez de forma singular.

Conhecedor da beleza ele repetia: “creio que dentro de todos, mora, adormecida, a nostalgia pela beleza”. Difícil ler o relato da criação no Gênesis e não assentir.

Em sua carta de despedida, lida em seu velório a pedido dele, disse: “não terei últimas palavras. O que tinha para dizer, já disse em vida”. E me alegro por ele ter dito tanto. E penso que valerá a pena visitarmos esse escritor nos livros que ele nos deixou. Sugiro que até os resistentes o façam. Desarme-se e aproveite. A beleza está logo aí.