O vencedor do Oscar desse ano como melhor filme foi “Birdman”, tido por muitos como uma boa e requintada comédia, inclusive, ácida sátira da fama. Trata-se de um ator que após alcançar a “bendita” fama e tornar-se um astro como o super-herói de uma cinessérie, quer se provar talentoso. Ele recebe o convite para prosseguir fazendo o quarto filme como o Homem-Pássaro, no entanto, recusa-se, ele deseja reinventar-se. A fama e o dinheiro não lhe foram suficientes. Incomodado, quer mudar, quer resgatar algo que acredita existir nele, deseja retomar a vida, relações que ficaram pelo caminho, enfim, está insatisfeito e confusamente esperançoso. Ironicamente, em meio aos dilemas existenciais, parece já não saber o que é real e o que é fantasia, o que é verdadeiro e o que é teatro.

Em alguns momentos da vida chegamos a nos questionar sobre nossa vocação, e não poucas vezes, desconfiados, sentimos a necessidade de atualizá-la, ou mesmo, revê-la.

Uma forma comum, e que em geral aprendemos cedo, é ocuparmos a vida. Ocupamos com estudos, com deveres, com entretenimento, com trabalhos, com relações, etc., porém, nem sempre estamos certos de que deveríamos fazer o que estamos fazendo. Entretanto, corremos sempre atrás de ocupações, “ganhar a vida”, talvez, melhor dizendo, sobreviver.

Entendemos, de modo geral, que se alcançamos um tanto de reconhecimento, um certo status e um bom dinheiro, como fruto de esforço após alguma dedicação em determinada área, isso basta. E acaba mesmo valendo por um tempo, para uns mais, para outros menos. Contudo, isso não é, necessariamente, sinônimo de vocação ou realização vocacional. É possível que uma sede por significado maior nos visite de vez em quando, e, que essa inquietação também tenha a ver com vocação. Aí, precisamos abrir espaços para repensar atividades, composições curriculares, leituras de nossa história pessoal, ter novas conversas, olhares, mas também buscar um tempo de silêncio.

José Lisboa de Oliveira, doutor em teologia, e que tem experiência no tema, comenta que “no judaísmo e no cristianismo o olhar retrospectivo sempre teve um significado prospectivo”. E mais: “Olhamos para a história, para o nosso passado, a fim de contemplarmos as maravilhas divinas e nos lançarmos confiantes para a frente. Enquanto memória e memorial, a fé cristã celebra a intervenção divina no tempo, intervenção essa que continua no momento atual, no ‘hoje’ da nossa existência”. E assim, como cristãos, cremos que Deus, em sua História maior, nos convida a participar e nos oferece oportunidades de contribuirmos para algo que Ele continua a fazer – reconciliação sempre. A esperança nos guia e a alegria nos acompanha.

Lembro-me de ler no diário de Thomas Merton, o registro sobre uma de suas crises, quando em dezembro de 1946 ele diz: “Descobri em mim um desejo quase incontrolável de partir na direção contrária, como fez o profeta Jonas, a quem Deus ordenou ir a Nínive. Deus me indicou um caminho e todos os meus ‘ideais’ me indicaram outro. Quando Jonas viajava, tão rapidamente quanto podia, na direção de Tarsis, a fim de afastar-se de Nínive, ele foi lançado à água e engolido por uma baleia, que o levou para o ponto que Deus lhe havia assinalado… Assim como Jonas, vejo-me viajando para meu destino, no bojo de um paradoxo…”. Ele sofre em seu voo vocacional. Muito já tinha descoberto, mas mais lhe faltava. E penso que esse desafio de lidarmos com nossa incompletude e, ao mesmo tempo, com a ampliação de nossa consciência vocacional, é sempre um processo rico em significado e que colabora para nosso amadurecimento. Além disso, é muito bonito, sem dúvida, ver, acompanhar, pessoas se reconciliando com sua vocação.

Que as asas da experiência, a brisa das boas conversas e leituras, o clima da arte tocando e evocando subjetividades, e a liberdade de um tempo de oração nos ajude a descobrimos mais sobre nossa vocação e a trajetória que podemos viver.