Como é triste sentir-se perseguido, perceber conspirações contra si, reconhecer inimigos tão perto, conviver com agressores, receber ataques, viver ameaçado.

Davi ao se ver nessa situação clama: “Levanta-te para ajudar-me; olha para a situação em que me encontro!” (Sl 59.4b). Ele suplica confiante em Deus: “Ó tu, minha força, por ti vou aguardar; tu, ó Deus, és o meu alto refúgio. O meu Deus fiel virá ao meu encontro.” (Sl 59. 9-10).

É bonito ler na Bíblia como alguém que se vê correndo tão séria e explicitamente risco de vida, rodeado de gente que rosna como cães bravos, é capaz de assegurar-se tão fortemente em Deus, convicto de que o amor de Deus é infalível e que aparece na hora certa o socorro.

É claro que ele deseja que seus inimigos desapareçam, mas, não antes de serem apanhados em seu orgulho, serem feridos pela própria língua malignas deles, serem derrubados pela justiça.

O olhar de Davi enxerga adversários insaciáveis, mas vê também e maior a fidelidade de Deus e sua força. E sabe que cantará e celebrará as façanhas de Deus – sempre presente em tempos ruins, estranhos e esgotantes.

Ao mesmo tempo que Davi vê o ódio de seus inimigos, vê também o amor de Deus, onde ele pode se abrigar, ficar seguro, e descansar. Ele diz: “Tu és o meu alto refúgio, abrigo seguro nos tempos difíceis. Ó minha força, canto louvores a ti; tu és, ó Deus, o meu alto refúgio, o Deus que me ama” (Sl 59.16-17).

A vida é reorientada e reconfortada a partir da fé em Deus. A esperança é renovada com essa fé. E a certeza e total segurança num Deus pessoal que o ama faz ele prosseguir e enfrentar os dias.

Thomas Merton afirma que “não somos perfeitamente livres enquanto não vivemos de pura esperança. Sem esperança, a nossa fé só nos dá distantes relações com Deus. Sem amor e esperança, a fé só O conhece como a um estranho. Pois a esperança é que nos joga nos braços da Sua misericórdia e da Sua providência. Se esperamos em Deus, não nos limitaremos a saber que Ele é bom, mas experimentaremos em nossa vida a Sua misericórdia”.

Esperar em Deus, contudo, não é sinônimo de passividade. Esse salmo que Davi escreve se dá no contexto em que Saul envia homens para vigiarem a casa de Davi a fim de matá-lo, pois, naquele mesmo dia, antes de anoitecer, ele já havia escapado por um triz de uma lança contra ele. Já em casa, é Mical, sua esposa, que o alerta: “Se você não fugir esta noite para salvar sua vida, amanhã estará morto” (I Sm 19.11). Ela, então, fez Davi descer por uma janela a fim de que fugisse. E enquanto ele fugia ela montou um esquema criativo para despistar os guardas e ganhar tempo a favor de Davi.

Acho interessante como a inteligência e perspicácia de Mical foi importante nesse episódio e como Davi reconhece isso tudo como ação do amor de Deus, que dele cuida em todo tempo. Sim, Deus cuida e o faz, muitas vezes, através de pessoas. E aproveita, utiliza-se da inteligência, sensibilidade e agudeza de espírito de pessoas que nos cercam.

Voltando a Merton, ele diz: “a esperança esvazia-nos as mãos para que possamos trabalhar com elas. (…) Se Deus é bom e se a minha inteligência é uma dádiva Sua, o meu dever é mostrar, pela inteligência, a minha confiança na Sua bondade. Devo deixar a fé elevar, curar e transformar a luz da minha mente”.

O amor de Deus não negligencia as dádivas, capacidades, características que ele mesmo nos deu. Podemos desenvolver-nos com esperança, fé e amor em Deus, participativos dos livramentos que Ele promove.

Saibamos ouvir, agir, repartir sobre o que Deus faz, reconhecendo-o em todos os nossos caminhos.