A nossa vida, em certo sentido, mostra nossa fome. Isto é, as escolhas que fazemos, o estilo de vida que temos ou desejamos ter. Há uma fome de comida, que mantém nossa existência. Há fome também de arte, fome que muitos chamam de felicidade, fome que revela anseios mais profundos da alma.
Jesus, mesmo tendo suas necessidades básicas, enquanto ser humano, foi capaz de discernir e assim respondeu à tentação sofrida: “Nem só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que procede da boca de Deus” (Mt 4.4). Eis a fome essencial.
No cardápio cotidiano muito nos é oferecido. Temos de tudo para todos os gostos. Somos tentados a experimentar mais, a despertar paladares, a nos entregarmos a desejos que mal sabíamos que existiam em nós. E a alma vai se enchendo de muitos sabores, sem, contudo, sentir-se saciada. Uma gula instala-se e é provocada constantemente. Como se passássemos a viver tão somente para a autossatisfação.
Numa época onde o cuidado com o corpo é tão valorizado, a alma está a morrer de inanição. Joga-se coisas dentro dela sem se quer atentar para seus efeitos. A digestão geralmente mal feita vai adoecendo-nos, mas o esforço é manter as aparências.
Qual a nossa alimentação da alma? Como diz Jacques Ellul: “A fome de pão é indiscutível. Mas a fome da Palavra de Deus, menos evidente nas entranhas, é ainda mais essencial”. Porém, muitos têm desprezado o transcendente, enquanto sensações por si só são valorizadas. Experiências diversas, inéditas, menos imaginadas, assim a intensidade da vida equivale às experiências aventureiras que você tem para contar. Quanto mais risco, maior a adrenalina, maior seu próprio brilho a ser exibido.
O rabino Abraham Heschel dizia que “o compromisso religioso não é somente um ingrediente de ordem social, um complemento ou um reforço da existência, e sim o coração e a essência do ser humano; sua verificação manifesta-se na ordem social, nas ações diárias”. E ainda: “A religião é a crítica de toda satisfação. Sua meta é o regozijo, mas seu princípio é o inconformismo, a destruição dos ídolos, a repulsa ao orgulho”.
Para os que desenvolvem a religiosidade, a próxima pergunta seria, qual? Uma que acomoda ou que transforma? Uma que serve o próximo ou que serve a si mesmo?
Que dieta adotamos no cotidiano? Há espaço para uma espiritualidade saudável, que nos traga questões da realidade que nos cerca e amplia a consciência da vida? No tempo das culturas da ansiedade, da frustração e da decepção é tentador usarmos uma espiritualidade, inclusive dita cristã, que nos aliena, ou trata superficialmente as dores e as crueldades que nos cercam. A fuga de questões íntimas que precisam ser enfrentadas é comum através de atalhos feitos com “espiritualizações” estranhas, ao menos, quanto ao evangelho de Cristo Jesus. Assim o adiamento contínuo se dá, colocando o foco em demandas externas e deixando o interior esvaziado e faminto, ou, enganado, mal alimentado, permitindo-se desfrutar de prazeres imediatos às custas da desgraça do outro, sem se dar conta que se cava a própria sepultura. Defuntos ambulantes considerando-se o máximo.
Jesus instrui: “conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” (Jo 8.32).