“Os 33”, assim passou a ser conhecido o grupo de homens que trabalhavam na mina San José, em Copiapó, norte do Chile (região do deserto de Atacama), onde ficaram soterrados por 70 dias.

            O resgate foi bem-sucedido, se tornou um espetáculo midiático, o alpinismo político tirou proveito, e documentários, filmes e livros estão sendo preparados.

            Uma frase, dentre as muitas, me chamou mais a atenção. Veio por parte do mineiro Mario Sepulveda, logo que saiu, ele testemunhou: “Estive com Deus e com o diabo. Os dois brigaram por mim e Deus venceu”.

            Biblicamente, talvez, possa nos remeter à história registrada no livro de Jó. De certa forma, também ali havia uma disputa, uma “grande aposta” como preferem chamar alguns teólogos, também entre Deus e o diabo. Mas, por agora, não vou me reter a esse episódio tão rico da Bíblia.

            Ao ouvir essa frase de Sepulveda me pus a pensar na vitória lá debaixo da terra. Também emocionada e agradecida a Deus por esse milagre, me juntei em festa. Apreciar a perseverança, os esforços, os recursos tecnológicos, a ajuda e esperança de tantos, faz considerar melhor a história carregada de expectativas e lições.

            Lá embaixo a guerra já foi vencida, mas outra aqui se apresenta. Uma outra guerra que é cotidiana, que também exige perseverança, disciplina, paciência, esperança, atenção e fé.

Aqui em cima, todo dia, há uma disputa. O problema é que nem sempre estamos conscientes dela.

             Não é toda hora que estamos atentos e dedicamos tempo considerando com maior cuidado o que cada decisão pode acarretar. Nem sempre as avaliações são bem feitas, as reflexões, no geral, tendem a ser mais superficiais.

             Nossa atenção se volta, na maior parte do tempo, para o que é visível, e ainda assim, dispomos de uma atenção temporária. Pressa e pressão nos empurram para o próximo item, para o próximo estímulo, a continuidade pede passagem, preferencialmente com velocidade.

             Os detalhes nos escapam, mas podem ser cruciais. Contudo, quem tem tempo para observar isso?

              Lá embaixo, conheceu-se uma outra realidade. Embora a escuridão os cercasse, foram iluminados em vários aspectos, refletiram sobre alguns valores, tiveram tempo para acariciar lembranças, ponderar posturas, conhecer mais dos instintos e da natureza humana. Apesar de tantos limites e escassez sobrava tempo, e assim, puderem, quem sabe, ponderar mais sobre outros limites até então disfarçados. Talvez, tenham tido momentos de gritos desesperados, uma agonia que se expressou em barulhos e movimentos diversos, entretanto, é possível que tenham encontrado longos períodos de silêncio, momentos onde puderem ouvir e perceber que uma outra guerra acontecia. Portanto, quase num paradoxo metafísico, em meio à escuridão viram melhor a vida; entre a escassez, abundou reflexões; entre dores, descobriram e valorizam mais sabores; entre um tempo quase “perdido”, encontraram memórias esquecidas, talvez até alguns, enquanto morriam para algumas coisas, nasciam para outras, enfim, precisaram de um silêncio profundo, corroborado pelas circunstâncias forçadas, a fim de ouviram melhor.

               Agora, de volta à superfície, a superficialidade ganhará? Esquecerão com o tempo a riqueza maior que o ouro, aquela que ladrões não podem cavar e levar, que puderam ou poderiam ali adquirir?

               A boa notícia de que eles poderiam ser resgatados, já se concretizou. Mas se perderão agora? E a má notícia é que a guerra que Sepulveda viu não terminou lá embaixo. Continua aqui em cima.

               Todos nós precisamos ser lembrados que a guerra continua, companheiro! Vamos nos distrair, tentar silenciá-la, ou, ignorá-la? Para o que ou quem dizemos “sim” e “não”?