Posts tagged desigualdade social

45ª semana de 2013

“Como mostrou o psicólogo Irving Janis, o desejo de manter a coesão e a harmonia do grupo faz com que seus membros tentem agir sempre em bloco e de maneira às vezes patológica. Uma série de experimentos sugere que juntar muitas pessoas que pensam de forma parecida, numa sala ou na rede de computadores, resulta em maior polarização (radicalização das ideias), mais animosidade (sensação de onipotência em relação a outros grupos) e conformidade (supressão de dissensos internos).”

Hélio Schwartsman, Folha de S.Paulo – 03/11/2013

 

“Confiamos nas pessoas ao redor para nos ajudar a lembrar os detalhes da vida desde sempre. Sabemos mais ou menos em que somos ruins em lembrar e no que nossos amigos, mulheres e maridos são bons. Até inconscientemente. Eu sei que minha mulher é melhor com datas. Ela sabe que sou bom para lembrar onde ficam as coisas na casa. Nós armazenamos um volume grande de dados fora de nós, dentro de outras pessoas. E aprendemos que, coletivamente, chegamos a melhores lembranças, análises e soluções.”

Clive Thompson, Folha de S.Paulo – 04/11/2013

 

“Aprender algo novo é sempre difícil, por mais que a pessoa queira ou goste. Para aprender, é preciso reconhecer a própria ignorância, e isso tem sido cada vez mais difícil no nosso mundo.”

Rosely Sayão, Folha de S.Paulo – 05/11/2013

 

“Há pouco lugar para a tristeza. E a exaltação e excitação são confundidas com felicidade. Vivemos de uma forma mais estimulante, na qual emoções mais depressivas, reflexivas, não têm espaço.”

Regina Elisabeth Lordello Coimbra, Folha de S.Paulo – 05/11/2013

 

“Quando dizem que uma criança tem TDAH, penso: será que isso está certo? É mais cômodo dar remédio do que fazer terapia, mudar o comportamento. As crianças são nosso espelho. Será que a agitação delas não é culpa nossa?”

Kátia Christina Fonseca da Silva, Folha de S.Paulo – 05/11/2013

 

“O papa está lançando a igreja a uma agitação, no bom sentido, como não se vê há séculos.”

Clóvis Rossi, Folha de S.Paulo – 05/11/2013

 

“Os cem mais ricos do mundo incrementaram suas fortunas em US$ 200 bilhões entre 2012 e 2013, chegando a um total de US$ 2,1 trilhões, de acordo com a Bloomberg. O maior aumento foi de Mark Zuckerberg (Facebook), que dobrou sua fortuna de 1º de janeiro a 30 de setembro, para US$ 24,5 bilhões.”

Folha de S.Paulo – 06/11/2013

 

“É provável que as visitas aos cemitérios se tornem cada vez mais raras. Além de um túmulo concreto, muitos já erigem monumentos virtuais para seus entes queridos, e visitar os mortos, no futuro, talvez signifique passear por um lugar virtual: rever fotos e textos, lembrar-se e deixar um pensamento (há sites para isso, cemitérios virtuais –peoplememory.com, por exemplo).”

Contardo Calligaris, Folha de S.Paulo – 07/11/2013

 

“O trabalho é a principal atividade na sociedade contemporânea. Ele nos fornece o sustento material e a possibilidade de massagear o ego. A maioria de nós precisa estar bem no trabalho para estar bem na vida. Qual o motivo de termos tanta gente decepcionada com o trabalho no mundo corporativo? O problema começa quando nos damos conta de que dentro das empresas as pessoas são meros recursos. Como recursos, estão lá para satisfazer o interesse de acionista, ou seja, a maximização do lucro.”

Rafael Alcadipani, Você S/A – novembro de 2013

45ª semana de 2011

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“De vez em quando é bom parar e refletir sobre coisas que pensamos ser triviais. Com frequência, descobrimos que o que tomamos como simples é bem mais complicado do que parece.”
Marcelo Gleiser – Folha de S.Paulo, 06/11/2011

“Aumentamos o número de crianças e adolescentes na escola, sim. Os anos de escolaridade também. Falta muito. Mas já descobrimos que sete anos de escola no Brasil não ensinam o mesmo que na Argentina ou no Chile. Não garantem que a criança aprenda a ler e a escrever direito ou a fazer contas simples de matemática.”
Ruth de Aquino – Revista Época, 07/11/2011

“Antigamente, oito anos de escolaridade bastavam. Mas, na sociedade do conhecimento, você precisa de 11 anos para ter alguma chance. Até 2006, a exigência de ensino fundamental e médio no mercado de trabalho empatava. Depois, a exigência de empresas pelo ensino médio triplicou. O país coloca 97% das crianças no ensino fundamental, mas só 50% dos que têm de 15 a 17 anos estão no ensino médio. E não têm bom desempenho. Só metade deles termina. Vai ser uma geração perdida – e o apagão de mão de obra vai piorar.”
Wanda Engel, educadora – Revista Época, 07/11/2011

“O cérebro dos pequenos se adapta às técnicas e às tecnologias disponíveis. Nada tem a ver com aumento de capacidade intelectual. Certamente o ser humano é tão esperto ou modorrento quanto o foi no ano 1000 e não tem lógica achar os alunos de hoje mais capazes. […] Alunos têm aprendido a linguagem escrita em dois mundos paralelamente. Começam a brincar com o teclado, que segue um raciocínio de QWERT (do teclado) e não de ABCDE. Aprendem a linguagem com o dedinho estendido, em vez de curvá-lo em torno de um lápis. Mas o que aconteceria se uma criança de quatro anos aprendesse a ler e escrever apenas digitalmente, para, depois, reforçar esse conhecimento com caligrafia manual? Não há estudo algum no mundo sobre isso, o que é curioso.
Há experiências de aprendizado paralelo digital-manual, mas ninguém sabe que sinapses se formariam, durante essa fase indelével dos circuitos mentais, em termos de cognição. Será que a forma de perceber o mundo seria alterada se a alfabetização inicial fosse feita apenas com estímulos digitais? É possível que esse processo desemboque em uma maneira diferente de apreender sequências. O digital estimula mais cedo e se veste de moderno, mas isso é progresso? Ou apenas atraso no lúdico?”
Ricardo Semler – Folha de S.Paulo, 07/11/2011

“Todos sabemos que a educação brasileira tem problemas sérios de qualidade e acesso. Sabemos também que têm havido melhoras importantes desde a década de 90.
A dúvida é se essas melhoras caracterizam um avanço contínuo que, em poucos anos, nos colocará no mesmo nível dos países mais desenvolvidos ou se estamos diante de um impasse. Se há um ‘teto de vidro’ que temos dificuldade em enxergar, mas que nos impede de avançar com a velocidade e a qualidade que precisamos, fazendo uso adequado dos recursos disponíveis. […] O país precisa começar a aprender, em vez de continuar tentando fazer sempre mais do mesmo de sempre, que é o que tem sido a prática dominante até agora.”
Simon Schwartzman – Folha de S.Paulo, 07/11/2011

“- O que leva alguém a vazar informações do exame fundamental para milhões de jovens? -Por que espancar o diferente faz alguém se sentir melhor ou mais aliviado?
-Por que dinheiro ou status social fazem as pessoas se sentirem inatingíveis? -Até que ponto penso no outro quando assumo riscos? -Por que tão pouca gente “paga” por seus erros? De um lado, muita gente sai por aí achando que pode fazer o que der na telha.
Bater no outro, guiar sob efeito de bebida, se considerar acima de tudo e de todos, não enxergar os riscos e olhar apenas para o próprio umbigo são alguns dos sentimentos que existem por trás de uma sociedade que anda pra lá de individualista, mas segue imatura, incapaz de pesar seus atos. […] Danem-se os outros! Eu faço o que quero e não estou nem aí para quem paga essa conta. E aí? Seguimos de braços cruzados?”
Jairo Bouer – Folha de S.Paulo, 07/11/2011

“Um fenômeno que ocorre na internet: vídeos que exibem crianças em situações diversas, feitos e postados por seus pais, se transformam em fenômenos de audiência.
Um dos últimos mostra a reação de uma garotinha quando seus pais dão a ela uma surpresa de aniversário: uma viagem à Disney. O que deveria ser um acontecimento íntimo entre pais e filha, olho no olho, com afeto e vínculo, ganhou a intermediação de uma câmera, já com o intuito de exibir ao mundo a reação da criança. Um espetáculo.”
Rosely Sayão – Folha de S.Paulo, 08/11/2011

“Uma crise psicológica significa aumento insuportável do sofrimento psíquico devido à desestruturação de nossas categorias de ação e de orientação do desejo.
O sociólogo Alain Ehrenberg havia cunhado uma articulação consistente entre a atual epidemia de depressão e um certo ‘cansaço de ser si mesmo’. Por sua vez, boa parte dos transtornos psíquicos mais comuns (como os transtornos de personalidade narcísica e de personalidade borderline) são, na verdade, as marcas da impossibilidade dos limites da personalidade individual darem conta de nossas expectativas de experiência. É possível que, longe de serem meros desvios patológicos, estes sejam alguns exemplos de uma crise em nossos modelos de conduta que crescerá cada vez mais.”
Vladimir Safatle – Folha de S.Paulo, 08/11/2011

“O mundo está dividido entre os milhões abaixo da linha da miséria, que não têm nada, e os que têm. Mas todos sonham com abundância. Falo dos que têm, mas isso inclui os que sonham em ter o mínimo e, depois, bastante. […] O vício da acumulação pode ser visto também entre pessoas de estilo e recursos mais modestos. […] Vivendo neste mundo em que os bens mais caros são o silêncio e o espaço, não é fácil arrumar lugar para tudo. E aí caímos num terrível círculo vicioso.”
Anna Veronica Mautner – Folha de S.Paulo, 08/11/2011

“A maturação das estruturas ocorre de trás para a frente, de modo que a última região a “ficar pronta” é o córtex pré-frontal, área responsável por planejar o futuro, tomar decisões complexas e controlar a impulsividade, entre outras funções essenciais para a vida em sociedade. O pré-frontal não amadurece antes da terceira década de vida, lá pelos 25 anos. Isso significa que jovens podem se parecer e até falar como adultos, mas não agem como eles. […] Será que, quanto mais aprendemos sobre o cérebro, menos espaço sobra para a responsabilidade individual? Há neurocientistas, como David Eagleman, que afirmam que avanços nessa área exigirão uma revolução no Direito.”
Hélio Schwartsman – Folha de S.Paulo, 09/11/2011

“A insensatez e o corporativismo jogaram a imagem do Judiciário no balcão da defesa de causas perdidas. Não se pode criar um critério para decidir o que engrandece ou apequena a magistratura. Pode-se, contudo, seguir a recomendação subjetiva do juiz Potter Stewart, da Corte Suprema americana, tratando de outra agenda: “Eu não sei definir pornografia, mas reconheço-a quando a vejo”
Elio Gaspari – Folha de S.Paulo, 09/11/2011

“Israel não é um país. É uma discussão calorosa de 8 milhões de primeiros-ministros.”
Amós Oz – Folha de S.Paulo, 10/11/2011

“Os dez anos mais quentes da história da Terra foram de 1998 para cá. O aumento médio da temperatura tem sido de 0,2 grau por década. No extremo norte do planeta, a elevação é maior (3 graus) por causa do derretimento de gelos polares. O nível das águas oceânicas tem aumentado 2,5 milímetros por ano (1992-2011). A concentração de CO tem deixado a água mais ácida – o que pode afetar biodiversidade, a pesca, o turismo. Outra questão séria está na redução de geleiras nas montanhas, já que um sexto da população mundial depende da água que delas escorre. E que se vai fazer, lembrando que 1,44 bilhão de pessoas ainda não contam com energia elétrica e o suprimento dependerá (principalmente na Índia e na China) da queima de petróleo e carvão? As energias renováveis ainda são apenas 13% do total, apesar do investimento de US$ 211 bilhões no ano passado.”
Washington Novaes – O Estado de S. Paulo, 11/11/2011

36ª semana de 2011

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“Empreendedor é, em síntese, quem transforma o problema numa solução. O maior desperdício de uma nação é o desperdício de talentos – e essa pode ser uma medida para comemorar ou não a independência de uma nação.”
Gilberto Dimenstein – Folha de S.Paulo, 04/09/2011

“O presidente internacional da ONG Médicos Sem Fronteiras (MSF), Unni Karunakara, pediu que as agências humanitárias parem de traçar um retrato da fome na Somália que induz ao erro e que reconheçam que é quase impossível ajudar as pessoas mais afetadas pelo problema. Segundo Karunakara, praticamente nenhuma agência está conseguindo trabalhar no interior da Somália, país em guerra, onde a situação é ‘profundamente aflitiva’. […] Tentar ter acesso às pessoas que estão no epicentro do desastre vem sendo um esforço lento e difícil. O uso de frases como ‘a fome no Chifre da África’ ou ‘a pior seca em 60 anos’, segundo o médico, ocultam os fatores ‘criados pelo homem’ que geraram a crise no país. […] ‘O povo somali vive há 20 anos em um país em guerra, sem governo, enfrentando longos períodos de carência, fome e seca’, explica Karunakara. ‘A falência desta [última] colheita foi apenas a gota d’água que o empurrou pelo abismo desta vez’. […] Iam Bray, porta-voz da ONG Oxfam, disse: ‘Uma seca é uma ocorrência natural; uma fome generalizada é causada pelo homem’.”
Tracy McVeigh – Folha de S.Paulo, 05/09/2011

“Este é, entre muitas coisas, o século da imagem. Elas circulam na velocidade do instantâneo e são parte cada vez mais dominante de nossa comunicação. Quem cria as imagens certas (com uma boa trilha sonora) encontra seu público. Mas sabedoria estética não é virtude exclusiva do bem.”
Nizan Guanaes – Folha de S.Paulo, 06/09/2011

“Há tempos, as pesquisas em inteligência artificial procuram criar um computador que tenha a complexidade de um cérebro humano. Bem, certos setores do debate nacional de ideias conseguiram o inverso: criar cérebros que parecem mimetizar as restrições de um computador. Pois eles são como hardwares que suportam apenas um pensamento binário, onde tudo é organizado a partir de “zero” e ‘um’. […] Jean-Paul Sartre costumava dizer que o verdadeiro pensamento pensa contra si mesmo. Este é, por sinal, um bom ponto de partida para se orientar em discussões: nunca levar a sério alguém incapaz de pensar contra si mesmo, incapaz de problematizar suas próprias certezas devido à redução dos argumentos opostos a reles caricatura. Afinal, se estamos no reino do pensamento binário, então só posso estar absolutamente certo e o outro, ridiculamente errado. Daí porque a única coisa a fazer é apresentar o outro sob os traços do sarcasmo e da redução irônica. Mostrar que, por trás de seus pretensos argumentos, há apenas desvio moral e sede de poder. Isso quando a desqualificação não passa pela simples tentativa de infantilizá-lo. Alguns chamam isso de “debate”. Eu não chegaria a tanto. Infelizmente, tal pensamento binário tem cadeira cativa nas discussões políticas.”
Vladimir Safatle – Folha de S.Paulo, 06/09/2011

“O Brasil está ficando velho antes de ficar rico. Os gastos previdenciários superam os de nações desenvolvidas. Se o sistema não passar por reformas, nossos filhos e netos pagarão uma gravíssima conta.”
Maílson da Nóbrega – Revista Veja – 07/09/2011

“Se não querem entender, paciência. Eu não vou mudar. Até poderia mudar – mas daí teria de deixar de fazer filmes e passar a vida me ocupando só disso, de tentar ser outra pessoa. Vou citar Marilyn Monroe: se você não aguenta o meu pior, não merece o meu melhor.”
Lars von Trier – Revista Veja – 07/09/2011

“Nilton Bonder está, para o judaísmo, como o padre Marcelo Rossi para o mundo cristão. Aos 53, é o rabino mais popular do país. Ele diz que, tanto na ciência quanto na religião, há uma dimensão que o mundo cartesiano não tem capacidade para explicar. ‘O que a ciência chama de acaso nós, no judaísmo, denominamos oculto.’ Completa: ‘Equacionar os problemas dentro do que se consegue compreender não é suficiente. Eles têm que ser resolvidos através do oculto também, da intuição, daquilo que não tem simetria’.”
Roberto Kaz – Folha de S.Paulo, 08/09/2011

“Hábitos saudáveis poderiam evitar 2,8 milhões de casos de câncer por ano, segundo dados divulgados ontem pelo WCRF (World Cancer Research Fund, fundo mundial de pesquisa sobre câncer). O número global de tumores aumentou 20% na última década. Agora, são 12 milhões de novos casos por ano.”
Folha de S.Paulo, 08/09/2011

“Numa entrevista a Vanessa Correa durante o 1º Congresso Internacional de Habitação e Urbanismo, realizado em São Paulo, o arquiteto Alexandros Washburn, diretor de desenho urbano da Prefeitura de Nova York, falou da importância de ser, ora, veja, pedestre na metrópole por excelência. ‘Caminhar é a atividade mais importante na cidade’, ele disse. ‘Tanto pelo lado cultural, como pela sustentabilidade. (…) É por isso que Nova York é uma cidade vibrante. (…) O espaço público é importante para construir confiança entre as pessoas de todas as classes e etnias. (…) Quando toma a decisão de colocar o pedestre em primeiro lugar, você adota um ponto de vista. Você vê os problemas através dos olhos de um cidadão caminhando pela rua’.”
Ruy Castro – Folha de S.Paulo, 09/09/2011

Considerações sobre a saúde

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Muitos se questionam se a razão de tantos hoje em dia se dizerem depressivos não é meramente uma questão de moda. E a facilidade com que são receitados os remédios de “tarja preta” para essa razão precisam mesmo ser reavaliados. Sem dúvida, cada vez mais sabemos menos lidar com a tristeza, com perdas, etc. A negligência da reflexão sobre nosso contexto, a meu ver, contribui para muitos mal entendidos nessa área. O crescimento dos transtornos mentais e o agravamento de alguns sintomas torna cada vez mais urgente a necessidade tratarmos desse tema com maior seriedade.
No dia 09 de maio deste ano, o periódico médico ‘Lancet’, publicou dados de uma série de estudos sobre o Brasil. O estudo mostrava que as doenças mentais são as responsáveis pela maior parte de anos com qualidade de vida perdidos no país devido a doenças crônicas. E mais, 18% a 30% dos brasileiros já apresentaram sintomas de depressão.
A jornalista Angela Pinho iniciou sua reportagem dizendo: “Com mudanças no estilo de vida dos brasileiros, os transtornos psiquiátricos passaram a ocupar lugar de destaque entre os problemas de saúde pública do país”(1). E conversou com a professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Maria Inês Schmidt, uma das autoras do estudo, que afirmou que são necessários mais estudos para saber de que forma o modo de vida nas cidades pode influenciar o aparecimento da depressão, além das causas bioquímicas”.
O articulista do jornal Folha de São Paulo, Hélio Schwartsman, comentou a notícia acrescentando: “Um bom jeito de conhecer um país é olhar para a forma como morrem seus cidadãos”.
Isso me remete ao último livro de Tony Judt(2), professor e escritor inglês, falecido no ano passado. O livro foi publicado recentemente por aqui e vale a pena sua leitura. Quero destacar, contudo, o que ele diz a respeito desse assunto de saúde, num contexto de abundâncias privadas e misérias públicas.
Alertando-nos para o fato que geralmente desprezamos os sintomas do empobrecimento coletivo que nos rodeiam, ele nos chama a atenção para as consequências da desigualdade social desmedida. Lembra-nos que em 2005, 21,2% da renda nacional americana concentrava-se nas mãos de 1% dos cidadãos. Tais desproporções imensas faz injustiças se multiplicarem. Diz também que a Grã-Bretanha atual é mais injusta – em renda, riqueza, saúde, educação e chances na vida – do que em qualquer outra época desde 1920. E salienta a questão das oportunidades de emprego que se concentram nas extremidades mais alta e mais baixa da escala salarial. Relata, então, sobre o “colapso na mobilidade intergeracional: em contraste com seus pais e avós, os jovens na Grã-Bretanha e nos EUA têm muito poucas chances de melhorar as condições em que nasceram. A desvantagem econômica para a imensa maioria se traduz em saúde debilitada, falta de oportunidades educacionais e – cada vez mais – os conhecidos sintomas da depressão: alcoolismo, obesidade, jogatina e contravenções penais”. E falando dos desempregados e subempregados completa: “com frequência passam a sofrer de estresse e ansiedade, além de doenças e morte prematura”.
Judt é explícito: “A disparidade de renda exacerba o problema. A incidência de doenças mentais, portanto, se relaciona diretamente com a renda”. E ainda complementa: “A desigualdade é corrosiva. Faz com que as sociedades apodreçam por dentro”.
Questões financeiras numa sociedade do espetáculo tem um peso enorme. Como você se apresentará e relacionará num mundo tão competitivo sentindo-se um perdedor, um fracasso em forma de gente, alguém que não pode oferecer um espetáculo aos que o rodeiam? O capitalismo selvagem favorece o adoecimento em vários aspectos. O jeito de nossa sociedade funcionar está cada vez mais adoecido.
É interessante que Jesus, em seu dito “Sermão do Monte”, antes de dizer que não é para a gente viver ansioso, cheios de preocupações quanto ao que vestir, comer ou beber, ele fala claramente: “Vocês não podem servir a Deus e ao Dinheiro”(3). Quando tentamos viver como seres cindidos, achando possível ora agradar a um, ora agradar a outro, a saúde será afetada. Quando a sociedade sugere que o importante é o aplauso, sua performance, a impressão que você causa no outro, cada vez que não se sentir capaz de conquistar não só a aprovação, mas sobretudo a admiração do outro, um buraco se abrirá, e as tentativas de preenche-lo podem ser trágicas.
Um outro professor e escritor, esse moçambicano, Mia Couto, diz que “não há cultura humana que não se fundamente em profundas trocas de alma”. Estamos acostumados com trocas monetárias, trocas sociais, mas nem sempre estamos atentos sobre as “trocas de alma”. Por vezes achamos que uma coisa não tem nada, ou ao menos, pouco a ver com outra. Não é bem assim.
Muitos que creem em Deus e sofrem com problemas como a depressão suplicam por um milagre, mas ao mesmo tempo resistem a olhar mais profundamente para sua alma e seu contexto. Gosto de lembrar o que René Padilla coloca: “o reino de Deus se faz presente no milagre que supera toda ordem, e na ordem que provê o contexto para o milagre”(4). Há uma ordem a ser questionada e um contexto a ser mudado, qual será nossa postura?

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1 Folha de São Paulo, 10/05/2011 – C12.
2 JUDT, Tony. O Mal Ronda a Terra – um tratado sobre as insatisfações do presente. Rio de Janeiro, Objetiva, 2011.
3 Mateus 6.24.
4 PADILLA, René. O que é Missão Integral? Viçosa, MG. Ultimato, 2009.

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