Muitos se questionam se a razão de tantos hoje em dia se dizerem depressivos não é meramente uma questão de moda. E a facilidade com que são receitados os remédios de “tarja preta” para essa razão precisam mesmo ser reavaliados. Sem dúvida, cada vez mais sabemos menos lidar com a tristeza, com perdas, etc. A negligência da reflexão sobre nosso contexto, a meu ver, contribui para muitos mal entendidos nessa área. O crescimento dos transtornos mentais e o agravamento de alguns sintomas torna cada vez mais urgente a necessidade tratarmos desse tema com maior seriedade.
No dia 09 de maio deste ano, o periódico médico ‘Lancet’, publicou dados de uma série de estudos sobre o Brasil. O estudo mostrava que as doenças mentais são as responsáveis pela maior parte de anos com qualidade de vida perdidos no país devido a doenças crônicas. E mais, 18% a 30% dos brasileiros já apresentaram sintomas de depressão.
A jornalista Angela Pinho iniciou sua reportagem dizendo: “Com mudanças no estilo de vida dos brasileiros, os transtornos psiquiátricos passaram a ocupar lugar de destaque entre os problemas de saúde pública do país”(1). E conversou com a professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Maria Inês Schmidt, uma das autoras do estudo, que afirmou que são necessários mais estudos para saber de que forma o modo de vida nas cidades pode influenciar o aparecimento da depressão, além das causas bioquímicas”.
O articulista do jornal Folha de São Paulo, Hélio Schwartsman, comentou a notícia acrescentando: “Um bom jeito de conhecer um país é olhar para a forma como morrem seus cidadãos”.
Isso me remete ao último livro de Tony Judt(2), professor e escritor inglês, falecido no ano passado. O livro foi publicado recentemente por aqui e vale a pena sua leitura. Quero destacar, contudo, o que ele diz a respeito desse assunto de saúde, num contexto de abundâncias privadas e misérias públicas.
Alertando-nos para o fato que geralmente desprezamos os sintomas do empobrecimento coletivo que nos rodeiam, ele nos chama a atenção para as consequências da desigualdade social desmedida. Lembra-nos que em 2005, 21,2% da renda nacional americana concentrava-se nas mãos de 1% dos cidadãos. Tais desproporções imensas faz injustiças se multiplicarem. Diz também que a Grã-Bretanha atual é mais injusta – em renda, riqueza, saúde, educação e chances na vida – do que em qualquer outra época desde 1920. E salienta a questão das oportunidades de emprego que se concentram nas extremidades mais alta e mais baixa da escala salarial. Relata, então, sobre o “colapso na mobilidade intergeracional: em contraste com seus pais e avós, os jovens na Grã-Bretanha e nos EUA têm muito poucas chances de melhorar as condições em que nasceram. A desvantagem econômica para a imensa maioria se traduz em saúde debilitada, falta de oportunidades educacionais e – cada vez mais – os conhecidos sintomas da depressão: alcoolismo, obesidade, jogatina e contravenções penais”. E falando dos desempregados e subempregados completa: “com frequência passam a sofrer de estresse e ansiedade, além de doenças e morte prematura”.
Judt é explícito: “A disparidade de renda exacerba o problema. A incidência de doenças mentais, portanto, se relaciona diretamente com a renda”. E ainda complementa: “A desigualdade é corrosiva. Faz com que as sociedades apodreçam por dentro”.
Questões financeiras numa sociedade do espetáculo tem um peso enorme. Como você se apresentará e relacionará num mundo tão competitivo sentindo-se um perdedor, um fracasso em forma de gente, alguém que não pode oferecer um espetáculo aos que o rodeiam? O capitalismo selvagem favorece o adoecimento em vários aspectos. O jeito de nossa sociedade funcionar está cada vez mais adoecido.
É interessante que Jesus, em seu dito “Sermão do Monte”, antes de dizer que não é para a gente viver ansioso, cheios de preocupações quanto ao que vestir, comer ou beber, ele fala claramente: “Vocês não podem servir a Deus e ao Dinheiro”(3). Quando tentamos viver como seres cindidos, achando possível ora agradar a um, ora agradar a outro, a saúde será afetada. Quando a sociedade sugere que o importante é o aplauso, sua performance, a impressão que você causa no outro, cada vez que não se sentir capaz de conquistar não só a aprovação, mas sobretudo a admiração do outro, um buraco se abrirá, e as tentativas de preenche-lo podem ser trágicas.
Um outro professor e escritor, esse moçambicano, Mia Couto, diz que “não há cultura humana que não se fundamente em profundas trocas de alma”. Estamos acostumados com trocas monetárias, trocas sociais, mas nem sempre estamos atentos sobre as “trocas de alma”. Por vezes achamos que uma coisa não tem nada, ou ao menos, pouco a ver com outra. Não é bem assim.
Muitos que creem em Deus e sofrem com problemas como a depressão suplicam por um milagre, mas ao mesmo tempo resistem a olhar mais profundamente para sua alma e seu contexto. Gosto de lembrar o que René Padilla coloca: “o reino de Deus se faz presente no milagre que supera toda ordem, e na ordem que provê o contexto para o milagre”(4). Há uma ordem a ser questionada e um contexto a ser mudado, qual será nossa postura?

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1 Folha de São Paulo, 10/05/2011 – C12.
2 JUDT, Tony. O Mal Ronda a Terra – um tratado sobre as insatisfações do presente. Rio de Janeiro, Objetiva, 2011.
3 Mateus 6.24.
4 PADILLA, René. O que é Missão Integral? Viçosa, MG. Ultimato, 2009.