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Viagem das férias

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Janeiro é um mês de férias, ao menos, para a maioria. No calendário escolar o ano letivo ainda não se iniciou. Portanto, é tempo de aproveitar.

Como, em nossos dias, aproveitamos bem o tempo? Que significado isso traz? O que se entende por férias? Inquietos e supostamente pensantes, não queremos mais perguntas, queremos é sossego. Pois bem, e o que faz sossegar nossa alma? Ops, escapou…

Essas férias de janeiro, em geral, as famílias, amigos pensam em viajar. Viajar pode ser uma grande aventura, pode ser divertido, pode ser tanta coisa. Parece que em nosso tempo de exibicionismos sem fim, o que vale é você mostrar para onde foi, postar fotos lindas, onde se tenta convencer o outro que você realmente está aproveitando a vida. Ali a intensidade lhe pede licença, os sorrisos ainda são tímidos perto de tudo o que está sentindo e desfrutando, e se você imprimir a boa imagem de um sujeito relaxado e de bem com a vida, se dá por satisfeito por uns instantes.

Estranho, mas aumenta a sensação de que as férias tem se tornado uma grande competição onde os que se sentem atrás, perdendo, forçam ou inventam histórias e criam montagens para também poder esnobar como vitoriosos.

Frei Betto assim coloca: “Por que a ambição de uma viagem ao exterior não se reflete também no desejo de viajar para dentro de si mesmo? Mundo desconhecido, esse que trazemos no espírito. Recolher-se ao silêncio interior é sempre um excelente ponto de partida. Para quem nunca fez essa viagem, a partida assusta, porque não nos é dado o roteiro, e a passagem exterior tenta-nos a abandonar o trem. Se controlarmos ‘a louca da casa’, a imaginação, logo o silêncio interior se faz voz. Então, somos apresentados ao nosso verdadeiro eu”. Ou, em outras palavras mais sucintas, Pascal já dizia: “A causa única da infelicidade do homem está no fato de ele não saber ficar tranquilo em seu quarto”.

Não sou contra viagens, ao contrário, tento apreciá-las melhor cada vez que embarco numa, por mais simples que possa ser. Viajar nos enriquece, ao menos, potencialmente, em termos de cultura. E você não precisa sair do país para isso, aliás, nem mesmo de seu estado, e, às vezes, nem se quer da cidade onde reside.

Viagens, sem dúvida, podem ser um excelente investimento, podem nos acrescentar conhecimentos, belezas, novas referências, e muito mais. Viagens podem ser curtas, singelas, mas valiosas. Elas podem nos marcar positivamente, nos unir, nos ajudar a sair da rotina e ter um descanso diferenciado. Entretanto, por que desprezar, ignorar, ou mesmo, fugir da viagem para dentro? Por que evitar tanto a quietude, o silêncio? É sábio esquivar-se de autoconhecimento, poupar a ampliação da consciência de quem se é? Fernando Pessoa, num de seus versos, faz uma triste constatação: “não sou para mim mais que um vizinho”.

Nem todos menosprezam, evitam ou fogem desesperadamente dos encontros mais profundos consigo mesmo, nem necessariamente, ignoram viagens para dentro de si. Alguns são estimulados através da meditação, de terapias, ou de leituras preciosas. São caminhos diferentes, recursos variados, mas, para mim, nada nos conduz melhor e mais profundamente a isso do que o evangelho de Jesus Cristo.

Discípulos peregrinos no processo aprendem a silenciar-se mais, ouvir melhor. Dedicam-se mais atenciosamente ao que acontece nele e ao seu redor. Interações com a sociedade e com o Reino de Deus. Aprofundam compreensões, sobretudo, vivências. Experimentam uma vida que passa a ser abundante, não porque lhe sobram coisas, tempo, não porque não haja faltas, mas, porque a referência é outra, vem de dentro, de quem lhe habita.

Se a leitura é um recurso importante nas viagens para dentro, a leitura da Bíblia é primordial. A leitura pode ser um instrumento bastante útil na transformação e organização da vida. A leitura bíblica pode ser regeneradora por se tratar de uma palavra-semente viva. A leitura pode ir muito além do que um lazer passivo, trazer sentidos, valores, compreensões que contribuem para novas leituras da realidade, com implicações sociais significativas. A leitura bíblica pode converter nosso coração a Deus, e consequentemente ao próximo, e isso, concomitante ao conhecimento do nosso próprio coração, em sua fragilidade e vulnerabilidades, tesouros e marcas.

Aproveitar a vida, o tempo, as viagens pode ter tudo a ver com a disposição para leitura, ainda mais, com o compromisso saboroso da leitura das Escrituras Sagradas.

Coragem e boa viagem!

A pressa é inimiga da audição

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Para ouvir bem, é preciso tempo. Para ouvir com qualidade é preciso silêncio. Mas, tempo e silêncio são dois tesouros que se tornaram relíquias em nossos dias.

O que nossa incapacidade contemporânea de silenciar diz a nosso respeito? Será que já fomos contaminados por uma certa epidemia, quase discreta, que alastra uma infecção social em nossos ouvidos? Será que eles encontram-se tão deformados que já não cumprem sua função?

Quando conversamos ou lemos (em tese, um potencial diálogo com o autor), em geral, o fazemos com pressa, e então, perdemos. Perdemos tempo porque não apreendemos, perdemos o respeito, porque não oferecemos uma escuta de qualidade. Como já disse Rubem Alves: “É preciso tempo para entender o que o outro falou. Se falo logo a seguir são duas as possibilidades. Primeira: ‘Fiquei em silêncio só por delicadeza. Na verdade, não ouvi o que você falou. Enquanto você falava eu pensava nas coisas que eu iria falar quando você terminasse sua (tola) fala. Falo como se você não tivesse falado.’ Segunda: ‘Ouvi o que você falou. Mas isso que você falou como novidade eu já pensei há muito tempo. É coisa velha para mim. Tanto que nem preciso pensar sobre o que você falou’. Em ambos os casos estou chamando o outro de tolo. O que é pior que uma bofetada. O longo silêncio quer dizer: ‘Estou ponderando cuidadosamente tudo aquilo que você falou.’”

Desconfio que nossa inabilidade em ouvir seja apenas sintoma, afinal, não nos faltam modelos de egocentrismo, onde não se dá a mínima para que o outro pode dizer e sentir e só aspira a seu próprio bem-estar. Vamos, desavergonhadamente, assumindo cada vez mais nossa fala compulsiva, viva a verborragia! E assim, o barulho aumenta. Doentes vaidosos, só queremos ouvir nossa voz, poderosa, ecoando aos quatro ventos, inclusive os virtuais. Ledo engano, ninguém mais quer ouvir ninguém. Fingidores da audição, porém, verdadeiros falastrões.

Pouco atentamos a experiência do salmista: “Acalmei e tranquilizei a minha alma. Sou como uma criança recém-amamentada por sua mãe; a minha alma é como essa criança” (Sl 131.2). Cultivar um coração tranquilo, estar interiormente como uma criança segura no aconchego da mãe, pode ter bastante a ver com diminuir o ritmo e silenciar mais. Atentar para a agitação externa que contamina e recusar aderir ao frenesi da nossa época.

O respeito ao próximo passa por aprender a ouvir, e quando esse respeito se manifesta na qualidade com que se ouve pode nascer uma amizade. Menos palavras podem ajudar a ter uma melhor relação. Ouvir mais pode contribuir para aprofundar os relacionamentos. O silêncio reverente pode aproximar mais e melhor, e trazer um pouco da calmaria tão desejada – tranquilidade para a alma, que encontra sossego e satisfação no exercício do bem ouvir, filtro importante para o espírito apressado/agitado de nosso tempo.

32ª semana de 2013

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“Apesar de lamentar terrivelmente não ter qualquer esperança no além, acredito que o ateísmo – quando amparado por boa poesia, pelo menos – é uma concepção mais elegante, mais profunda e que encerra mais respeito à vida do que a fé em Deus. Que eu exista, que você exista, que haja árvores que dão frutos e frutos que dão sementes, que esses frutos sejam doces justamente para que eu e você os comamos e espalhemos as sementes… Não é infinitamente mais belo se nada disso fizer parte de roteiro algum? Veja o universo, que coisa fantástica. Pra que serve? Pra nada: eis o grande milagre.”

Antonio Prata, Folha de S.Paulo – 04/08/2013

 

“Na propalada sociedade do conhecimento, o conhecimento se renova rapidamente. Assim, a capacidade de aprender permanentemente passou a ser condição para o exercício da cidadania e das profissões. É crucial, portanto, que o sistema educacional de um país desenvolva em todos essa capacidade.”

Marisa Eboli, O Estado de S.Paulo – 04/08/2013

 

“Mais da metade dos brasileiros de 18 a 24 anos não tem o ensino médio. Vale repetir: estamos no ano 2013, e quase 60% de nossos 22,5 milhões de jovens adultos, no auge de sua capacidade, só terminaram o ensino fundamental. Isso significa que 13,2 milhões de jovens (um número bem superior à população inteira da Bélgica) têm apenas noções básicas de português, matemática, história, geografia e ciência, além de uma imensa dificuldade para entender o mundo e se integrar ao mercado de trabalho.”

Ruth de Aquino, Época – 05/08/2013

 

“Nos Estados Unidos, o crescimento dos livros digitais começa a desacelerar. O faturamento dos e-books cresceu 41% em 2012. Nos anos anteriores, o número fora superior a 100%. Analistas preveem que a participação dos livros digitais se estabilize em 30% do mercado. Uma pesquisa revela que 97% dos compradores de e-books continuam a ler livros de papel. O apocalipse digital, antes visto como uma questão de tempo, deverá ficar apenas na imaginação a coexistir.”

Época – 05/08/2013

 

“Se o mundo é uma elegante explicação matemática ou, como acreditam oito em cada dez americanos, efeito da vontade divina, são questões que inevitavelmente rimam com outra: por que existo?”

Jim Holt, Veja – 07/08/2013

 

“Aos que se julgam com o monopólio da representação e que só deixam os gabinetes para reproduzi-la com propaganda enganosa de tempos em tempos vale o recado de Francisco para a igreja: ‘Saiam à rua a armar confusão. Abandonem a mundanidade, a comodidade e o clericalismo. Deixemos de estar encerrados em nós mesmos!’.”

Chico Alencar, Folha de S.Paulo – 09/08/2013

 

“Contra um mal que pervaga todos os estratos da sociedade precisamos de remédios potentes, ou melhor, de vacinas. Quando não há vacinas, como contra o mal da corrupção, que tem impacto direto no desenvolvimento socioeconômico dos países, o caminho da prevenção reside em simplicidade, transparência, esclarecimento e punição, além de instituições fortes em ambiente democrático, poderemos quebrar as engrenagens de funcionamento da corrupção e criar a sociedade que almejamos. O combate à corrupção deve ser um dos sustentáculos na construção dos valores que podem conduzir o Brasil ao lugar de merecido destaque no panorama mundial.”

Roberto Abdenur, O Estado de S.Paulo – 09/08/2013

 

“No egoísmo e no individualismo, que permeiam e regulam, com frequência, as relações sociais, cada um, cada grupo ou país é levado a reivindicar e afirmar seus próprios direitos, sem ter em conta a sua contribuição para o bem comum. Na atitude solidária há sempre a preocupação com o bem comum. A solidariedade é um dos princípios éticos basilares da concepção cristã de organização social, política e econômica. Não se trata de vaga compaixão, distante e descomprometida, diante dos males de outras pessoas próximas ou distantes; ao contrário, é o empenho firme e perseverante pelo bem de todos e de cada um; uma vez que todos dependem uns dos outros, todos também são responsáveis uns pelos outros. […] Negar o princípio da solidariedade levaria também a negar uma das principais forças propulsoras da civilização, para adotar novamente a lei da selva, onde os mais fortes sobrevivem e os mais fracos são abandonados à própria sorte. Os mecanismos perversos que destroem o convívio social só podem ser vencidos mediante a prática da verdadeira solidariedade.”

Dom Odilo Scherer, O Estado de S.Paulo – 10/08/2013

 

“O silêncio é o meu hábitat mental natural. Não me sinto um excêntrico. No mundo cada vez mais barulhento, cacofônico e compulsivamente loquaz em que vivemos, a preferência pelo resguardo acústico não caracteriza uma anomalia, justo o contrário, é anseio de muita gente. Nunca se falou tanto no mundo. Somos a civilização dos falastrões, da tagarelice dos celulares, da conversa fiada online, do Twitter, do Facebook. Só nos Estados Unidos registrou-se um aumento de quase 7 trilhões de palavras faladas depois da invenção da internet. ‘Nunca se falou tanto, nunca se pensou tão pouco’, observa Adauto Novaes.”

Sérgio Augusto, O Estado de S.Paulo – 10/08/2013

 

“O número de jovens levados ao pronto-socorro após usarem estimulantes como a Ritalina, droga usada no tratamento do transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, tem crescido, segundo pesquisa feita nos EUA. As visitas emergenciais a hospitais ligadas ao uso desses remédios entre jovens de 18 a 34 anos cresceu de 5.600 em 2005 para 23 mil em 2011, segundo os dados do Departamento de Saúde do governo americano. O aumento foi mais notável na faixa dos 18 aos 25 anos. Metade das pessoas que fizeram mau uso dos remédios havia obtido as drogas por meio de um amigo ou parente em vez de por indicação de um médico.”

New York Times/Folha de S.Paulo – 10/08/2013

Onde e quando vamos parar?

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Assim como na música a pausa faz parte e o silêncio contribui para e na a composição, nós também necessitamos de pausas cotidianas, de espaços meditativos, de tempo especial para o fôlego de nossa alma, de silêncio acolhedor e acolhido dentro de nós. Inclusive nosso cérebro precisa de pausas para guardar melhor as informações. Se ele fica ocupado o tempo todo, sobrecarrega-se, e impede nosso aprendizado.

Em tempos de excesso de dados digitais, informações nos chegando continuamente, a tendência é de esgotamento. Com os olhos em monitores em boa parte do dia (celular, televisão, computador, etc.), e por vezes, em mais de um quase ao mesmo tempo, dividindo nosso atenção e confundindo o armazenamento das informações, sofremos com muito estímulo e pouco tempo para assimilação.

Começa-se a estudar melhor as implicações desse contexto nas gerações mais novas. Antes especialmente as mulheres eram obrigadas a encararem a dinâmica multitarefas, agora, as crianças já estão se habituando a viverem assim. O estranho passa a ser quando se faz uma só coisa por vez. Facilmente esses podem ser rotulados de lentos, culpados por estarem perdendo muito, e, e o sentimento de inadequação cresce num contexto de aceleração e imposição de velocidades.

O processamento de muitas informações cansa, mas, o que afinal temos conseguido processar no dia-a-dia? Num mundo de novidades sempre recebemos ofertas de entretenimento e opções para “ganharmos tempo”, que muitas vezes, apenas sugam mais de nós, de nossa atenção quando deveríamos preservar e valorizar uma saudável pausa.

Um dos fundadores da empresa PlayFish, que cria jogos, diz orgulhoso que o avanço e grande descoberta é investir no desenvolvimento de jogos que preencham os micromomentos das pessoas. E o marketing passa por não “desperdiçar ou perder seu tempo”. Fuja do tédio agora é a arma de convencimento.

O que é desperdiçar e perder tempo atualmente? E da onde vem esse tédio do qual precisamos fugir espertamente?

Assim sendo, o silêncio é visto e vivido como tesouro ou como angústia?

Ao que parece, hoje em dia, o que vivemos é a falta de silêncio. Nosso contexto nos favorece a acostumarmos com os barulhos. Já nem sempre nos damos conta da poluição sonora que nos cerca, aliás, nós a promovemos muitas vezes.

No ouvido da maioria sempre tem algo, além de brincos e alargadores. Pode ser um celular ou um fone de ouvido qualquer. Além disso, é cada vez mais comum estar plugado o tempo todo. Você não está conectado? Está perdendo…

Claro que precisamos acompanhar os avanços, conhecer algumas novidades bem interessantes, saber aproveitar a tecnologia e usá-la a nosso favor. Mas, a questão é qual o limite? Sabemos nos impor limites?

Quem sente falta do silêncio? Se lembra dele? Chegou a desfrutá-lo, a conhece-lo bem?

A Yoga e outras alternativas escolas de meditação tem se proposto a auxiliar as pessoas na melhora da concentração, numa respiração mais adequada e consciente, e a aprender a silenciar-se.

Quando lemos na Bíblia os relatos a respeito de Jesus Cristo vemos o quanto ele optava pelo silêncio, valorizava a solitude e priorizava momentos a sós, em oração.

Ser um discípulo de Jesus, ao que me parece, tem a ver com aprender a viver assim. Mas, quanto há ao nosso redor para nos distrair! Leonardo Boff, diz que “A vida interior representa, atualmente, a dimensão esquecida da humanidade. Importa resgatá-la, pois nela se encontra o segredo da felicidade, da responsabilidade diante de toda a vida, do cuidado para com todas as coisas. Ela significa o sagrado em nós, que nos propicia o sentimento de dignidade, de respeito e de reverência”.

As palavras de Jesus são tão provocativas e convidativas a refletirmos mais profundamente sobre nosso estilo de vida, e mais, a atentarmos para nossa agenda oculta. Se realmente queremos compreender melhor o significado de seu ensino, necessariamente teremos que diminuir o ritmo, desacelerar e cultivar momentos a sós, aprender ou reaprender a orar, valorizarmos o silêncio.

Henri Nouwen, por sua vez, comenta que “Assim como as palavras perdem a força quando não nascem do silêncio, a abertura perde seu significado quando não existe a capacidade de se fechar. […] Muitas vezes, as ilusões são mais passíveis de serem vividas que as realidades. […] Para viver uma vida espiritual, primeiro devemos ter coragem de entrar no deserto de nosso isolamento e transformá-lo por meio de esforços sutis e persistentes em um jardim de solidão”. Que venham novos espaços! Coragem!

No Evangelho de Marcos lemos: “De madrugada, quando ainda estava escuro, Jesus levantou-se, saiu de casa e foi para um lugar deserto, onde ficou orando” (Mc 1.35).

Boas saídas para se encontrar.

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