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Vulnerabilidade crescente na aceleração

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Por esses dias fui a uma livraria perto de casa que costumo frequentar. Lá há um vendedor que, com o decorrer dos anos, desenvolvi uma boa relação. Ele me dá sugestão de livros, trocamos ideias, comentamos sobre o que vemos ao nosso redor, notícias do dia, etc. Ele é um sujeito otimista, apesar de seus 60 anos, e muito atento às impressões das pessoas, suas leituras, o comportamento humano. Assim que cheguei, ao cumprimentá-lo, ele me respondeu: “Na correria, sempre”. Isto também tinha a ver com o novo livro do Drauzio Varella: “Correr”, que eu trazia nas mãos. E aí comentou que hoje as pessoas estão sempre correndo, não importa nem a direção e até nem mesmo a razão, apenas para não se sentir deslocado, para acompanhar o fluxo, e pela facilidade da adesão. Assim, a correria tornou-se modus vivendi.

Abro o jornal e vejo o artigo do renomado filósofo, Oswaldo Giacoia Junior, falando da intensificação da agitação em escala global. Ele comenta que “nossa cadência é determinada pela velocidade operante nos circuitos informativos e comunicacionais nos quais estamos enredados. Nunca se falou e escreveu tanto… acelerando vertiginosamente a temporalidade e proliferando espaços imateriais de fala e escrita conectados em redes sociais de amplíssimo alcance. O WhatsApp, em especial, tornou-se mania, uma irresistível solicitação que nos mantém permanentemente online, fazendo desaparecer nossas horas de estudo e contemplação, alterando nossas noções de urgência e emergência”. Novos ritmos, que nos empurram a uma aceleração maior, que nos fazem ultrapassar limites de velocidade como se não houvesse multas para a alma. Sim, há prejuízos que temos ignorado. Giacoia Jr. prossegue: “Hoje a regra é dada pela ansiedade, que assume proporções exponenciais, a ponto de uma cultura não poder mais amadurecer seus frutos por excesso de rapidez no fluxo do tempo. A civilização barbarizou-se, por falta de tranquilidade. Nunca homens e mulheres ativos, isto é, intranquilos e permanentemente excitados, valeram tanto. Entretanto, no fundo da alma do homem hiperativo disfarça-se a indolência… A rapidez das operações foi transformada em imperativo categórico, que suprime o ‘tempo de pensar’. Nossa loquacidade é signo de indigência mental”.

Desacelerei por um pouco. Meu espírito foi fisgado. Reconheci que em meu caminho havia placas de sinalização que eu precisava respeitar. E isso é tarefa diária.

Nesse tempo, silencio, pauso, depois abro as Escrituras, e leio o registro de Deus falando ao seu povo através do profeta Jeremias: “Vocês se destruirão a si mesmos” (Jr 44.8). Esse alerta divino incluía a questão da idolatria que é sempre autodestrutiva. E considerando nosso contexto com seus falsos deuses e nossas idolatrias modernas, não estaríamos confusos ou ignorantes em relação ao que realmente adoramos, e até mesmo nos autodestruindo sem clareza de nossa ruína? Se temos essa capacidade não seria o caso de revermos a causa de tanta intranquilidade, as ansiedades acalentadas, a correria constante, o coração tão dividido?

A ideia não é multiplicar culpas. Mas o que mais encontro são variados sofrimentos advindos de uma culpa incessante. Ela também me atormenta. E é quase como se a correria, a interação contínua via redes sociais, o não desligar-se nunca, fosse nossa maneira de aplacarmos uma culpa que nem sabemos nomear ao certo. Lembro do Paul Tournier, respeitado psiquiatra cristão, afirmando que “acreditar-se culpado faz exatamente o mesmo efeito que ser culpado, bem como crer-se menos amado faz o mesmo efeito de ser realmente menos amado”.

Ouvir, meditar, desacelerar, contemplar, silenciar, são escolhas. Escolhas necessárias por serem tão preciosas para vermos melhor a vida, aprendermos mais a respeito de nós mesmos, tratarmos aflições ocultas e as já reveladas.

Somos responsáveis por nossas escolhas, e dentre elas, como escolhemos administrar e viver o tempo que nos é dado. E muitos sofrem, ameaçados pelo medo da exclusão, de serem deixados para trás, serem esquecidos nessa multidão sintonizada 24 horas por dia. Buscam, ora com desespero, ora com agressividade, espaços para chamarem atenção, serem notados, reconhecidos, mesmo temerosos de fracassarem. Desassossegados.

Não se lê bem, não se ouve bem, não se permite tempo de reflexão. Apenas se veem pressionados pela urgência de respostas, pela necessidade de se manifestarem, sinalizando que já sabiam, que estão acompanhando, que estão alertas. Cansados e culpados.

Somos tentados a viver, como diz, Giacoia Jr, “a incontinência do entretenimento verborrágico, sempre ocupada e curiosa”. O que escolhemos?

Caim, transtornado, ouviu de Deus: “O pecado o ameaça à porta; ele deseja conquistá-lo, mas você deve dominá-lo” (Gn 4.7). A responsabilidade pelas nossas escolhas é coisa séria. E num contexto onde as opções se multiplicam e caem em nosso colo como um grande avalanche, é preciso refletirmos cuidadosamente sobre as implicações, as motivações e as interações que escolhemos nutrir.

Claro que termos algum espaço para o entretenimento pode ser benéfico, e sem dúvida, interações nas redes sociais podem ser muito bem aproveitadas, entretanto, não é preciso aderir a tudo; dizer “nãos” e ter um tempo maior para refletir sobre as escolhas pode ser estratégico na lida com as tensões cotidianas.

Gente frenética tomando todo tipo de decisão, angustiada pelo medo de errar, cuja ansiedade faz ceder a diversos impulsos. Como diz Zygmunt Bauman: “Antes de agir, não há como ter certeza de que os erros não serão cometidos, assim como é impossível saber de antemão se, no fim do dia, teremos provado estar à altura das circunstâncias. Não há receitas para uma ação à prova de erros, totalmente confiável, ‘sucesso garantido ou seu dinheiro de volta’. (…) Viver é assumir riscos”. Mas uma postura possível, é apontada por Tournier: “Este então é o segredo: um encontro pessoal com Deus. A vida torna-se uma aventura cheia de gozo que é continuamente renovado. Tudo fala de Deus e Deus nos fala através de cada circunstância. Todas as narrativas da Bíblia e todo o ensinamento da igreja nos levam a um conhecimento mais profundo de nós mesmos. Há uma ampliação do campo da consciência”.

Atuando no mundo virtual, interagindo nas redes sociais, lendo um jornal, encontrando conhecidos e conhecendo outros, tudo, potencialmente, passa ser uma oportunidade para amadurecermos, para aprendermos de Deus. Distraídos ficamos mais vulneráveis à idolatrias. Ansiosos, mais vulneráveis à autodestrutividade. Culpados, podemos desprezar a graça de Deus. Como decidimos viver nossa vulnerabilidade em tempos acelerados?

Onde e quando vamos parar?

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Assim como na música a pausa faz parte e o silêncio contribui para e na a composição, nós também necessitamos de pausas cotidianas, de espaços meditativos, de tempo especial para o fôlego de nossa alma, de silêncio acolhedor e acolhido dentro de nós. Inclusive nosso cérebro precisa de pausas para guardar melhor as informações. Se ele fica ocupado o tempo todo, sobrecarrega-se, e impede nosso aprendizado.

Em tempos de excesso de dados digitais, informações nos chegando continuamente, a tendência é de esgotamento. Com os olhos em monitores em boa parte do dia (celular, televisão, computador, etc.), e por vezes, em mais de um quase ao mesmo tempo, dividindo nosso atenção e confundindo o armazenamento das informações, sofremos com muito estímulo e pouco tempo para assimilação.

Começa-se a estudar melhor as implicações desse contexto nas gerações mais novas. Antes especialmente as mulheres eram obrigadas a encararem a dinâmica multitarefas, agora, as crianças já estão se habituando a viverem assim. O estranho passa a ser quando se faz uma só coisa por vez. Facilmente esses podem ser rotulados de lentos, culpados por estarem perdendo muito, e, e o sentimento de inadequação cresce num contexto de aceleração e imposição de velocidades.

O processamento de muitas informações cansa, mas, o que afinal temos conseguido processar no dia-a-dia? Num mundo de novidades sempre recebemos ofertas de entretenimento e opções para “ganharmos tempo”, que muitas vezes, apenas sugam mais de nós, de nossa atenção quando deveríamos preservar e valorizar uma saudável pausa.

Um dos fundadores da empresa PlayFish, que cria jogos, diz orgulhoso que o avanço e grande descoberta é investir no desenvolvimento de jogos que preencham os micromomentos das pessoas. E o marketing passa por não “desperdiçar ou perder seu tempo”. Fuja do tédio agora é a arma de convencimento.

O que é desperdiçar e perder tempo atualmente? E da onde vem esse tédio do qual precisamos fugir espertamente?

Assim sendo, o silêncio é visto e vivido como tesouro ou como angústia?

Ao que parece, hoje em dia, o que vivemos é a falta de silêncio. Nosso contexto nos favorece a acostumarmos com os barulhos. Já nem sempre nos damos conta da poluição sonora que nos cerca, aliás, nós a promovemos muitas vezes.

No ouvido da maioria sempre tem algo, além de brincos e alargadores. Pode ser um celular ou um fone de ouvido qualquer. Além disso, é cada vez mais comum estar plugado o tempo todo. Você não está conectado? Está perdendo…

Claro que precisamos acompanhar os avanços, conhecer algumas novidades bem interessantes, saber aproveitar a tecnologia e usá-la a nosso favor. Mas, a questão é qual o limite? Sabemos nos impor limites?

Quem sente falta do silêncio? Se lembra dele? Chegou a desfrutá-lo, a conhece-lo bem?

A Yoga e outras alternativas escolas de meditação tem se proposto a auxiliar as pessoas na melhora da concentração, numa respiração mais adequada e consciente, e a aprender a silenciar-se.

Quando lemos na Bíblia os relatos a respeito de Jesus Cristo vemos o quanto ele optava pelo silêncio, valorizava a solitude e priorizava momentos a sós, em oração.

Ser um discípulo de Jesus, ao que me parece, tem a ver com aprender a viver assim. Mas, quanto há ao nosso redor para nos distrair! Leonardo Boff, diz que “A vida interior representa, atualmente, a dimensão esquecida da humanidade. Importa resgatá-la, pois nela se encontra o segredo da felicidade, da responsabilidade diante de toda a vida, do cuidado para com todas as coisas. Ela significa o sagrado em nós, que nos propicia o sentimento de dignidade, de respeito e de reverência”.

As palavras de Jesus são tão provocativas e convidativas a refletirmos mais profundamente sobre nosso estilo de vida, e mais, a atentarmos para nossa agenda oculta. Se realmente queremos compreender melhor o significado de seu ensino, necessariamente teremos que diminuir o ritmo, desacelerar e cultivar momentos a sós, aprender ou reaprender a orar, valorizarmos o silêncio.

Henri Nouwen, por sua vez, comenta que “Assim como as palavras perdem a força quando não nascem do silêncio, a abertura perde seu significado quando não existe a capacidade de se fechar. […] Muitas vezes, as ilusões são mais passíveis de serem vividas que as realidades. […] Para viver uma vida espiritual, primeiro devemos ter coragem de entrar no deserto de nosso isolamento e transformá-lo por meio de esforços sutis e persistentes em um jardim de solidão”. Que venham novos espaços! Coragem!

No Evangelho de Marcos lemos: “De madrugada, quando ainda estava escuro, Jesus levantou-se, saiu de casa e foi para um lugar deserto, onde ficou orando” (Mc 1.35).

Boas saídas para se encontrar.

21 de setembro de 2010

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“O poder sempre esteve baseado no controle e, às vezes, na manipulação da informação. O grau de autonomia das pessoas para se comunicar, informar e organizar suas próprias redes de sociabilidade é muito mais potente com a internet. Ela é a construção da autonomia da sociedade civil. Os governos sempre tiveram horror a isso. […]

A única maneira de controlar a internet é desconectá-la totalmente. E isso hoje em dia é um preço que nenhum país pode pagar porque, além de livre expressão, a rede é educação, economia, negócios… é a eletricidade de nossa sociedade. […]

Os poderosos vigiavam os demais porque tinham os meios e a capacidade de fazê-lo. Mas agora as pessoas também podem vigiar os poderosos. Qualquer jovem com um celular, se vê uma personalidade política fazendo algo inconveniente, pode imediatamente difundir a cena. Hoje os poderosos têm que se esconder, sua vida é mais transparente, mas não há um controle, apenas vigilância. […]

O Brasil segue uma dinâmica assistencialista em que da política se esperam subsídios e favores, mais do que políticas. […] A renovação do sistema político exige que as pessoas queiram uma mudança, e isso normalmente ocorre quando existem crises. A internet serve para amplificar e articular movimentos autônomos da sociedade. Ora, se essa sociedade não quer mudar, a internet servirá para que não mude.”

Manuel Castells, 68 anos, sociólogo espanhol, Folha de S.Paulo – 21/09/2010

“A maioria dos usuários de internet da classe C pesquisados pela consultoria TNS Research utiliza a web diariamente e fica até quatro horas conectado. Segundo o levantamento que foi realizado com 500 pessoas – sendo metade da classe C – 71% dos entrevistados utilizam a internet diariamente, percentual equivalente ao das classes A e B (74%). A maioria dos internautas (65%) fica conectada de uma a quatro horas por dia, enquanto 21% navegam por mais de seus horas. Na divisão por idade, a maioria (68%) dos usuários tem entre 18 a 24 anos. Mais da metade (52%) é mulher, perfil semlehante ao das classes A e B.”

Camila Fusco, Folha de S.Paulo – 21/09/2010

 

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