Por Lucas Rolim

Há algum tempo assisti ao filme “Quase Deuses”. Depois de vê-lo, é difícil não sentir a necessidade de repensar minhas atividades e sonhos, afinal preciso marcar o mundo de uma maneira mais significativa e minhas ações devem ter isso como alvo, certo? Tolice pensar assim. Não pelo desejo de transformar o mundo, mas por estar motivado por um sentimento incorreto e que, com certeza, não era o presente na história do filme.

O personagem principal, Vivien Thomas, era um negro norte-americano que herdou o ofício do pai marceneiro com exímia habilidade. Contudo, sonhava ser médico. Isso dentro de uma realidade ainda repressiva e de discriminação, em que uma pessoa “de cor” tinha de usar banheiros próprios para sua raça, além de sentar em lugares específicos nos ônibus e dar passagem para os brancos que atravessassem seu caminho — repugnante! Em certo momento da vida, Vivien viu a oportunidade de trabalhar como faxineiro em um excelente laboratório de pesquisa, coordenado por um médico da Universidade Johns Hopkins, o doutor Alfred Blalock. Era o lugar ideal para se envolver com a área médica, e o fato de ser faxineiro não impediu Vivien disso. Seu interesse pela medicina, seu “autodidatismo”, sua incrível capacidade de manejar instrumentos cirúrgicos e o cuidadoso método de registrar todas as descobertas realizadas foram percebidos rapidamente pelo doutor Blalock, e juntos fizeram descobertas significativas para a medicina moderna. Vivien era apaixonado pelo que fazia.

Paixão pelo que se faz. Essa é a lição principal do filme. Depois de nos darmos conta da importância desse elemento, percebemos como muitas das nossas ambições, apesar de legítimas, estão pautadas mais no resultado que podem trazer do que no prazer de realizar o ofício que precede o resultado. É como se o desejo por realizar algo surgisse só depois de vislumbrar a revolução que gostaríamos de provocar no mundo. Sentimento puramente orgulhoso e, por isso, totalmente ignóbil. Ao amar o prestígio mais do que meu ofício, não vivo o presente e perco a oportunidade de experimentar lições valiosas — como a de não andar ansioso com coisa alguma; ou a de que a graça de Deus nos basta; ou a de que são os propósitos do Senhor que prevalecerão em nossa vida. Corro o risco de não ser fiel no pouco ao desejar o muito e acabo não possuindo nenhum dos dois. Amar o que eu faço e desfrutar das minhas atividades no presente agracia meu ofício com um sentido mais profundo — “isto é bom e estou satisfeito” –, e me faz desenvolvê-las melhor e, quem sabe, causar um efeito transformador. Descubro minha vocação na caminhada ao realizar o que me cabe no tempo presente com amor. É uma postura mais humilde, desprovida de desejo pelo reconhecimento. Faço porque amo, e meu amor pode transformar o mundo.

O desafio que fica, portanto, é tentar viver uma vida mais apaixonada pelas coisas que fazemos e pelas pessoas que amamos. Se isso não revolucionar o mundo, pelo menos viveremos com um sentido bem mais profundo do que o desejo pelo prestígio.

Publicado originalmente na edição 345 da revista Ultimato.
  • Lucas Rolim Menezes, casado com Marília Braz de Carvalho, pai do Dani e do Simeão, obreiro de adolescentes e designer gráfico. Soli Deo Gloria!

Saiba mais:

» Vamos mudar?
» O meu lugar no mundo é um ‘não lugar’

Leave a Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *