Dia desses, conversando com o seu Antônio, ele me contou alguns episódios em que profissionais sem ética construíram casas, ignorando a baixa qualidade do terreno. Eles fizeram um alicerce mais superficial do que o contexto exigia para garantir que a casa ficasse em pé. “As pessoas ficam empolgadas com a beleza da casa por fora, mas não se preocupam com os problemas que não veem”, contou ele.

Seu Antônio é uma pessoa simples, mas sabe do que está falando – afinal, ele é um pedreiro experiente e que, nos altos de seus 61 anos, me ensinou em uma manhã de domingo sobre a profundidade da vida.

Vivemos num mundo superficial, movido pela aparência e pela estética vazia. A beleza foi reduzida à indústria da moda e à ilusão de um corpo imortal. O risco disso tudo é viver uma vida que não existe. Uma vida que não se sustenta no chão real da existência. Por fora, bela; por dentro, frágil. Em dias de tempestade, não passa de esqueletos de casas, que acaba caindo com a força do vento e das águas (Mt 7.24-27; Lc 6.46-49).

Mas o que sustenta uma vida, então?

A incrível capacidade humana de criar, construir e inovar move o mundo por séculos, mas não é suficiente para dar sentido eterno à humanidade. Esse sentido tem a ver com acreditar em alguém maior do que nós ao ponto de a ele confiar nossas escolhas para toda a vida. Essa fé, no entanto, não se limita a ter um sentimento positivo sobre uma divindade. Fundamentalmente, diz respeito a mergulhar no universo desse Deus e assim conhecer seu caráter e suas virtudes. Ao fazer isso, começamos a também impregnar esse caráter e essas virtudes em nós. É um movimento que começa com esse mergulho pessoal e vai desabrochar nas relações com os outros (porque, afinal, essas virtudes são essencialmente relacionais).

A fé, no entanto, não é uma palavra que se sustenta sozinha. Ela é uma expressão de algo bem maior e mais incrível: o amor. Crer é abrir-se para o amor daquele que já demostrou que sua essência é amar. Portanto, o fluxo se completa: Deus é amor > ele nos ama > nós o amamos > ele nos ensina a amar os outros.

Estou refletindo na conversa com o seu Antônio há três dias, e hoje pela manhã, ao ler o devocionário* de Eugene Peterson, me deparei com o seguinte texto:

“A obediência é enraizada no amor, não no medo; ela é estimulada pelo afeto, não pela força. O cumprimento dos mandamentos, para os cristãos, não é a observância insípida de leis, mas a prática entusiasmada do amor: cada mandamento é um canal para expressar e compartilhar a bondade de Deus”.

Eugene tem razão, e ao ler o texto do dia do app YouVersion, eis que surgiu este versículo:

“Acima de tudo, amem sinceramente uns aos outros, pois o amor perdoa muitos pecados.” (1Pedro 4:8 NTLH)

Me lembrei então do texto mais fundamental de todos, em que o próprio Jesus ensinou o mandamento mais importante:

“— Mestre, qual é o mais importante de todos os mandamentos da Lei? Jesus respondeu: — “Ame o Senhor, seu Deus, com todo o coração, com toda a alma e com toda a mente.” Este é o maior mandamento e o mais importante. E o segundo mais importante é parecido com o primeiro: “Ame os outros como você ama a você mesmo.”” (Mateus 22:36-39 NTLH)

Falar de amor é sempre perigoso em um mundo em que essa palavra já foi muito violentada em seu significado. Nunca é fácil explicá-la. Mas gostei do que o Compromisso da Cidade de Cabo** trouxe sobre o assunto, relacionando amor com aliança:

“O amor é a linguagem da aliança, e as alianças são uma expressão do amor redentor de Deus […] Como Deus é amor, o amor permeia todo o seu ser e todas as suas ações.”

“Quando afirmamos em termos de amor, estamos assumindo o mais ‘básico’ e o mais ‘difícil’ de todos os desafios bíblicos”.

É isso! O amor é o mais “básico” e o mais “difícil” de todos os desafios bíblicos, principalmente porque nosso coração é egoísta e deseja manipular todos os sentimentos ao nosso favor, inclusive, o amor. Aceitar esse desafio é caminhar entre cacos de vidro. Ao mesmo tempo, não há outro caminho para a verdadeira espiritualidade e a verdadeira humanidade redimida. Caso contrário, teremos lindas casas coloridas por fora -, mas calabouços sujos e sem luz por dentro.

 

Nota:
* PETERSON, Eugene. Um Ano Com Jesus. Ultimato.

** O Compromisso da Cidade do Cabo: uma declaração de fé e um chamado para agir. Movimento Lausanne. Editora Ultimato, 2011.

 

Imagem: PublicDoMainPictures

 

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