“A realidade, porém, encontra-se em Cristo” (Colossenses 2.17)

 

Numa noite de domingo, N. T. Wright me convidou* a ler Colossenses 2. Meu coração estava inquieto em busca de respostas para o momento social que vivemos. O assunto dele era outro, mas ao ler o texto bíblico, me surpreendi com o versículo 17. Como um sanduíche, ele estava lá, bem colocado no meio de dois outros onde, de um lado, Paulo exorta sobre o julgamento enganoso baseado nas práticas religiosas (2.16), e, por outro, expõe as intenções reais por trás da capa da religião superficial e falsa (2.18).

Me pus a pensar então sobre tudo isso.

Me lembrei de como é fácil viver de projeções, ou, para usar a expressão do autor de Colossenses, das “sombras do que haveria de vir”. Isso também me faz lembrar do Mito da Caverna, de Platão. As sombras parecem conter todo o real, mas não podem. A realidade é mais profunda.

Diante disso, me pergunto: minha fé é sombra do reducionismo ou um anúncio da realidade plena?

Paulo é categórico: “a realidade encontra-se em Cristo”. Não se trata apenas de uma bela frase de efeito para adesivos de carros. É uma verdade profunda e revolucionária que afeta TUDO.

É uma frase que me toca profundamente ao ponto de questionar o tamanho da vida que eu levo. Seria eu um medíocre que reduz a presença de Deus a um mero simbolismo utilitário? Seria eu um covarde que transforma Cristo em uma rota de fuga que possa me levar a um lugar protegido, mas isolado de tudo e de todos?

As Escrituras me desafiam a viver a vida em plenitude, porque é exatamente essa vida que Cristo me promete e pela qual sacrificou a sua própria (João 10.10). Seria um contrassenso crer em um Deus que se importa com você, mas que se conforma com suas escolhas medíocres e tolas!

Jesus Cristo veio ao mundo para nos oferecer mais do que migalhas (mesmo que, por nossa miséria moral, nos contentemos, por hora, com as migalhas que caem de sua mesa). Talvez precisemos delas para começar a ver algo muito maior e mais surpreendente do que nossa fome imediata está preparada para ver.

Quando nos deparamos com situações complexas, corremos o risco de criar narrativas fantasiosas que aliviam nossa tensão e nos trazem um (falso) sentimento de proteção. Mas se não colocamos nossa trilha exatamente diante da pessoa e da obra de Cristo, ela não passa de um atalho para um destino bem distante do que deveria ser.

Somos convidados, pela bondade e graça, a caminhar por um caminho desconhecido, mas impressionante. Um caminho de fé, de amor, de esperança… que nos transforma em pessoas maiores do que nosso pecado promete nos tornar (Gn 3). Para isso, temos a garantia do selo do Espírito Santo, que nos guia a toda verdade (João 16.13).

A realidade política roubou nossa paz em Cristo. Vivemos dias tensos e apreensivos sobre o que nos acontecerá em 2023. Nossos sentimentos foram sequestrados por promessas e ameaças, e já não sabemos esperar em Deus a respeito de nosso futuro. A igreja deixou de ser um testemunho dessa verdade profunda, e passou – ela mesma – a produzir ansiedades e medos.

Mas Deus nos chama para viver a realidade em Cristo. É a partir dela que todas as dores serão consoladas, todos os medos serão lançados fora, todas as confusões serão esclarecidas e todas as ansiedades serão abrandadas. Em Cristo, já não sou eu (com minha bagunça emocional e espiritual) que vive, mas Cristo vive em mim (Gl 2.20). E isso é suficiente. Isso basta.

 

* WRIGHT, N.T., Surpreendido pelas Escrituras. Ultimato, página 173.

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