Robson Leandro da Silva / Estadão

Robson Leandro da Silva / Estadão

 

Desembarquei do ônibus após 12 horas de viagem. Os olhos ainda sonolentos só denunciavam a noite mal dormida. O dia seria cheio na grande cidade brasileira: São Paulo.

Meu caso com São Paulo é meio estranho. Por um lado, perdi a conta de quantas vezes a visitei. Por outro, nunca fui nada além disso, um visitante. Outrora gostava de criticá-la, a partir do olhar desdenhoso de quem aprecia mesmo é a vida mais simples do interior. No entanto, nos últimos anos, tenho tentado ser mais realista e “justo” com São Paulo. Ela não é a antagonista, mas somente o lugar onde os seres humanos fazem suas escolhas. Algumas destas são bem ruins, outras são por pura necessidade de sobrevivência; mas há outras que são expressões de resistência, de persistência.

Fui para a fila do metrô. Exatamente naquele dia ela era enorme. Atrás de mim, um jovem com uma mochila grande. Nos cumprimentamos. Aí ele me perguntou – em inglês – se eu falava inglês. Pouco, eu disse. Mesmo assim continuamos a conversa. Descobri que ele é de Israel e que estava de férias no Brasil. A conversa foi agradável, mesmo que tenha sido em um nível de diálogo tão básico.

Chegou minha vez de comprar os tickets do metrô, o que fiz rapidamente. Subi para a estação. A luz no fim do túnel apareceu e com ela o metropolitano. Entrei e, como sempre, não consegui poltrona vaga. Tudo bem, eu pensei. Já estou acostumado. Meu passatempo nos metrôs não é ler, nem ouvir música. É olhar para as pessoas. Disfarçadamente, eu olho e faço o exercício de diferenciar os olhares. Me intriga aquela sensação de “dupla dimensão”: enquanto está ali, também não está. Assim percebo cada pessoa. Há um não-lugar evidente. Distraídas ou preocupadas, as pessoas preferem abandonar o aqui e agora para então permanecer nas imagens e sensações criadas pelas ferramentas do não-lugar: do simbólico que a música traz, da fantasia que a lembrança reforça, do diálogo virtual que as redes sociais reforçam.

E o que somos neste não-lugar? Somos os mesmos, mas em partes? Somos outra pessoa, aquela que sonhamos ser, mas que ainda não somos?

A voz feminina do metrô avisa que minha estação está próxima. Curioso. Parece que apenas uma voz não-pessoa é responsável por tirarmos do não-lugar e trazer-nos de volta para o lugar. Ou não. Ou as pessoas ouvem mecanicamente a voz, entendem a mensagem e continuam seus sonhos, fantasias e pensamentos, dedicando apenas o necessário para cumprir o compromisso de sair na hora certa.

Estou em São Paulo. E São Paulo sempre atiça meus sentidos. Aqui não estou perdido, mesmo que não conheça quase nada da cidade. Aqui me vejo vendo o ser humano. Me vejo vendo a mim mesmo. E vejo muito mais do que minha rotina diária me permite ver.

E eu que gosto de crônicas, aproveito para transformar meu olhar em sentenças, frases e palavras na expectativa de que se torne talvez uma história.

 

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