Sexta-feira. Clima frio. O som do baião de Luis Gonzaga retransmitido por um radinho da vendedora toma conta do ambiente. Sento-me na cadeira de plástico branca. Coloco minhas mochilas no chão e aguardo minha esposa Kelen voltar. Estamos em uma feira popular de roupas de inverno em Belo Horizonte (MG). Acabei de beber um suco de laranja com acerola (artificial), e agora com as mãos vazias, vem a vontade escrever.

Estou num pequeno corredor improvisado ao lado da feira, reservado para barracas de lanche cobertas com lonas brancas. Caldos, salgados, bebidas, churrasquinhos, canjica, achocolatados…

Em uma mesa em frente da minha vejo duas senhoras sorvendo lentamente seus caldos em tigelinhas descartáveis. Parecem descansando.

Por três vezes vejo passar uma senhora com ferramentas e material de limpeza. Está trabalhando. Não é notada por ninguém, mas na minha observação despretensiosa, me pergunto: “qual deve ser a história desta mulher? Está em tempos de escassez e preocupada com a família? Sente-se digna do trabalho, mesmo ganhando pouco? É apenas um bico no fim de semana? Seria uma solteirona frustrada com a vida que não lhe deu muitas oportunidades?”. Minha mente divaga, mas não tenho resposta. Sinto compaixão. Ela continua andando de lá para cá por toda a feira, retirando o lixo que deixamos para trás.

Olho novamente para a mesa da dupla de senhoras e as vejo brindando com dois copos descartáveis de cerveja da marca Heineken. O que elas estariam celebrando? Seria apenas o prazer da companhia uma da outra? Alguma data especial? Ou não há motivo algum. Tão somente o costume de registrar a oportunidade de beber amigavelmente e sem pressa?

À esquerda, uma moça desmontando cabides. Exatamente na minha frente, um homem – possivelmente o dono de uma das barracas de comida – puxando assunto com as duas senhoras, enquanto também bebe um copo de cerveja.

O barulho no nosso “corredor de alimentação” aumenta. O som de Luis Gonzaga continua, mas também já posso ouvir mais vozes dos vendedores e clientes. Pedidos, perguntas, respostas.

Uma jovem senhora, bem vestida e aparentemente abastada, acaba de comprar um caldo de feijão.

Lá no fundo, já fora do corredor, um homem carrega um carrinho com três grandes sacos escuros – provavelmente roupas prestes a serem vendidas ou somente expostas nas prateleiras por serem reféns dos olhares indecisos de compradores como minha esposa.

Para todos os lados, vejo bocas mastigando. Fome e prazer.

“Se eu provei? Não provei foi nada!”, grita um homem.

“Depois você vem aqui provar o meu caldo”, diz uma cozinheira.

São 19h17. Ainda aguardo Kelen, que acabou de aparecer apenas para avisar que não conseguiu escolher o casaco que deseja. Ela volta para a feira e eu continuo sentado na cadeira de plástico.

Sabe aquelas duas senhoras da mesa em frente? Agora elas estão, cada uma, com um espetinho de churrasco na mão. O chope está pela metade, e enquanto se esforçam para comer os pedaços de carne fincados nos espetos, me dão a impressão de que curtem o programa de sexta-feira à noite na feira de roupas de inverno. Conversam com satisfação, e suas sacolas de compras ocupam mais duas cadeiras.

Aqui a vida corre por todos os lados, num prisma interessante de histórias e personagens do cotidiano. Pequenos dramas, pequenos prazeres, desesperanças, esperas. E eu apenas sentado, mas curioso, me sinto privilegiado por observar tudo isso e poder registrar algo do sentido ordinário da existência em meu caderninho de 102×152 mm.

PS.: Ah! Antes de terminar esta crônica, é necessário um último registro: as duas senhoras pediram mais dois chopes.

  1. Oi Lissânder!
    Li este artigo e me senti sentadinha nessa cadeira de plástico branca heeeeeeeeee……. viajo em suas histórias. Fico impresionada com seu olhar clínico e sua sabedoria!!
    Parabénsssssssssssssssssssss!!!!!

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