Ato 5: Morte e lamento (26 de março a 01 de abril)

Disciplina espiritual: Solitude

 

Antes da alegria da libertação, o vazio da morte. A primeira Páscoa – aquela refeição singela em meio aos preparativos apressados para uma longa viagem – foi antecedida pelo juízo divino na morte dos primogênitos do Egito e de cordeirinhos sem defeitos em cada casa dos hebreus. Antes da celebração pela ressurreição de Cristo em um domingo brilhante, a profunda tristeza ao vê-lo lá, sem vida, pendurado em um vil madeiro sob nuvens escuras ao meio-dia.

Páscoa é o memorial de que a vida não anda sozinha; ela tem uma incômoda companheira, a morte. A morte não é amiga, mas nos segue enquanto lidamos com cada fase da nossa existência. Vida e morte – juntas, mas não eternamente.

A obra de Cristo na cruz, antecipada simbolicamente muitos anos antes pelo “sacrifício” do cordeirinho na saída dos hebreus do Egito, é o brado genuíno de que precisamos enfrentar a realidade da morte (pela qual o próprio Deus fez questão de se submeter).

A morte escancara nossas limitações e nos mostra que é desse ser frágil (nós) que Deus cria coisas novas que vão perdurar por toda a eternidade.

Fingir que a morte não existe é covardia. Alienar-se da finitude é subestimar o trabalho de Deus em nos ensinar que a eternidade é fruto de todo amor que Ele tem pela humanidade. A partir desse amor, vivemos debaixo da graça infinita que nos liberta de todo tipo de opressão que o reino da Morte intenta nos impor. A Páscoa é o grande anúncio de que a vida vale a pena, mas que o caminho nu e cru passa pelo “vale da sombra da morte”.

Na morte, somos solitários. Ela nos envolve de tal forma que não conseguimos mais conversar com ninguém – a não ser com o próprio Deus. Assim expressou Jesus: “Deus meu, por que me desamparaste?”. Desesperado ou não, ele sentiu-se só pela primeira vez, e gritou ao Pai em busca de uma resposta.

A disciplina espiritual da solitude pode ser essa oportunidade – mesmo que nem sempre em circunstâncias positivas – de olhar para nossa própria realidade e falar com um Deus que, por vezes, parece distante. A solitude nos aproxima de Deus, enquanto nos releva quem realmente somos.

Solitude é escolher estar sozinho

“Na solitude, nos abstemos deliberadamente da interação com outras pessoas, negando a nós mesmos o companheirismo e tudo o que procede de nossa relação consciente com outros. Nós nos fechamos; vamos para o mar, para o deserto, para os lugares ermos, ou para o anonimato das multidões urbanas. Não se trata apenas de descanso ou refrigério na natureza, embora isso também contribua para o bem-estar espiritual. Solitude é escolher estar sozinho e experimentar o isolamento voluntário de outros seres humanos.

A solitude na verdade nos liberta. Isso explica sua primazia e prioridade entre as disciplinas. O curso normal das interações humanas no dia a dia nos prende a padrões de sentimentos, pensamentos e ações gerados num mundo que vive contra Deus. A solitude permite uma libertação dos comportamentos arraigados que impedem nossa integração na ordem divina.

Só podemos sobreviver na solitude se nos encontrarmos com Cristo lá. O que descobrimos de Jesus na solitude nos capacita a retornar à sociedade como pessoas libertas.”¹

Exemplos bíblicos:

  • Deus falou com Moisés em um lugar solitário (Êxodo 3.1-5)
  • Em uma caverna, sozinho, Elias discerniu a presença do Senhor (1 Reis 19.8-15)
  • O deserto era o cenário ministerial de João Batista (Mateus 3.1-3)
  • Jesus costumava se afastar para orar (Lucas 5.16)

 

PARA PRATICAR:

  1. Como você lida consigo mesmo quando está sozinho? Faça um “inventário” dos últimos meses de sua vida em solitude.
  2. Identifique quais os “gatilhos” que atrapalham sua prática da solitude (redes sociais? demandas não executadas povoando sua mente? ansiedade?). Prepare-se para livrar-se delas no momento planejado de solitude.
  3. Reserve 1 hora nesta semana para praticar essa disciplina. Escolha bem o lugar. Inicie com a prática do silêncio, na tentativa de aliviar a mente das preocupações e ansiedades. Depois, leia um texto bíblico de sua preferência e medite nele por um tempo. Leia novamente o texto e então dedique uns minutos para oração. Após a oração, escreva em um caderno ou no smartphone um compromisso pessoal diante de Deus. Termine com um tempo de adoração e agradecimento ao Pai pele forma como Ele falou com você.
  4. Compartilhe depois com um amigo(a) como foi sua experiência sozinho.

 

PARA PENSAR:

“A solitude é uma prova terrível, pois ela serve para escancarar o casulo de nossas seguranças superficiais. Ela abre o abismo desconhecido que todos carregamos dentro de nós… revela o fato de que esses abismos são mal-assombrados”.
(Louis Bouyer)

 

Nota:

  1. WILLARD, Dallas. O Espírito das Disciplinas: entendendo como Deus transforma vidas. Editorial Habacuc, p 183-184.

 


Leia também

A Páscoa e os Atos de Jesus: um roteiro prático para o aprofundamento espiritual até a Páscoa

ATO 1: Nascimento e Encarnação

ATO 2: Crescimento e Movimento

ATO 3: Missão e Escolhas

ATO 4: Comunidade e Amizade

ATO 5: Morte e Lamento

ATO 6: Ressurreição e Esperança

 

Foto: pixbay

  1. Antonia Leonora van der Meer

    São bons textos que nos levam a buscar uma maior intimidade com Deus, e um maior reconhecimento de nossos limites, mas também nos encorajam. E nos revelam a imensa grandeza da graça de Deus revelado em seu Filho Jesus. Obrigada Lissander

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