Esta foi a última foto que bati do pr. Elben.

Esta foi a última foto que bati do pr. Elben

Era fim de tarde. O escritório recém-inaugurado do pr. Elben estava iluminado pela luz natural do sol quase poente – o que, de fato, combinava com o meu momento pessoal. Fim de um tempo, início de uma nova fase. Eu estava saindo de Viçosa após 15 anos. Não estava sendo fácil lidar com isso.

A conversa era para ter ocorrido três semanas antes, mas não foi possível. Deixamos então para nos encontrar na terça-feira, dia 06, véspera do feriado de 7 de setembro.

O pr. Elben me recebeu com aquele sorriso pastoral, acolhedor, meio criança. Qualquer que fosse o assunto, qualquer que fosse a pessoa, aquele era o seu jeito de receber, de se expressar no primeiro momento de qualquer conversa.

Nosso papo durou cerca de meia hora. Poderia ter durado mais, porém eu estava preocupado com o horário do meu ônibus. Era uma conversa de despedida. Trabalhei por 5 anos na Editora Ultimato, mas já convivia com o pr. Elben há 15 anos.

Nos cumprimentamos, como bons amigos que éramos. Ele me perguntou sobre a família (ele chamava meu filhinho de “brucutu”), sobre o trabalho da mudança, sobre a data que eu iria embora… Falou também sobre a falta que eu faria, mas me encorajou a ver esta nova oportunidade como uma chance dada por Deus. “Não tenho dúvidas de que Deus vai usá-lo lá”, me lembro bem destas palavras que disse.

Depois ele me mostrou um artigo que tinha escrito para a próxima edição da revista Ultimato e me pediu para pesquisar algumas informações e entregá-las a ele no dia seguinte. Nos lembramos que já haviam se passado 15 anos do atentado às torres gêmeas. Então ele se perguntou, em voz alta, com um tom de pessimismo, qual seria o futuro desta geração. Eu respondi que também compartilhava o mesmo sentimento de tristeza pelo que estava acontecendo: guerras, confusão, falta de unidade, etc.

Depois, a conversa voltou sua direção novamente para as coisas boas que poderiam acontecer nesta nova fase da minha vida. No final, nos levantamos, ele me mostrou alguns livros e nos juntamos à tia Deja (esposa) e Júnia (filha). Eles oraram por mim e por minha família.

Esta foi minha última conversa com o pr. Elben César, diretor e fundador da revista Ultimato. Na manhã do dia seguinte, ele sofreu uma queda: estava se lavando no banheiro de sua casa e caiu. Bateu fortemente a cabeça. Levantou-se. Parecia normal, não fosse uma perda de memória do que tinha acabado de acontecer. Após o almoço, sentiu forte dor de cabeça e então a família providenciou sua internação. Após exames, constatou-se a gravidade do problema: uma hemorragia extensa no cérebro. O pr. Elben ficou inconsciente. Depois disso, nunca mais acordou. Ainda lutou bravamente por um mês, e mesmo que suas funções vitais estivessem boas, seu cérebro estava muito danificado.

Na madrugada desta quinta-feira, dia 06 de outubro, aos 86 anos, ele “foi promovido à glória”, como disseram tia Deja e as filhas.

Meu coração está abatido. Perdi um amigo e não estou em Viçosa para poder me despedir dele e para abraçar e chorar junto com a família. Mas, ao mesmo tempo, estou grato a Deus pela oportunidade de ter sido pastoreado pelo pr. Elben especialmente naquele dia. Mais ainda, me alegro por ter convivido com ele nestes últimos 15 anos. Foi um privilégio. Foi uma honra.

Me lembro da primeira vez que o vi em fevereiro de 2001. Eu tinha acabado de chegar no CEM (Centro Evangélico de Missões), em Viçosa, para estudar o curso de 2 anos na área de missões. Eu ainda não o tinha visto pessoalmente, e não conhecia seu rosto. Vi um senhor de bermuda e não imaginei que fosse o famoso Elben César. Mas era sim. Ele era assim. Simples, alegre e apaixonado por Jesus.

Nunca conheci alguém tão marcante. Não porque fosse perfeito ou porque tinha respostas para tudo, mas porque era íntegro. Foi o homem mais íntegro que já conheci.

Ele foi muito bem sucedido na jornada para a qual foi chamado. Mesmo sem recursos, o pr. Elben criou a revista evangélica sem cor denominacional mais longeva do Brasil. Mesmo ainda jovem, desbravou com o Evangelho uma região muito avessa a protestantes e fundou uma igreja equilibrada, bíblica, mas que não é refém de barreiras denominacionais. Mesmo sem nenhum modelo já estabelecido no Brasil, ajudou a fundar uma escola de missões que integra chamado e profissão para que o nome de Cristo seja conhecido.

Todo mundo que conheceu o pr. Elben sabe sobre o que ele gostava de falar. Então vou tentar resumir:

– Pecaminosidade latente. Ele era franco o suficiente para ressaltar que todos nós somos “vira-latas”, que somos fracassados espiritualmente, que precisamos admitir que somos pecadores, e que pecado nos persegue constantemente.

– Cristo é o centro. Todo o sentido do esforço da revista Ultimato é “exercer uma influência cristocêntrica” em todos, sejam cristãos (evangélicos ou católicos) sejam não cristãos. Quer sabe o que mais empolgava o pr. Elben em um livro? Era quando o autor falava de Cristo. Cristo era o padrão, o centro, a base, o fundamento. Quem conheceu o Elben sabe que isso não era apenas discurso religioso. Era o sentido da vida dele.

– Ler a Bíblia com proveito. Era a fonte de toda reflexão do pr. Elben. Todos os seus sermãos, livros e palestras tinham nela a base. Mas não era um base para moralizar os outros, para jogar pedras ou para exaltar-se. Era sua referência para proclamar as Boas Novas, para amar o próximo, para unir-se em oração, para liderar. Ele gostava de citar versões diferentes do mesmo versículo e dizia que a revista Ultimato só existia porque o que encontrava em suas leituras diárias era tão maravilhoso que ele não poderia guardar apenas para si mesmo. Então precisava compartilhar na revista, nos púlpitos e nos livros. “Ler a Bíblia com proveito”. Este era o conselho que ele mais gostava de dar.

Salvação é: justificação, santificação e glorificação. Ele gostava de usar esse esquema emprestado do livro de John Stott para os três tempos da salvação. 1) Justificação: fomos salvos da punição do pecado; 2) Santificação: estamos sendo salvos do poder do pecado ; 3) Glorificação: seremos salvos da presença do pecado.

A morte da morte. Ele gostava de citar a frase de Paulo: “O último inimigo a ser destruído é a morte” (1 Co 15.26). Elben sabia que a morte era algo muito doloroso, mas também tinha convicção de que ela era seria derrotada na última batalha. “Onde está, ó morte, a tua vitória?” (1Co 15.55). Em vários textos, Elben imaginou o cortejo fúnebre da morte, com alegres cantos de livramento daqueles que são mais que vencedores em Cristo Jesus.

Meu amigo Elben, hoje é o dia do seu funeral, é verdade. Os choros serão sinceros, mas também haverá cantos de gratidão e de esperança. Sobretudo, a mesma esperança que você anunciou durante toda sua vida. Esperança de que um dia tudo será consumado, que Cristo terminará sua obra de reconciliação e de juízo. E naquele dia (que ninguém sabe a data), todos nós, estaremos em outro funeral, o da morte. Aleluia! Maranata!

 

 

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Linha do tempo de Elben César

 

  1. Tive o privilégio e a bênção em conhecer esse grande homem de Deus, não somente serviu ao Senhor, mas andou com Deus. Como sou membro da Congregação Cristã no Brasil, denominação ausente da Grande Família Evangélica, impressionou-me o carinho e o interesse em saber como servimos a Deus, e o tratamento tão amoroso, apesar das diferenças e hostilidade que acontece do nosso lado; e lamento. Seu exemplo de vida ficará testemunhando o amor de Deus, em Cristo Jesus, por muito tempo; e no memorial de Deus para sempre. Deus conforte a família e os amigos.

  2. Leio diariamente o livro “Refeições Diárias Com Jesus”. São meditações abençoadoras que muito falam ao coração. Estava exatamente perguntando será que haverá outro para o próximo ano?
    Que pena! mas o Senhor Deus o levou, mas deixou um legado preciosíssimo. Que a família e amigos estejam sentindo a consolação que só pode vir de Deus!

  3. Lissander: hoje há, para mim, dois lamentos: o falecimento do querido Pr. Élben e a notícia [só agora soube] de sua saída do Ultimato.
    Hoje [sexta-feira] é o dia da minha postagem semanal no site; abandonei o texto que elaborara e escrevi/postei outro sobre o Pr. Élben, que teve uma presença em minha vida “literária” em 2001.
    Hoje é dia de lamento! Mas Deus tem seus propósitos. Desejo sucesso a você nas novas atividades [quais?] e transmito meus sentimentos à querida família César.

  4. – Pecaminosidade latente. Ele era franco o suficiente para ressaltar que todos nós somos “vira-latas”, que somos fracassados espiritualmente, que precisamos admitir que somos pecadores, e que pecado nos persegue constantemente.

    O grande Élben, a quem tive o prazer de conhecer quando morava nos EUA, amante de livros como era (presentei-o com um dicionário de termos teológicos), todavia neste particular teológico (pecaminosidade latente) ele estava equivocado.

    É verdade que há uma herança histórica no evangelicalismo americano e brasileiro da qual Élben fazia parte, que focava pesadamente na pecaminosidade. Mas ela fugia de uma compreensão da pessoa e chamava uma outra, teológica (pecaminosidade), para explicar a primeira. Não, não me refiro ao Calvinismo e variantes. O erro em confundir a pessoa e sua natureza com a aplicação de conceitos teológicos vinha desde o Puritanismo inglês.

    Essa ideia de pecaminosidade foi uma herança nos primórdios das atividades missionárias no Brasil, da qual ele e eu fomos herdeiros, e que encarava a pessoa humana de tal forma que sobre ela aplicava-se o conceito de uma teologia que vinha desde os tempos dos grandes ‘awakenings’ nos Estados Unidos, refiro-me ao primeiro Great Awakening, c. 1730–1755; o segundo, c. 1790–1840; o terceiro, c. 1850–1900; e finalmente o c. 1960–1980, este me alcançando, bem como ao Élben.

    É marcante em todos os ‘awakenings’ a necessidade de diminuir a pessoa, posto que ela parecia traduzir perigo, ao ponto de faze-lo convencer-se de que não há rigorosamente nada de bem ou de bom nele, mas uma vez sendo alcançado a graça ou o favor imerecido de Deus sobre ele, o valor e os valores da pessoa humana ‘nasceriam’ ou seriam inseridos nele.

    É uma construção que parte, portanto, de uma concepção de pecado, daí pecaminosidade, que, ao ‘des-moralizar’ (retirar dele todo mérito ou virtude) a pessoa, permite que ele, esta pessoa seja ‘re-construída’ agora sim, como fruto da ação do Espírito Santo de Deus.

    Só se pode fazer isso (reconstrução) com a ideia central de ‘pecaminosidade’. O amor de Deus, portanto, passa a ser um ‘construtor’, um ‘soerguedor’ em cima de escombros deixamos por uma teologia lamentavelmente sem fundamentos bíblicos e que migra de mãos dadas com a psicologia tortuosa da época.

    Essa modalidade teológica nunca levou, quando nasceu nos grandes ‘awakenings’, em conta a pessoa humana, mas chamaria sempre um dado teológico para passar juízo de valor.

    O interessante é que essa concepção teológica equivocada exerceu um poderoso efeito contrário na vida de Élben. Sua contribuição é imensa, e nada tem a ver com visão de ‘pecaminosidade latente’.

    • Elben e outros que não abriam mão de reconhecer a pecaminosidade de todos nós são prova de que isso não significa “nunca levar em conta a pessoa humana”. Pelo contrário. Tal convicção gera compaixão, cuidado e ao mesmo tempo franqueza para que possamos melhorar. Gera humildade que tanto precisamos em nossos tempos de autocentrismo.

      • Não Lissânder, mais a mais você confunde opinião pessoal Élben) com leitura teológica equivocada do único documento capaz de forjar uma concepção adequada sobre a pessoa humana.

        Note que meu comentário começou com uma observação — todos nós somos “vira-latas” — não apenas chula, mas infeliz do Élben e reprisada por você.

        A ideia de que muitos há que “não abriam mão de reconhecer a pecaminosidade de todos nós são prova de que isso não significa “nunca levar em conta a pessoa humana” não casa com a conclusão final sua: uma ideia de muitos, de modo que a conclusão de nunca levar em consideração à pessoa humana é espúria na sua formulação.

        Não lhe assiste o contexto bíblico também, posto ser ‘opinião de muitos’ e opiniologia ainda que por um homem (Élben) de ilibada moral.

        Paulo não estabelece sua teologia sobre ‘depravação total’, essa sim, uma herança calvinista, coisa de dois séculos depois de Calvino, e não de Calvino propriamente, onde qualquer coisa semelhante a ‘vira-latas’ jamais poderia ser lido.

        Eu entendo que você, como ‘cria’ teológica de ULTIMATO, pense assim. É natural que desse modo o seja. E nem acho que a sua opinião secundada por Élben seja minoria. Ela só não se sustenta pelas razões que alinhavei em meu comentário, pelo fato de que Élben com a sua vida de enorme contribuição ao evangelho desfez na prática a ideia de ‘vira lata’, vez que uma vez estabelecido a natureza do ser, de ‘vira-lata’ não sai nada.

        Você é um poeta, Lissânder, não em formação teológica e os termos são em grande parte difusos. Você vez muito bem em pinçar alguns elogios à figura do Élben, mas pegou uma daquelas que revelariam mais sua ignorância teológica — a sua e a dele — quando bem poderia destacar a enorme contribuição que ele fez em mais de meio século de profícuo ministério.

  5. Conheci o pr Élben há muitos anos atrás. meu pai era pastor e faleceu aos 69 anos em 1984. Era muito amigo dele e lembro-me quando fomos à formatura do meu irmão lá em Viçosa. Conheci a sua igreja e toda a sua família… Tempo bom, onde meu irmão Paulo Alencar era “ateu” e foi amigo da Júnia. Eles o abraçaram durante todo o seu tempo de faculdade até ele sair de lá formado em Agronomia. Sou filha de Wilson Nóbrega Lício e posso dizer que tive o privilégio de o conhecer pessoalmente. Uma pessoa simples, alegre, espiritual, que sabia cuidar da sua família e da sua igreja, sua revista… Que Deus o tenha em Sua Glória, onde espero revê-lo junto aos meus pais. Vai ser uma eternidade para conversarmos e nos regozijarmos em Jesus… Que Deus console toda a sua família, a sua igreja, amigos… #orando

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