Uma crônica num tempo fugidio
O avião anda, meio que indeciso, pra lá e pra cá, na pista de pouso do aeroporto de Campinas. Quando uma certa impaciência começa a tomar conta do ambiente, a voz anasalada do comandante informa que os passageiros devem se preparar para o voo.
As luzes vermelhas intermitentes das demarcações numéricas da pista incomodam meus olhos, e eu, de repente, me lembro de quando, pela primeira vez, pela janela do ônibus que nos levava do Pará até o Rio de Janeiro, vi letras em neon de lojas, restaurantes, lanchonetes no caminho. Aquela sensação de novidade, aquele “cheiro” de viagem, aquela expectativa de encontrar uma família bem maior do que estávamos acostumados. Eu sonharia repetidas vezes com aquelas letras piscando e fascinando o menino que nunca tinha ido tão longe.
Agora aqui estou indo para Maringá. O dia está quase no fim e a mente cansada pede um alívio. Eu, que nos últimos tempos, tenho deixado as crônicas de lado, tive a súbita vontade de escrever uma. Pareço até um abstêmio na fissura. É preciso preencher o tempo e exercitar a memória. Tal exercício tem se tornado difícil hoje em dia com tanto desperdício de palavras.
Nossas incoerências na relação com o tempo causam vergonha. Idealizamos o passado, mas não conseguimos respeitar a simples memória do dia que passou. Não demora muito para que o “hoje” se torne um lastro de algo que aconteceu, mas que já se despediu, sem pedir licença.
Me lembro então do sorriso de meu filho, do orgulho que senti em vê-lo escrever cada letra do alfabeto. Trabalhei na editora, carreguei caixa, tomei chuva, almocei, fui aos bancos, paguei contas… despedi-me da esposa, entrei no carro em direção à Juiz de Fora, conversamos a viagem toda, fizemos check-in, tomamos um café com pão de queijo, embarcamos no avião, voamos para Campinas. E agora seguimos para Maringá.
De todo estes movimentos, minha memória mesmo cansada se deleita com algumas imagens: as montanhas de Minas, o pôr do sol invadindo-as, e ainda o mesmo sol, agora mais próximo, visto da janela do avião.
Mesmo aprisionado à uma vida moderna na qual não paramos de correr há momentos especiais em que nos quedamos para ver outro movimento, o da natureza. Um movimento que se repete, mas que nunca deixa de ser fascinante. Um movimento que nos conduz para algo mais do que passos artificiais de uma vida artificial. Que olhos podem ver o que se apresenta deslumbrante?
Minha atenção é interrompida pela mesma voz do comandante. “Prepara-se para a aterrissagem em Maringá”. Percebo que o tempo passou rapidamente. A crônica fez seu papel diante de um tempo sempre fugidio. Bendita memória!
Escrito em 09/11/2015, às 23h10.