Eu a encontro todos os dias. No ponto de ônibus. Nunca conversarmos. Mas me chama a atenção seu jeito triste. Sempre com um fone nos ouvidos. Sempre com um cigarro na boca. Nunca ri. Nunca fala com ninguém. Não tem amigos. Pelo menos é o que eu percebo nos cinco minutos que a vejo todos os dias no ponto de ônibus.

A moça triste talvez não seja triste. Talvez esteja apenas cansada. Talvez não goste de falar nem sorrir logo após acordar. Talvez ela seja feliz, muito feliz. Mas meus olhos a veem daquele jeito, e isso me faz pensar em como a tristeza está presente em nós. Em mim.

A moça triste é a metáfora para meu coração. Ela me lembra que minha tristeza anda comigo, mesmo sabendo que o que me faz caminhar seja a alegria.

A moça triste fuma para sentir um pouco de satisfação em algo. Mas isso só denuncia seu vazio, sua solidão. Talvez seja daí que venha sua tristeza: do desamparo, da rejeição por ser pobre, negra e mulher. Talvez.

A moça triste não ouve os sons do mundo. Ela está sempre com o fone nos ouvidos. Talvez ouça músicas alegres para espantar os pensamentos tristes que insistem em lembrá-la o enfado do dia a dia. Mas talvez goste simplesmente de esquecer que a realidade emite sons desagradáveis. Talvez ela queira apenas fugir no barulho de um rádio ou em uma canção que a faça acreditar que a vida será melhor, que ela ainda vai encontrar seu amor.

A moça triste continua sentada no banco do ponto de ônibus. Eu entro no carro que me levará ao trabalho. Não há despedidas. Eu sei que a encontrarei no próximo dia. Sem o sorriso que nunca vem e com a tristeza que a acompanha.

 

  1. A moça triste pode ser uma moça feliz. Talvez, sua tristeza, apenas nós enxergamos, por não ser igual à nós, ser diferente, ser isolada, não que isto seja negativo, talvez aos nossos olhos, sempre ressalto o poderoso talvez, tudo é questão de ponto de vista e da vista do ponto. Se ela, a moça, encontra na tristeza o conforto de ser feliz, nós somos tristes por parecermos tão felizes e estarmos desconfortáveis com o que nos cerca… Apenas uma reflexão…

  2. Gostaria de responder ao Eduardo que o eu lírico da crônica descreve algo que ele vê diariamente em um ponto de ônibus. Parece que você nem mesmo sabe o significado de narcisismo, ainda mais, “narcisismo às avessas,” como foi expressado.
    E o termo”enfastiado” também se encontra fora do contexto que foi apresentado. O uso da fé não faz força e não é enfado, muito pelo contrário, supõe-se que o indivíduo crê e segue princípios. E quanto ao cigarro, você pode inclusive, reclamar com os milhares de médicos que proíbe aos seus pacientes o uso do cigarro, as propagandas que revelam perigos do vício que pode até gerar câncer e os evangélicos que incentivam as pessoas a parar de fumar, a fim de preservar seus corpos e agradar aquele que os criou.

    • Nossa!!! é só uma crônica, um ponto de vista, uma expressão! É o sentimento do autor, me identifiquei muito. Creio que quando nos despimos do ego, entendemos com mais leveza e menos críticas o “ser eu nos outros” afinal somos tantos eus e tantos ou outros…

  3. Excelentes crônicas. São ressaltados os problemas que cada um pode estar sujeito a enfrentar no cotidiano, como a carência, a falta de tempo, a solidão, o estresse, as perturbações com o futuro, o medo, a falta de esperança, entre tantas outras questões, de cunho psico- social a que todos nós estamos sujeitos a enfrentar e lutar por dias melhores ou continuar estagnado no tempo com tais infortúnios.

    • Olá, Artur! Que bom saber que a minha crônica provocou e desafiou você a também escrever uma “versão” sua, que nos alerta para o falseamento da felicidade. Obrigado por compartilhar.
      Grande abraço!

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