O culto começara há meia hora. O pregador sobe ao púlpito e toma a palavra. Gosto de seus sermões. Estou atento para ouvi-lo. Mas meu filho Miguel, de 4 meses, que está em meu colo, começa a chorar. Tenho que sair do templo. Fico no pátio, com os ouvidos tentando não perder a fala do pregador ao fundo. Ele prega sobre como Jesus perdoou a mulher pega em adultério e como confrontou os seus acusadores hipócritas.

Meu filho, sempre observador, começa a prender o olhar no cartaz com fotos de dezenas de missionários. Nesta altura, ele já está no colo do diácono. Miguel não para de olhar para o cartaz. Ele está fascinado com tantos rostos diferentes em um só lugar.

Claro, não tenho ideia do quanto meu filho entende esta informação, mas não faz mal. Este momento já serve como metáfora para meu coração. Miguel “pregou” junto com o pregador da noite. Enquanto a Palavra me ensinava que o pecado agride a Deus, o próximo e a mim mesmo, e que a vida redimida é relacional, o pequeno Miguel me ilustra que meu olhar deve ser para as pessoas, e não para as coisas ou os rituais. Ele me ensina que meu coração contaminado está em ataque constante para que eu não viva a santidade relacional. E que esta santidade começa na aceitação do amor de Deus e desemboca na maturidade em lidar com os pecados próprios e os pecados dos outros. O perdão me faz olhar, de verdade, para a imperfeição; enfrentá-la, mas não ser refém dela.

Não anotei nada do sermão. Geralmente anoto. Mas, tanto ele quanto a metáfora que Deus me deu por meio do Miguel, ainda estão guardados em minha memória.

 

  1. O cronista é isso. O olhar e pensar profundo e reflexivo nas coisas simples do cotidiano.
    Sensibilidade, criticidade, reflexão e humor no corriqueiro, no comum, no nada que jamais serão perceptíveis aos comuns. Só serão vistos após o olhar de um cronista.
    Parabéns!

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