Ainda fica em minha memória a linearidade das filas de seringueiras no lugarejo por onde passávamos em direção à Belém (PA). Década de 80, e eu ainda um menino. A plantação de seringueiras não era vasta, mas eu ouvia vozes de adultos dizendo que ela representava um futuro próspero. Na verdade, já não havia mais tempo para isso. A vila que sobrevivia da extração da borracha era apenas um ponto isolado de uma produção há muito desacreditada.

Até hoje não sei por que aquela vila ainda existia. Descobri depois nos livros escolares que a época áurea da borracha havia ocorrido em um passado distante (entre os séculos 19 e 20).

Minha vista das seringueiras acontecia com o ônibus em movimento. Não viajávamos muito, mas sempre que acontecia, era pela rodovia estadual de São Francisco – estrada de terra esburacada que nos levava a Castanhal e depois à Belém. Entre minha casa em Igarapé-Açu e a cidade mais próxima – São Francisco – lá estava a vila dos seringueiros.

Talvez a lembrança ainda esteja viva, tanto pela paisagem quanto pela força dos personagens. A primeira grande amiga de mãe morava lá. Joana, seu esposo Arimatéia e seus filhos – três ou quatro. Lembro-me da voz forte e da rigidez de Joana no trato com os filhos. O nome do esposo me remetia a um personagem bíblico distante. Eram bem pobres, mas com uma fé firme. As visitas entre as duas famílias sempre deixavam minha mãe alegre.

Enquanto seguia dentro de um ônibus em movimento, eu apreciava a beleza das árvores e me fascinava com o fato de que a borracha realmente surgia daqueles caules, de forma imediata e simples. Era meu “primeiro milagre” preferido. Gostava porque podia imaginar o que fazer com a borracha: bolas, estilingues, brinquedos sem forma, mas que tinham a impressionante capacidade de quicar.

Nunca soube muito sobre a técnica dos seringueiros, mas gostava dos riscos em “v” marcados pelas facas e de uma espécie de tigela de plástico que aparava o látex. O seringueiro extraía o líquido branco em um processo onde a força impunha-se ao volume (caule) e o apertava até “sangrar”. Achava bonito aquilo tudo.

A vida estava apenas começando para mim. A instabilidade econômica da década de 80 persistiria por mais alguns anos, e o trabalho daquelas famílias estava fadado a desaparecer. Mal sabiam eles que eram os últimos na minha região a acreditarem no trabalho que faziam.

Minha família passou por grandes dificuldades financeiras na “década perdida”, mas eu nunca seria um trabalhador braçal como meus conterrâneos do seringal. Minha “extração”, por assim dizer, se daria no campo das palavras.

Escrever é fazer sangrar.

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