O que “Crime e Castigo” me ensinou sobre (longas) jornadas
Dois meses atrás fiz uma longa viagem para Seul. Somando ida e volta, fiquei quase 24 horas dentro de avião. Foi cansativa e, por vezes, bem tediosa. Por outro lado, esta experiência me fez ter muitas histórias para contar.
Em tempos de comunicação instantânea e “cérebros podres”¹, estamos cada vez menos preparados para longas viagens. Nossa mente fica ansiosa e buscamos desesperadamente coisas para preencher os vazios da espera.
Nesta semana, terminei a leitura de “Crime e Castigo”, de Dostoiévski. Um livraço (em todos os sentidos): no conteúdo e no número de páginas. Em minha edição de bolso, da Martin Claret, são quase 800 páginas. O romance se passa em São Petersburgo, na Rússia do século 19. Um tempo de pobreza e uma população emocionalmente doente.
Não vou falar sobre o enredo em si, mas só posso dizer que foi uma experiência incrível. Mergulhei no livro, na história, nos personagens, nos processos psicológicos e nas soluções narrativas do autor russo. Há diálogos memoráveis entre Raskolnikov (protagonista) e Porfiri (policial); e entre Raskolnikov e Sonia (outra protagonista); entre Dúnia (irmã) e Svidrigáilov (apaixonado por ela).
Por algumas semanas, me vi absorto em uma história totalmente fora da minha realidade. Mesmo assim, eu me vi, por vezes, dentro da mente de um Raskolnikov confuso e doentio. Também me vi internalizado na culpa e na fé de cada um dos personagens.
Ler “Crime e Castigo” me fez pensar em como eu tenho enfrentado as longas jornadas de minha vida. Se eu tenho buscado apenas soluções rápidas ou se estou disposto a perseverar na benção da espera e no discernimento dos processos.
Assim é a fé cristã: confiar nos processos de Deus.
Nesta semana também ouvi de um senhor mais velho um desabafo triste:
“Eu estive com meus filhos, mas não caminhei com eles”.
Caminhar envolve participar dos processos. E isso exige de nós disposição e resiliência para viagens longas.
Olhando para minha própria vida, enxergo que um dos meus erros mais comuns é mergulhar em tantas frentes de trabalho e não conseguir concluir etapas. Desejo e oro para que em 2025 eu melhore isso.
Olhando para as Escrituras, leio os conselhos de Jesus à igreja de Esmirna para que aquela comunidade “não tenha medo do que você está prestes a sofrer. Seja fiel até a morte, e eu lhe darei a coroa da vida” (Ap 2.10).
Trilhar longas viagens exige de nós mais do que motivação ou ânimo. Precisamos ter coragem e fidelidade a quem nos chama. Sem isso, tudo não passa de estímulos superficiais.
Sem dar spoiler, posso dizer que “Crime e Castigo” termina com um surpreendente senso de esperança. É assim que deve ser: a esperança como combustível necessário para longas jornadas.
Nota:
1. A expressão se refere à deterioração mental causada pelo consumo excessivo de conteúdo inútil, em geral nas redes sociais, ou de programas de baixa qualidade (Fonte: UOL).
Ilustração: Mihail Chemiakin.