Opinião
- 10 de novembro de 2020
- Visualizações: 8015
- comente!
- +A
- -A
- compartilhar
Por uma espiritualidade que silencia para ouvir
Por Phelipe Reis
No Facebook, no Twitter, no Instagram, no Youtube… Muitas vozes. Comentando a última polêmica política, criticando ou defendendo as ações do governo, ponderando o escândalo no meio evangélico, opinando se a pandemia é ou não fruto de uma conspiração globalista, enfim. “Gente demais / Com tempo demais / Falando demais / Alto demais…”, como bem descreveu um jovem cantor.
Entre os cristãos não parece ser muito diferente. O púlpito e o microfone sempre foram tentadores. Mas até pouco tempo estavam restritos aos que ocupavam posições de liderança. Hoje, a internet possibilita o fácil acesso às redes sociais, onde qualquer pessoa pode fazer um post, publicar um vídeo, fazer uma transmissão ao vivo e “falar aos quatro ventos”, podendo influenciar milhões de pessoas. Sem precisar, necessariamente, ser um líder respaldado por uma igreja local.
Os benefícios da democratização do acesso à internet são inegáveis. Ao mesmo tempo, o fluxo instantâneo de informações representa uma atraente isca para os que fazem uso indiscriminado dessa facilidade tecnológica. É nessa hora que surgem os exageros e excessos, publicações inoportunas e inconvenientes, julgamentos precipitados e injustos, comentários maledicentes e o ímpeto de dar respostas rápidas e fáceis para assuntos complexos. Além de não contribuírem para um bom testemunho, essas práticas causam desinformação, problemas e divisões.
2020 tem sido um ano de muitas transformações – desafios que a igreja é convocada a responder. Em meio a isso, é natural que as pessoas queiram se posicionar, falar e emitir opiniões. Mas quando todos querem usar o microfone, quem está disposto a ouvir? Essa tendência revela algo, como diz Rubem Alves: “Nunca vi anunciado curso de escutatória. Todo mundo quer aprender a falar. Ninguém quer aprender a ouvir. […] Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante e sutil da nossa arrogância e vaidade.”
Para este “mal pós-moderno”, a Bíblia adverte: “Todo homem, pois, seja pronto para ouvir, tardio para falar [publicar], tardio para se irar” (Tg. 1.19). No que se refere às respostas da igreja aos desafios desses tempos, as Escrituras Sagradas também orientam: “Responder antes de ouvir é estultícia e vergonha” (Pv. 18.13).
“Pare. Olhe. Ouça”. Esses três verbos que constam em placas de alerta em qualquer cruzamento de linha férrea podem ser um bom exercício para nossos dias confusos. Mais que falar, emitir opiniões e tomar posicionamentos para parecer relevante, é sublime aquele que se coloca para ouvir. É um exercício espiritual de paciência, humildade e alteridade. É resistir à tentação do púlpito e dos likes e desbancar a vaidade que quer assumir o trono do coração.
Calar e ouvir é reconhecer o lugar de fala do outro e valorizar a possibilidade de aprender, calado. Mas Rubem Alves já pontuou que não é uma tarefa fácil:
“Não é bastante ter ouvidos para se ouvir o que é dito. É preciso também que haja silêncio dentro da alma. Daí a dificuldade: a gente não aguenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor, sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer. Como se aquilo que ele diz não fosse digno de descansada consideração e precisasse ser complementado por aquilo que a gente tem a dizer, que é muito melhor.”
Calar e ouvir é uma disciplina espiritual estimulada nas Escrituras Sagradas, especialmente quando se trata de ouvir o Senhor:
“Andareis após o Senhor, vosso Deus, e a ele temereis; guardareis os seus mandamentos, ouvireis a sua voz, a ele servireis e a ele voz achegareis” (Dt. 13.4).
“[…] pois o Senhor, teu Deus, te abençoará abundantemente na terra que te dá por herança, para possuíres, se apenas ouvires, atentamente, a voz do Senhor, teu Deus, para cuidares em cumprir todos estes mandamentos que hoje te ordeno” (Dt. 15.4,5).
“Ajuntai o povo, os homens, as mulheres, os meninos e o estrangeiro que está dentro da vossa cidade, para que ouçam, e aprendam, e temam o Senhor, vosso Deus, e cuidem de cumprir todas as palavras desta lei” (Dt. 31.12).
“O coração do sábio adquire conhecimento, e o ouvido dos sábios procura o saber” (Pv. 18.15).
“Guarda o pé, quando entrares na Casa de Deus; chegar-se para ouvir é melhor do que oferecer sacrifícios de tolos, pois são sabem que fazem mal” (Ec. 5.1).
“Aquele, porém, que entra pela porta, esse é o pastor das ovelhas. Para este o porteiro abre, as ovelhas ouvem a sua voz, ele chama pelo nome as suas próprias ovelhas e as conduz para fora” (Jo. 10.2,3).
Calar e ouvir o mundo é uma tarefa necessária para a igreja, como descreve John Stott:
“Ouvir duas vezes […] é a faculdade de ouvir duas vozes ao mesmo tempo, a voz de Deus através das Escrituras e as vozes de homens e mulheres ao nosso redor. Frequentemente essas vozes contradizem uma à outra, mas nosso propósito ao ouvir tanto uma como a outra é descobrir que elas se inter-relacionam. Ouvir duas vezes é indispensável para o discipulado cristão e para a missão cristã. Somente através da disciplina de ouvir duas vezes é que é possível tornar-se um ‘cristão contemporâneo’.” […] “Um dos ingredientes mais importantes – e mais negligenciados – do discipulado cristão é o cultivo de um ouvido atento. Quem ouve mal não é um bom discípulo.”
Calar e ouvir é saciar nossa alma de silêncio e nutrir nossa espiritualidade com outras vozes que podem inspirar nossa caminhada de fé. Que tal colocar em prática agora o exercício do silêncio e da escuta? A seguir, algumas dicas para pensar, ouvir, ler e contemplar.
Para pensar
“Para mim Deus é isto: a beleza que se ouve no silêncio. Daí a importância de saber ouvir os outros: a beleza mora lá também. Comunhão é quando a beleza do outro e a beleza da gente se juntam num contraponto.” (Rubem Alves)
Para ouvir
Para ler
Para contemplar
> Texto publicado originalmente no site da Sepal. Reproduzido com permissão.
É natural do Amazonas, casado com Luíze e pai da Elis e do Joaquim. Graduado em Comunicação Social/Jornalismo pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e mestre em Missiologia no Centro Evangélico de Missões (CEM). É missionário e colaborador do Portal Ultimato.
- Textos publicados: 190 [ver]
- 10 de novembro de 2020
- Visualizações: 8015
- comente!
- +A
- -A
- compartilhar
QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU ATÉ AQUI.
Ultimato quer falar com você.
A cada dia, mais de dez mil usuários navegam pelo Portal Ultimato. Leem e compartilham gratuitamente dezenas de blogs e hotsites, além do acervo digital da revista Ultimato, centenas de estudos bíblicos, devocionais diárias de autores como John Stott, Eugene Peterson, C. S. Lewis, entre outros, além de artigos, notícias e serviços que são atualizados diariamente nas diferentes plataformas e redes sociais.
PARA CONTINUAR, precisamos do seu apoio. Compartilhe conosco um cafezinho.
Leia mais em Opinião
Opinião do leitor
Para comentar é necessário estar logado no site. Clique aqui para fazer o login ou o seu cadastro.
Ainda não há comentários sobre este texto. Seja o primeiro a comentar!
Escreva um artigo em resposta
Para escrever uma resposta é necessário estar cadastrado no site. Clique aqui para fazer o login ou seu cadastro.
Ainda não há artigos publicados na seção "Palavra do leitor" em resposta a este texto.
Assuntos em Últimas
- 500AnosReforma
- Aconteceu Comigo
- Aconteceu há...
- Agenda50anos
- Arte e Cultura
- Biografia e História
- Casamento e Família
- Ciência
- Devocionário
- Espiritualidade
- Estudo Bíblico
- Evangelização e Missões
- Ética e Comportamento
- Igreja e Liderança
- Igreja em ação
- Institucional
- Juventude
- Legado e Louvor
- Meio Ambiente
- Política e Sociedade
- Reportagem
- Resenha
- Série Ciência e Fé Cristã
- Teologia e Doutrina
- Testemunho
- Vida Cristã
Revista Ultimato
+ lidos
- Descobrindo o potencial da diáspora: um chamado à igreja brasileira
- Jesus [não] tem mais graça
- Bonhoeffer, O Filme — Uma ideia boa, com alguns problemas...
- Não confunda o Natal com Papai Noel — Para celebrar o verdadeiro Natal
- Onde estão as crianças?
- Exalte o Altíssimo!
- Pare, olhe, pergunte e siga
- Uma cidade sitiada - Uma abordagem literária do Salmo 31
- Ultimato recebe prêmio Areté 2024
- C. S. Lewis, 126 anos