Narcisos ensimesmados se afogando nos tweets das eleições

Por Gabriela Prilip

Se você tem um irmão, provavelmente você sabe melhor do que ninguém que irmãos brigam. Eu mesma já quebrei braço e perna quando criança graças ao meu irmão. Se você não tem irmãos, provavelmente você tenha amigos até mais chegados do que um irmão e talvez já tenha se desentendido com ele também. Se nada se encaixa – talvez você precise fazer amigos – temos exemplos bíblicos de desentendimentos. Imagina só: se a galera que andava junto e, mais do que isso, lado a lado literalmente com Jesus, em carne e osso, 100% corporificado, brigavam e se traiam, quanto mais a gente…

Talvez hoje seja muito mais fácil brigar, xingar e desrespeitar quando vemos muito menos as pessoas face a face, quando não vemos rostos; quando um avatar que pode ser a foto mesmo da pessoa ou de qualquer outro personagem vira o símbolo de alguém que talvez você mal conheça mediado por uma tela. As relações parecem não reais no virtual e isso é ruim, porque apesar de não parecer muitas vezes – e apesar dos bots – em sua maioria, ainda são pessoas reais por trás de alguns caracteres.

Tem sido muito doloroso ler depoimentos de pessoas dentro e fora da igreja se sentindo atacadas por palavras e insultos de alguns que têm sujado a imagem da igreja e do evangelho. Tenho visto, desde alguns anos atrás, pessoas deixando a fé por conta de posicionamentos políticos, racismo, xenofobia. Todo mundo sabe que alguns tipos de posicionamento, ainda mais vindos de um pastor ou figura pública, podem machucar outros irmãos e pior ainda, afastá-los da fé. E o que continuamos fazendo? Postando cada vez mais, mesmo sabendo do impacto negativo dos posicionamentos; continuamos cutucando as feridas das pessoas. E a Bíblia diversas vezes nos orienta a não fazer aquilo que faz mal para o outro. Tudo isso é um insulto muito grande com pessoas feitas à imagem e semelhança de Deus além de uma falta de cuidado e pensamento no próximo. Mas tudo bem se for no Twitter, né?Quando penso nisso, o texto de Romanos 14 me vem à cabeça. Tudo bem que eles estão falando de comida – o que é sempre um bom assunto –, mas dá pra fazer um paralelo:

“Eu sei, e estou convencido com base na autoridade do Senhor Jesus, que nenhum alimento é por si mesmo impuro. Mas, se alguém considera errado ingerir determinado alimento, para essa pessoa ele é impuro.

E, se outro irmão se aflige em razão do que você come, ao ingerir esse alimento você não age com amor. Não deixe que sua comida seja a causa da perdição de alguém por quem Cristo morreu.

Desse modo, você não será criticado por fazer algo que, a seu ver, é bom.

Pois o reino de Deus não diz respeito ao que comemos ou bebemos, mas a uma vida de justiça, paz e alegria no Espírito Santo.

Se servirem a Cristo com essa atitude, agradarão a Deus e também receberão a aprovação das pessoas.

Portanto, tenhamos como alvo a harmonia e procuremos edificar uns aos outros.

Não destruam a obra de Deus por causa da comida. Embora todos os alimentos sejam aceitáveis, é errado comer algo que leve alguém a tropeçar.

É melhor deixar de comer carne, ou de beber vinho, ou de fazer qualquer outra coisa que leve um irmão a tropeçar.

Você tem direito a suas convicções, mas guarde isso entre você e Deus. Felizes são aqueles que não se sentem culpados por fazer algo que consideram correto.” (Romanos 14.14-22)

Nós não deveríamos fazer ninguém tropeçar, amém?

 

Temos usado a régua errada pra medir qualquer coisa.

Na celebração Legado e Louvor, ouvi o grande (e com quem também gostaria de um café, fica o convite) Ziel Machado, dizer que “estamos dando a César muito mais do que deveríamos”. Talvez eu tenha parafraseado porque não lembro as palavras exatas, mas essa frase ficou ecoando até hoje por aqui e, infelizmente, tem feito sentido.

Estamos preferindo continuar postando frases de ódio regadas com preconceito ainda que isso cause dor e fira o outro. Preferimos fincar uma bandeira de posicionamento ainda que isso afaste cada vez mais pessoas da igreja e cause ainda mais repulsa pelo que seria o verdadeiro evangelho. Estamos medindo a nossa unidade por pessoas e não por Cristo.

Eu me envergonho muito desse evangelho proferido com política porque Deus é muito claro: a César o que é de César. Ferir as pessoas e afastá-las de Cristo é totalmente distante de qualquer boa intenção, essa que tentam camuflar, mas não tem como estar presente em qualquer discurso de ódio.

Ana Heloysa tem uma música que eu acho incrível e que descreve tão bem esse nosso momento: estamos “ensimesmados”, transbordantemente apenas cheios de nós mesmos:

Mas eu me ensimesmo

Eu me ensimesmo

E perco o que a vida tem de bom pra oferecer

Mas eu me ensimesmo

Eu me ensimesmo

Faço o contrário do Deus

Que a Si mesmo se deu

Pra nos salvar

O Evangelho é muito claro quando repleto de ensinamentos sobre reconhecer o outro como mais importante do que eu, tomar a própria cruz, negar a si mesmo e seguir a Cristo. A Bíblia mostra um Deus que respeita nosso tempo e espaço, mostra um Cristo preocupado com crianças, mulheres, viúvas, leprosos, minorias, marginalizados, vulneráveis e esquecidos que raramente fazem parte de qualquer pauta política – essa última pela qual temos dado toda nossa voz, tempo e energia. Poucas vezes somos chamados a olhar para nós mesmos e quando somos, é apenas para nos examinar e tirar a trave do próprio olho, nunca pra nos enchermos mais e mais de nós e dos nossos planos ou atacar o outro.

Qualquer que seja a “pauta cristã” defendida por qualquer candidato – fazendo um parêntese de que coisas não são cristãs…apenas as pessoas que escolhem Cristo, e isso envolve muito mais do que palavras (foi mal Madre Tereza) – elas precisam ser vistas com um olhar crítico, lembrando que política não é igreja ou corpo de Cristo. Proferir palavras como “família, Deus” é igual a nada. Até o Diabo profere essa e outras palavras e falou até diretamente com o próprio Cristo. Seguir a Cristo é sobre atitude, é sobre viver e não em prol de si mesmo e muito menos de domínio que nunca foi pauta do Evangelho, vale um reforço. O evangelho se dá na realidade, nas vivências do dia a dia com o outro. Deveria ser esquecer de si pra buscar o melhor pelo outro, os interesses do outro antes dos nossos. Agora, quem teve essa pauta? Só Cristo mesmo e longe da política. Nós seguimos falhando como “pequenos cristos”. O evangelho nada tem a ver com domínio. Cristo não se dá assim. A gente aprende pequenininho lá na EBF que precisa deixar Jesus entrar no nosso coração. Ele é muito mais respeitoso do que os nossos tweets. Não existe dominação no evangelho. Existe graça, amor, paciência, sacrifício e misericórdia.

Nós, ensimesmados, precisamos ter muito cuidado para que a nossa vontade de deixar nossos posicionamentos muito claros seja maior do que buscar o melhor para as pessoas ainda que isso inclua negar a nós mesmos pelo bem do outro. A nossa régua precisa ser uma só. Precisava ser Cristo. Não lembro onde li, mas sempre me marca a ideia de o evangelho ser uma mesa gigante onde qualquer um é bem-vindo. Pelo sangue de Cristo não há mais judeu, grego, romano, homem, mulher…somos todos um só em Cristo. Ou deveríamos. Isso, aparentemente e recentemente, se restringe a um capítulo esquecido em algum momento do novo testamento.

Se a régua fosse realmente Cristo, frearíamos nossa língua, engoliríamos palavras e caracteres, pensaríamos no próximo, infinitamente mais necessitado que nós. Nossa régua não é Cristo e a verdade precisa nos libertar. Por isso, o primeiro passo é reconhecer. Reconhecer, lamentar e entender a necessidade do perdão nesses tempos tão obscuros em que passamos a olhar só para nós e nos perdemos como o narciso que se afoga na própria imagem.

Precisamos olhar verdadeiramente para Cristo para enxergar melhor as pessoas, mas talvez nossos olhos estejam presos nas telas. E sem ver Ele, é impossível ver qualquer outra coisa.

  • Gabriela Prilip, 28 anos, casada. Artista, formada em marketing, pós graduada em Ciências do Consumo e Neurociências. Atualmente estudante de Psicologia. Congrega no Projeto 242.

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