Por Lucas Peterson

Tenho refletido nesses dias de isolamento sobre o silêncio conivente dos crentes.

Não são todos, você poderá me alertar. De fato, não são todos, mas não são poucos.

É curioso, logo os crentes, que tanto defendem a bandeira da vida. Não é preciso esforço para recordar de como se indignam com a questão do aborto. Se mobilizam, protestam, se articulam. Mas, parece que outras mortes não os chocam tanto.

Não causa revolta, por exemplo, o assassinato do menino João Pedro, de 14 anos, negro, periférico, evangélico (!). Morto pela força da violência do Estado. Morto pelas costas com um tiro de fuzil, enquanto brincava em casa, durante uma ação da Polícia.

Silêncio!

Os irmãos também ficam em silêncio, muitas vezes, e não levantam as suas vozes para combater o machismo. A assustadora realidade que revela que durante a pandemia as taxas de violência contra a mulher e de feminicídio aumentaram mais de 40% no estado de São Paulo. Logo os seguidores de Jesus, que impediu que a mulher adúltera fosse apedrejada (João 8), que perdoou os pecados da mulher pecadora e a ela deu salvação e paz (Lucas 7).

Silêncio!

Não ouvem os gritos de dor e de morte de tantos e tantas lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros. Será que o fato de entendermos que a Bíblia condena o pecado da “prática homossexual” é justificativa para não andarmos ao lado deles? Para não oferecermos ajuda, acolhimento? Para não conhecermos e partilharmos das suas dores? Afinal, se eles estão em pecado, não foi justamente para eles que Jesus veio? Pois Ele mesmo disse que não veio chamar justos, mas pecadores, ao arrependimento (Lucas 5:32).

Silêncio!

Se calam diante da realidade de pobreza do nosso país. Uma realidade que, me perdoem a franqueza, é demoníaca! Nosso país tem se mostrado incapaz de enfrentar a pandemia do novo coronavírus. Um país em que muitos sequer têm o direito de escolher praticar o isolamento em suas casas. Muitos nem têm uma casa. Lutam agora contra o frio e contra o vírus invisível nas ruas das cidades. Outros tantos não têm dinheiro para ficar em casa. A família grande, a falta de saneamento básico, os poucos cômodos do barraco, o auxílio do governo que não chega ou não basta, a comida que se esgota. Precisam sair pra trazer o pão.

Silêncio!

Basta!

Um livro oportuno aos nossos dias é o do profeta Amós. Em que Deus revela que está farto dos cultos e das reuniões religiosas do seu povo. Que não aguenta mais ouvir as mesmas musiquinhas todo domingo (cap. 5:21–23). Em vez disso, Ele deseja uma grande inundação de JUSTIÇA e que um rio inesgotável de RETIDÃO corra no meio do povo.

O livro começa dizendo que “de Sião o Senhor ruge”. O texto compara Deus a um leão e diz que do monte (Sião) Ele ruge. O leão ruge não depois de pegar a sua presa, mas ele ruge justamente antes disso19, para assustar a presa, para pôr medo no alvo do seu ataque. Alvo esse que o livro deixa bem claro que são os opressores, que são os causadores de tanta injustiça.

O Senhor da Igreja promete justiça. O Senhor da Igreja promete pôr fim às injustiças. A todas elas.

O rugido do leão contrasta crua e duramente com o silêncio dos crentes.

  • Lucas Peterson Magalhães, 27 anos. Formado em Direito, participa da Comunidade Evangélica em São Bernardo do Campo (SP). Texto publicado originalmente em seu Medium.

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