Por Jean Francesco

Eu nasci numa família que muitos brasileiros poderiam chamar de “normal”, o que não esconde o fato de ser uma realidade triste. Minha mãe me teve aos trinta anos de idade e, meu pai biológico, até hoje não sei quem é. Aqui no Brasil existem mais de 22 milhões de mães solteiras. São famílias constituídas de mãe e filhos, pois muitos homens simplesmente abandonam suas parceiras após a notícia da gravidez. Eu fui só mais um nas estatísticas.

Entretanto, minha mãe me criou com muito zelo, disciplina e dedicação. Sozinha, trabalhava em dois e, às vezes, três empregos para dar conta das necessidades do lar. Por causa disso, passei boa parte da minha infância sozinho trancafiado dentro de casa, sem irmãos, sem muitos amigos e sem um pai. Apenas ia à escola, voltava pra casa e a rotina se repetia semanalmente. Acho que devido à grande intensidade do trabalho, minha mãe era muito estressada, por isso brigávamos muito. Eu não era um dos filhos mais legais de se ter, isso me fez apanhar bastante na infância.

As coisas mudaram quando minha mãe se casou. Aos nove anos de idade conheci meu novo pai, e esse realmente era um pai de verdade, pois não apenas ajudou a me criar, ele me amava e passava pelo menos os fins de semana ao meu lado. Quantos domingos à tarde no parque brincando no carrinho de bate-bate, comendo doces e empinando pipas. Agora, pelo menos, eu tinha alguém para me defender das cacetadas que minha mãe constantemente me dava, embora, pensando bem, eu não tire as razões dela para isso.

Por outro lado, meu pai também era um homem difícil. Infelizmente, mais uma vez, éramos uma família brasileira “normal”, pois meu pai tinha problemas seríssimos com alcoolismo. Era, sem dúvidas, um homem muito trabalhador que acordava às 5h da manhã e chegava em casa após às 23h, mas lembro que, na maioria das vezes, chegava embriagado, “trocando as pernas”.

Assim, o mau relacionamento com a minha mãe, as brigas, o vício intenso do meu pai e o meu próprio gênio complicado fizeram com que eu me tornasse um menino rebelde. A desobediência, os palavrões, a violência na escola, com os amigos e dentro de casa, me tornavam um rapaz perigoso – além do fato de já estar com 1,85m de altura apenas com doze anos de idade.

Durante essa rebelião e loucura da adolescência, encontrei alguns escapes que me ajudaram a entender a mim mesmo e a descarregar toda aquela ira. A primeira coisa foi a guitarra, a segunda foi o heavy-metal, a terceira foi o basquete. Muitos shows, muitas bandas, muitos amigos, muito barulho, muitas competições e muito suor derramado em quadra.

Graças a Deus nunca me senti atraído pelas drogas. Nunca gostei de beber, nem de ficar chapado – diferente da maioria das pessoas com quem eu andava. A única coisa que experimentei por algum tempo foi o cigarro, escondido da minha mãe, mas nada que me deixasse tão feliz assim.

Foi nessa época, por incrível que possa parecer, que fiz minha Primeira Comunhão, obviamente a contragosto. Até aquele momento, assuntos religiosos nunca haviam me impressionado ou emocionado, mesmo assim decidi, como bom filho, obedecer minha mãe e participar da Eucaristia, mesmo que apenas uma única vez.

O término de minha breve relação religiosa se deu no dia anterior à Primeira Comunhão, durante a confissão. O padre me perguntou quais eram os meus pecados e eu, honestamente, listei-os um a um. Ao final, de um jeito não muito simpático, ele disse as seguintes palavras: Treze ‘Ave Marias’ e dezessete ‘Pai Nossos’. Ajoelhei-me diante do altar e quando estava na décima Ave Maria fingi que havia terminado e demonstrei um sorriso no rosto. Depois daquele dia, havia me declarado oficialmente ateu, porque raciocinei que aquele tipo de experiência religiosa mecânica não fazia sentido para mim.

As coisas pioraram bastante quando minha mãe virou crente. Era como se meu maior pesadelo tivesse se tornado realidade: o rádio ligado no último volume todos os dias tocando músicas evangélicas, com pastores gritando mais alto do que os cantores de metal que eu curtia, línguas estranhas, petição de dinheiro o tempo todo. Eu pirei. As brigas entre minha mãe e eu aumentaram consideravelmente. Minha mãe tentou levar meu pai e eu à Igreja, mas sem sucesso.

Com muita loucura na cabeça e profunda infelicidade no coração, passei a confrontar minha mãe mais diretamente e, em algumas vezes, usei de violência para com ela. Devido à repetição dos embates, ficava chorando trancafiado dentro do meu quarto. Foi então que comecei a pensar no suicídio como uma boa escolha. Sonhava com a minha morte quase que diariamente, mas não tive coragem de acabar com a minha vida.

Para piorar as coisas, meu pai saiu de casa com a suspeita de ter cometido um crime hediondo. Sem entender direito as coisas, fui vivendo a vida normalmente. A saudade começou a apertar e o mais triste foi perceber os dias passando, meu aniversário chegar e não receber nenhuma ligação de “feliz aniversário” dele. Foi então que ficamos sabendo de algo trágico: meu pai havia morrido. Diante do tribunal foi considerado culpado e morreu de infarto após o juiz bater o martelo. Imagina como o menino que tinha acabado de completar 14 anos ficou? Eu não sabia fazer outra coisa senão chorar.

No entanto, em meio ao caos, comecei a perceber que Deus era real. Lembro-me de ter chegado de um show durante a madrugada, deitado na cama, mas sem conseguir dormir. Levantei, assaltei a geladeira e comi um “Danoninho” enquanto admirava as estrelas pela janela. Ao voltar para o meu quarto, ouvi um barulho estranho: “Sziff, Sziff” (acho que era assim). Logo pensei “tem ratos aqui em casa”. Voltei para a cozinha, peguei uma vassoura e fui atrás dele. Para minha surpresa, o barulho vinha do quarto da minha mãe. Abri a porta bem devagar, esperando pegar o rato, mas o que vi foi uma mulher de joelhos chorando, balbuciando a seguinte frase: “Jesus, Jesus, salva meu filho”.

Voltei imediatamente para a cama, coloquei a cabeça no travesseiro e, pela primeira vez falei com Deus: “se é verdade que Você existe, amanhã no mesmo horário irei ver se minha mãe continua orando pela minha salvação”. Dias depois, e sem me recordar da breve oração que havia feito, a insônia voltou. Levantei mais uma vez, fui até a geladeira e saquei mais um Danoninho. Ao retornar, o mesmo barulho estranho ressoava mais uma vez. O resto você já sabe… era novamente minha mãe ajoelhada na madrugada pedindo a Jesus repetidamente para que salvasse a minha vida. Dormi com este barulho na mente. Chorei amargamente. De um lado, quebrantado pelo amor da minha mãe, de outro, por me questionar se Deus realmente existia.

Uma semana depois, ainda angustiado e triste pela morte do meu pai, recebi um convite de um amigo que, àquela altura, tinha se tornado um dos meus melhores amigos e fonte de ânimo para a minha vida. Ele disse: “domingo de manhã tem culto na minha igreja, você não quer ir comigo?”. Eu pensei, pensei, não sabia o que responder. Ele continuou: “Tem um jovem lá que toca guitarra como você; fica tranquilo que meu avô passa na sua casa e leva a gente até lá”. Sem pensar duas vezes, aceitei o convite.

Aos 14 anos de idade, pela primeira vez pisei numa igreja evangélica, a Igreja Presbiteriana da Penha, na cidade de São Paulo. Sentei nos fundos, prestei atenção em tudo: nas músicas, na pregação, na aula da Escola Bíblica. Foi uma experiência bem diferente se comparada aos shows do Deep Purple, Iron Maiden, Korn e System of a Down, mas, sem dúvidas, aquilo alimentou a minha alma de alguma forma.

Continuei indo aos cultos, ouvindo os louvores, prestando muita atenção nas pregações – e às vezes eu não entendia absolutamente nada –, e certo dia meu coração foi “pego pela jugular”. Não lembro direito quem ou quando, nem a data, mas uma voz passou a ecoar na minha mente incansavelmente: “entregue-se a mim”. Mas eu ainda estava muito confuso para tomar qualquer decisão.

As coisas mudaram num domingo, após um dos cultos. Cheguei até a nossa casa e fui esquentar algo para comer. Durante o período de esquentar as panelas, ligar o micro-ondas e fritar um ovo, duas vozes falavam comigo claramente. A primeira dizia: “Jean, você é um rapaz jovem, é livre e tem a vida inteira pela frente. Que tal curtir a sua vida, as mulheres e a música e deixar Deus de lado por um instante? Depois, aos quarenta anos, você volta à Igreja e vive uma vida certinha”. A segunda voz, por outro lado, falava mais forte: “Filho, eu te fiz para mim mesmo. Você nunca encontrará paz em lugar nenhum a não ser comigo. Deixe tudo para trás e comece uma nova vida agora. Eu irei te mostrar o que é viver de verdade”. Não sei se foram exatamente estas palavras, mas com certeza elas traduzem a ideia: “entregue-se a mim e eu te ensino como viver”.

A confusão tomou conta de mim por algumas horas, até que deitei no sofá e peguei no sono. Em sonho, passei a perceber que as duas vozes que falavam comigo representavam as vozes da minha consciência. De repente, acordei e com o coração queimando por dentro, ajoelhei-me ao pé do sofá, entreguei minha vida a Jesus e tornei-me cristão. Essa foi minha segunda oração na vida: “Senhor Jesus, a ti entrego a minha vida, cancela o meu passado, refaz a minha vida e me leve para onde o Senhor quiser”.

Aquilo foi só o início da minha entrada na fé cristã. Tempos depois comecei a tocar guitarra na igreja, fui batizado e estive muito envolvido com o trabalho dos jovens. Aos 17 anos senti o chamado de Deus para ser pastor – também uma longa história. Estudei, fui ordenado, e hoje, enquanto escrevo esse relato, trabalho como um dos pastores da mesma igreja que me apresentou Jesus.

Um pouco mais velho e com uma fé mais madura, posso dizer que não me arrependo nem por um segundo de andar com Deus e viver para a sua glória. Como disse um cristão do passado, Matthew Henry, no seu leito de morte: “uma vida investida em comunhão com Deus é a vida mais prazerosa do mundo inteiro”. Essa é minha história, e desse Caminho não quero sair nunca mais.

  1. É uma história de superação e com um final muito lindo e que Deus trabalha na nossa vida do jeito dele especial e ele é o Deus do impossível, e quando escolhemos estarmos ao lado de Cristo a nossa vida tem um novo sentido e tudo se torna luz,parabéns Pastor Jean que Deus continue a te abençoando. ..

  2. Muito edificante, me identifico com muito dessa história. A forma que Cristo realiza em nós a sua obra é arrebatadora, impossível existir espaço para arrependimento de uma vida transformada para louvor da sua glória.

  3. Rev. Silas Daniel de Paulo

    Belíssima história de uma vida transformada por Cristo. Deus derrame graça abundantemente para alcançar muitas almas assim como Ele o alcançou.
    E o que aconteceu com sua mãe. Ela continuou na igreja dela ou hoje também é uma serva de Deus na IPB?

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