Foto: Rebeca Lima

Foto: Rebeca Lima

Por Rebeca Lima

Era um dia de chuva bom de dançar, bom de dormir, bom de trabalhar, bom de viver. Estava me propondo a uma composição coreográfica e como de costume, coloquei uma música do meu gosto e dividi uma hora entre aquecimentos e alongamentos. Tudo normal. Rotina. Estava tudo milimetricamente organizado. Eu iria pra universidade, ficaria lá das 14h às 16h compondo com base em um poema que me atrevi a fazer (experimental, sempre experimental no sentido de experiência mesmo).

E do que eu iria falar? Que dança eu pensava ser aquela? Na minha cabeça já estava tudo resolvido, seria uma dança com base no que eu escrevera que falava sobre corpo, experiência e Graça. Sim, Graça. Tudo bem, já havia se passado mais de um ano que eu escrevera aquele poema. Agora era só olhar as estrofes, pensar sobre como essas palavras surgem no corpo e ponto. Teríamos uma bela composição e ainda poderia me render boas repercussões, certo? Não. Não mesmo.

A dança e Deus. Os dois me surpreendem sempre, toda a vez. Não consigo prever nenhum deles. Eu já deveria saber que toda a vez que entro no estúdio, não sei o que vai sair dali; eu já deveria saber que eu não sei dançar sobre Graça e que ainda não inventaram uma disciplina dessas na grade curricular (eu bem acho que a Graça nunca se fecharia em um lugar chamado grade). A frustração foi total: eu já aquecida e alongada em um estúdio que não se encontra facilmente por aí, com uma música de fazer voar em uma potência de som maravilhosa, sem saber dançar. Não saía nada, nada aconteceu, nada.

Ora, pois (diria minha mãe), o que houve? Há pouco tempo eu fizera a mesma prática com o poema de outra criatura (e era poema dessas criaturas que as pessoas levam a sério) e ficou tudo tão como tinha que ficar! Voltei pra casa “amuada” (perguntem pros mineiros o que é isso) e já não queria mais nada de dança, inclusive avisei o moço que queria virar jardineira.

Então eu reli o poema que tinha escrito e me lembrei a que dança eu estava me propondo. Não era dança dessas que eu preciso fazer todo o semestre pra fechar a nota, era uma dança OUTRA, era a dança em que eu estava querendo falar sobre Graça e liberdade. Não que todas as outras não sejam reflexos da Graça, mas essa ERA e estava se propondo a falar SOBRE.

Foi aí que percebi que nesses assuntos não tão convencionais, as pesquisas literária, corporal, psicológica ou qualquer outra possibilidade palpável não são o suficiente. Eu queria que o meu corpo dançasse sobre perdão, peso, liberdade e misericórdia. Nada disso tinha na biblioteca da UFV (Universidade Federal de Viçosa). Entendi que se quero me propor a falar sobre tudo isso, devo contar com o imprevisível e com a liberdade também imprevisível de Deus.

Continuo tentando entender que corpo Deus quer que eu leve ao estúdio. Se o corpo pra isso é o da experiência da liberdade e da Graça, acredito que isso deve estar em harmonia com o resto da minha vida. Caso contrário é bom eu me voltar ao projeto em que eu falo de espaços e vãos, mais fácil.

Naquele dia entendi um pouco mais sobre a Graça e, apesar do desapontamento por não conseguir praticar a dança que me era tão necessária, era nítido o cuidado e a lição que Deus me propusera: você não pode fingir sensações de Graça e liberdade. Não há como simular a liberdade em Cristo, a menos que você a esteja experimentando verdadeiramente.

• Rebeca Lima tem 22 anos e é estudante de Dança na Universidade Federal de Viçosa (UFV), em Viçosa (MG), onde atua como bailarina e pesquisadora em arte-educação. Ela também faz parte do Coletivo de Arte Severina, nascido na ABU (Aliança Bíblica Universitária).

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