Amor e fúria
Antes da luz, a escuridão. “A terra era sem forma e vazia; trevas cobriam a face do abismo”.
Antes do parto, a ausência de afeto. “Não é bom que o homem esteja só”.
Antes da Boa Nova, a Velha Mentira. “Certamente não morrerão!”.
Antes da manjedoura, a violência. “Sou eu responsável por meu irmão?”
Guerras, egoísmos, falta de caráter, desconfianças… A História é cruel. A vida é vazia. “Tudo é correr atrás do vento”.
Mas ele nasceu. Veio a luz. Aí está o Menino-Deus! “O que será deste menino?” “Uma lança transpassará tua alma”.
Mas nem todos o acolheram. “E os seus não o receberam”. Não há motivos para mascarar quem somos. Se dependesse de nós, não comemoraríamos o Natal.
No templo, ainda criança, dialogou, buscou o conhecimento, mesmo que por vezes incompreendido. E dialogou até com o Diabo. Venceu a manipulação, superou a tentação do poder.
No solo sujo do nosso coração, ele cresceu. Menino que virou homem. A expressão exata de Deus Pai.
Foi batizado. E a Trindade se encontrou! “Este é o meu Filho amado em quem tenho prazer”.
Ele andou, percorrendo todos os lugares, tocando todas as pessoas, curando-as, amando-as… até o fim.
Suas palavras eram vida. Seus milagres, libertação. Seu amor, salvação.
Teve sede. Teve fome. Quem deu a ele o que beber e o que comer? A gota do vinagre foi o símbolo do escárnio e da rejeição.
Ele morreu. As trevas voltaram. Terremotos mostraram que o mundo não é neutro. Não há ingenuidade. A guerra é real.
Mas eis que nasce o sol da justiça, e em suas asas, a ressurreição. Nada consegue aprisionar aquele que é liberdade, que é eternidade.
Natal: história de amor e fúria. No compasso da delicadeza do nascimento, o descompasso do horror da morte dos meninos. “Por quê?”, gritam as mães.
No suspiro de esperança pelo Messias que finalmente chega, a resiliência de quem ainda não consegue sair do quarto escuro da alma. Na alegria das canções natalinas, a dor da ausência de quem se foi cedo. Na mesa farta da família, a fome dos rejeitados.
Natal: ato surpreendente, quase que inacreditável. Ele veio! Fez-se gente, habitou entre nós. E vimos sua glória como a do Unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade.
Celebramos o segundo Gênesis, novo início, sem trevas, sem vazio, sem solidão. E a despeito da História que ainda testemunha contra nós, eis o broto que surgiu, resistente à morte do tronco.
E no mundo de hospedarias lotadas, eis que surge a luz. Sim, é hora de abrir a porta.
EDUARDO
Lissânder é um dos poucos que tenho respeito editorial em ULTIMATO. Com frequência responde a minhas críticas, sabe ser cordato. Isso não quer dizer que concordo com ele. A rigor, discordo na maioria das vezes.
Ainda que eu ache uma distorção da chamada ‘natividade’ essas suas perorações que vão do Gênesis ao Apocalipse, uma pessoa que não tivesse conhecimento da bíblia, não em suas lições morais, mas em seu arcabouço revelatorio, apreciaria a pontuação do antigo atualizado com uma observação pontual na revelação. Por exemplo, ‘Antes da Boa Nova, a Velha Mentira. “Certamente não morrerão!”.’ Esse cotejar de textos ajuda.
Lissânder Dias
Obrigado pelas considerações, meu caro Eduardo!
Um abraço,