Tiros no pé
O gesto suicida, não obstante louco, pode estar ocorrendo entre nossos pensadores evangélicos. Para efeito de provocação, listo abaixo alguns deles:
Tiro no pé nº 1
Fragmentação do discurso: a custa de um aspecto importante da reflexão, muitos pensadores estão menosprezando outros pontos fundamentais para a iluminação completa. Por exemplo: para valorizar a comunhão, despreza-se a dimensão institucional e histórica da igreja. É como cobrir a cabeça e descobrir os pés. O mesmo pode-se afirmar sobre a espontaneidade nas expressões litúrgicas em detrimento à valorização da tradição simbólica. Ou a necessidade urgente de defender a fé, enquanto não buscamos o auto-exame sobre nossas falhas. É tiro no pé porque se sustentarmos essa postura incoerente, ficaremos tão divididos quanto qualquer outra pessoa.
Deus nos chama para participar da sua obra de reconciliação em Jesus Cristo (2 Co 5.19). E isso significa, entre outras coisas, reconciliar todos os aspectos do pensamento humano. Há diferença entre oposição e dicotomia. A primeira é real, a segunda ilusão.
Tiro no pé nº 2:
Desprezo com o absoluto das coisas: para agradar às agendas seculares, muitas vezes nos vemos assumindo a fala de que a verdade não é absoluta. Claro, não afirmamos com todas estas letras, mas na prática já não acreditamos nisso. Pode parecer apenas uma discussão intelectual que não faz muito sentido hoje. Mas a verdade é que já não nos prostramos humildemente diante do fato de que Deus é absoluto e de que Jesus Cristo e sua Palavra são únicos. Isso não significa defender a intolerância e a falta de diálogo com outras crenças. Mas preste atenção: o mundo pede (talvez até clame) que nós assumamos o compromisso de dialogar com ele, personificando Jesus Cristo em nossas falas e ações, mas levando propostas claras e firmes. Não é possível ignorar o fato de que a verdade é uma pessoa (e, portanto, é única), e que tem o poder suficiente de gerar transformações absolutas (Jo 8. 31-32). Desprezar o absoluto das coisas é tiro no pé porque não suportaremos a confusão de idéias no caldeirão do pensamento contemporâneo. Muitos intelectuais não-cristãos, inclusive, já se tornaram completamente indiferentes a todas as ideologias porque eles mesmos não sabem no que crer.
Tiro no pé nº 3:
Ingenuidade diante do mercado: o espírito desta era nos seduz com presentes. O consumismo contamina a alma e vai mudando nossa sociedade, nosso estilo de vida e valores. Não se trata de críticas gratuitas ao Capitalismo, mas sim uma postura sensata e prudente diante do movimento perverso que transforma pessoas em coisas, beleza em ilusão e compaixão em egoísmo. O amor de Deus expresso em Jesus é de longe a maior prova de que não adianta ao ser humano ganhar o mundo inteiro e perder a alma (Mc 8.36) e de que o dinheiro não compra a vida (Mt 6.24). Essa ingenuidade é tiro no pé porque a ganância roubará de nós a beleza do serviço e tornará nossa espiritualidade vazia e utilitarista.
Gustavo
Mano, uma tentativa de confissão de fé pós-neo-ultra-advanced-plus-hetero-moderna (sinais dos tempos):
Creio que a tradição é importante, não o tradicionalismo;
Creio que a dimensão histórica da igreja é relevante, não o institucionalismo;
Creio que a comunhão é essencial, não o ajuntamento banal;
Creio que o controle é uma ilusão, e a entrega é libertação;
Creio que a cruz é o caminho, e a renúncia de si é o pedágio;
Creio que sou aquele que não é, diante daquEle que é;
Creio que o caminho leva a uma pessoa, não a um lugar;
Abraços,
De um caminhante!
Lissânder Dias
Muito bom, mano! Eu digo “amém”.