Opinião
- 22 de novembro de 2011
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Tudo em comum
Em uma época encharcada pelo individualismo dos sonhos consumistas e, ao mesmo tempo, por uma crescente necessidade de relacionamentos (bem evidenciada pela era das redes sociais digitais), podemos perguntar: qual o papel da Igreja Cristã como agente comunitário do reino de Deus para o mundo?
Aproveitamos a chegada do nosso novo livro Refeições Diárias – no partir do pão e na oração, e iniciamos nesta semana a campanha Tempo de ser igreja. Até o final deste mês, você poderá ler e refletir sobre a igreja em missão. O primeiro artigo que publicamos é de autoria do pastor Ricardo Barbosa de Sousa. Leia abaixo.
Tudo em comum
No livro dos Atos dos apóstolos há um pequeno trecho que descreve de forma magnífica a natureza e qualidade de vida da primeira comunidade cristã em Jerusalém (At 2.41-47). A descrição é fascinante, impressiona qualquer um que a lê, até mesmo os mais céticos e descrentes. O que vemos ali é o reino de Deus em ação, a concretização da oração que Cristo ensinou: “Venha o teu reino; faça-se a tua vontade, assim na terra como no céu...”.
Este relato contrasta com a história de uma outra comunidade (Gn 11.4), que decidiu construir uma torre que alcançasse os céus e fizesse seus nomes célebres e famosos. Falavam a mesma língua e tinham um projeto em comum, mas, em vez de criarem uma comunidade, criaram um altar para sua auto-exaltação. Este relato da Torre de Babel está presente na vida de todos nós. Na educação, política, trabalho e nos púlpitos de nossas igrejas, todos nós estamos construindo nossas torres, empenhados em tornar nossos nomes célebres. Queremos construir nosso próprio reino.
O Pentecostes tornou possível o reino de Deus entre nós. O povo de Atos 2 começa a viver o seu êxodo, dá os primeiros passos rompendo com o jeito que se vivia no “Egito” para viver o novo jeito ensinado por Cristo, e faz isto de forma natural e sincera, impulsionado pelo chamado de Cristo e pelo poder do Espírito Santo. A promessa do Espírito não foi para que os primeiros cristãos tivessem poder para se autopromoverem, mas para reafirmarem os feitos e o caráter de Cristo. Era um novo tipo de comunidade que nascia de um novo tipo de pessoa. Muitas vezes queremos uma igreja diferente que nos faça diferentes, mas não queremos ser pessoas diferentes que constroem uma comunidade diferente.
O relato de Atos nos diz que eles “perseveravam na doutrina dos apóstolos…”, que “diariamente perseveravam unânimes no templo”. Alguns tinham largado tudo e dedicado dois anos e meio de suas vidas para seguirem a Cristo. Eles permaneceram em Jerusalém da ascensão até o Pentecostes aguardando a promessa do Espírito. Era uma comunidade de cristãos disciplinados. A graça não se opõe à disciplina; pelo contrário, é a disciplina espiritual que sinaliza nosso desejo espiritual. A igreja sofre quando tentamos viver sob a direção do Espírito Santo, mas sem disciplina, como também sofre quando tentamos viver com disciplina, mas sem o Espírito Santo.
Era uma comunidade totalmente comprometida em tornar Jesus Cristo conhecido. Tudo nela apontava para Cristo. Suas orações, o partir do pão, o cuidado que tinham para com os outros, sua pregação e seu testemunho, a alegria da comunhão, a renúncia dos bens, enfim, tudo em suas vidas e ações apontava para Cristo.
O Êxodo continua. Estamos a caminho do céu. O testemunho dos dois varões vestidos de branco foi: “Esse Jesus que dentre vós foi assunto ao céu virá do modo como o vistes subir” (At 1.11). O mesmo Jesus que viveu entre nós, morreu pelos nossos pecados e ressuscitou para nossa esperança vai voltar e estabelecer definitivamente seu reino entre nós. Enquanto isto, somos chamados para ser sal da terra, luz do mundo e ovelhas no meio de lobos. Olhamos para o mundo, cultura, família, juventude, infância, guerra, drogas, prostituição, violência, desesperança, solidão, desespero, e percebemos que a humanidade precisa urgentemente de uma nova esperança.
O problema é que, quando olhamos para a comunidade de Jerusalém, reconhecemos, lá no fundo, um sentimento ambíguo. É um modelo de comunidade que admiramos, mas não queremos. Admiramos o amor sacrifical deles, mas não é este o tipo de amor que buscamos. Admiramos sua vida abnegada, mas não estamos dispostos a abrir mão do que temos por amor ao próximo. Achamos extraordinário o fato de que tinham tudo em comum, mas não abrimos mão de nosso individualismo. Confessamos a doutrina dos apóstolos, mas a negamos na prática. No fundo, não queremos uma comunidade assim. Mas ela é possível e o mundo anseia por ela.
Nota
Artigo publicado originalmente na revista Ultimato nº 312 (maio-junho/2008).
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Pastor da Igreja Presbiteriana do Planalto e coordenador do Centro Cristão de Estudos, em Brasília (DF). É colunista da revista Ultimato e autor de A Espiritualidade, o Evangelho e a Igreja, Pensamentos Transformados, Emoções Redimidas e O Caminho do Coração.
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