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- 14 de janeiro de 2013
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Quando um louco chega à Cidade da Loucura
Foi em 1966. Eu me decepcionei com São Paulo e me mandei para Barbacena, em Minas Gerais, que era chamada a “Cidade da Loucura”, embora fosse também a cidade das históricas famílias Bias Fores e Andradas e da sede da famosa Escola Preparatória de Cadetes do Ar. Era conhecida como a Cidade da Loucura por causa da vergonha do Hospital Colônia de Barbacena, que mais parecia com um campo de concentração da Segunda Guerra Mundial. A semelhança era inegável porque, assim como os judeus eram levados a Auschwitz de trem, os “doidos” de Minas Gerais eram levados para a estaçãozinha daquele hospital pelo chamado “trem dos doidos”. Por brincadeira ou não, colocava-se em jogo a saúde mental do indivíduo que se mudasse para Barbacena. Ir para Barbacena em Minas era a mesma coisa que ir para Juquery (um dos maiores complexos psiquiátricos do país) no Estado de São Paulo. Barbacena só deixou de ser a Cidade da Loucura quando o antigo depósito de alienados se transformou no Museu da Loucura, em 1996, trinta anos depois de minha chegada à cidade.
Por ter me mudado para Barbacena com a perna direita engessada do pé à virilha, eu respondia à brincadeira com outra brincadeira: “Para eu não ficar com uma perna menor que a outra, o cirurgião colou os dois pedaços de minha tíbia com dois parafusos tirados da cabeça”. Isso explicava a minha “loucura”.
Parecia ser uma loucura deixar São Paulo e ir para Barbacena. Não fomos para aquela cidade nem no início, nem no meio nem no fim do ano, quando a transferência de uma escola para outra, sobretudo de um estado para outro, é mais tranquila, mas em meados de setembro. Todavia, não tivemos a menor dificuldade em matricular Júnia (7 anos), Lênia (6), Klênia (5) e Délnia (3) no Grupo Escolar Bias Fortes. Gínia, a caçulinha, que tinha acabado de nascer (7 meses), continuaria analfabeta por mais algum tempo.
Outra loucura era de ordem financeira, talvez a maior de todas. Nos oito meses que eu era o pastor encarregado de organizar uma nova igreja no bairro do Planalto Paulista, perto da Praça da Árvore, em São Paulo, a convite da Igreja Presbiteriana do Calvário, no Brooklin Paulista, cujo pastor era o Rev. Boanerges Ribeiro, que, naquele ano foi eleito pela primeira vez presidente do Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana do Brasil – eu recebia um salário muito bom, melhor do que qualquer outro anterior (além do aluguel da casa). Mas, como a mudança para Barbacena foi brusca, sem planejamento, apoiei-me, não no profano e irresponsável “Deus dará” para obter o sustento da família, mas no sagrado e prudente “O Senhor proverá” (Jeová Jiré). E deu certo. Os pastores do meu presbitério (Presbitério de Campos), cada um deles destinou Cr$ 50,00 (cruzeiros) de sua folha de pagamento para formar meu salário. Pouco mais de um ano depois, a Junta de Missões Nacionais da Igreja Presbiteriana do Brasil assumiu jurisdição sobre o campo missionário de Barbacena e sobre o meu salário.
Poucos meses depois do início da “loucura”, o agrônomo e guia leigo metodista, Flamarion nos emprestou um terreno de esquina no centro da cidade e nele construímos um templo para mais de cem pessoas, onde comecei a pregar o evangelho. O programa radiofônico na Rádio Barbacena demorou mais um pouco, mas saiu.
Fui “grávido” para Barbacena. Eu estava esperando o meu único filho homem – o jornal “Ultimato” (que depois de oito anos, naturalmente por pressão da esposa e das filhas, tornou-se mulher, quando passou a ser a revista Ultimato e não o jornal Ultimato...). Foi uma gravidez demorada. Durou 18 meses, o dobro da gravidez feminina, pois a concepção se deu em junho de 1966, quando eu ainda estava em São Paulo, e o nascimento da “criança” aconteceu no dia 13 de janeiro de 1968. Isso quer dizer que Ultimato nasceu na Cidade da Loucura.
A minha gravidez começou quando o presbítero Paulo César me pediu para escrever a história de alguns jornais presbiterianos antigos para publicar no Brasil Presbiteriano. Depois de uma cuidadosa pesquisa, descobri que quase todos vieram a lume para evangelizar o Brasil. O Imprensa Evangélica, o primeiro jornal protestante de toda a América do Sul, por exemplo, dizia em seu primeiro número (novembro de 1864): “O anúncio do evangelho não pode depender só do púlpito”. O Púlpito Evangélico, lançado dez anos depois (1874) surgiu com o propósito de levar “as mesmas doutrinas que chamam ao arrependimento” a milhares de leitores, já que “o número de pregadores é ainda pequeno”. Um terceiro jornal, o Salvação da Graça (1875), nasceu com o objetivo de “chamar os homens das trevas para a luz, guiar os pecadores ao Salvador e edificar na verdade”. O Evangelista (1885), como o nome diz, tinha a ideia fixa de evangelizar. Antes de se tornar um jornal denominacional, O Puritano, lançado pela Associação de Propaganda da Igreja Presbiteriana do Rio em 1898, pretendia fazer propaganda do evangelho (não de igreja), numa época em que apenas 0,3% dos 700 mil habitantes da velha capital freqüentavam os templos evangélicos. Por último, a revista Fé e Vida, fundada por Miguel Rizzo Jr em 1930, apareceu para evangelizar a elite (tinha o mesmo formato de Seleções). Acordei, então, para o fato de que naquela década (1960) os periódicos eram muitos e de boa qualidade, mas em geral só visavam os leitores crentes e serviam suas próprias denominações. Essa dupla constatação fez nascer em minha cabeça a pálida ideia de suprir a lacuna e fundar um jornal que chamasse a atenção de crentes e não-crentes. Foi aí que eu me “engravidei”.
Foi também na Cidade da Loucura que a criança recebeu o nome de Ultimato, graças a um incidente muito curioso. Eufórico por ter conseguido, com a ajuda do deputado e presbítero Athos Vieira de Andrade, o primeiro programa radiofônico evangélico na história de Barbacena, na Rádio Correio da Serra, quando fui fazer o primeiro programa, o deputado Andradinha, da mesma bancada de Athos, dono da emissora, me chamou à parte e me disse que teria que voltar atrás na concessão do horário (que não era de graça) porque havia recebido um ultimato do cônego Hilário, da Basílica de São José Operário: se os protestantes entrassem, ele deixaria de apresentar o seu programa católico. Impressionado com a força de um ultimato e lembrando as palavras gravadas na parede de nosso templo em Barbacena – “Busquem o Senhor enquanto é possível achá-lo” (Is 55.6) – entendi que era esse o mais apropriado nome para dar ao jornal prestes a nascer. Até então, eu não havia encontrado o nome que deveria dar ao jornal. Naquela extraordinária manhã, perdi o programa de rádio, mas ganhei o nome da “criança”, que nasceu poucas semanas depois e que ontem (13 de janeiro de 2013) completou o seu 45º aniversário.
Deus favoreceu o povo judeu e a nós ao se revelar por meio de diferentes nomes que permitem uma visão sem igual do seu amor e retidão: Jeová Jiré (“o Senhor proverá”), Jeová Nissi (“o Senhor é a minha bandeira”), Jeová Samá (“o Senhor está aqui”) e Jeová Sabaoth (“o Senhor dos Exércitos”). Se não for pecado agradar-se mais de um do que dos outros, eu escolheria o primeiro, Jeová Jiré, por lembrar a provisão do carneiro para o lugar de Isaque no sacrifício que Abraão deveria oferecer a Deus. A pergunta de Isaque ao pai, quando ambos subiam o monte Moriá, foi muito lógica: “Meu pai, as brasas e a lenha estão aqui, mas onde está o cordeiro para o holocausto?”. E a resposta de Abraão foi também muito lógica: “Deus mesmo há de prover o cordeiro para o holocausto, meu filho” (Gn 22.7-8). A lógica não do mundo natural, mas a lógica da fé, explica certas loucuras de crentes, quando não há fanatismo religioso nem precipitação. A começar com a “loucura” de Abraão, o pós-doutor em fé, quando ele não hesitou em oferecer ao Senhor seu único e amado filho, que custou tanto a nascer.
Quando meu filho homem nasceu, não havia ainda o enxoval nem bercinho para ele. Escrevi ao conselho da Igreja Presbiteriana de Viçosa, da qual fui um dos fundadores e seu primeiro pastor, perguntando se a igreja poderia dar o empurrão inicial, pagando as despesas gráficas do primeiro número de Ultimato e a resposta foi positiva. Além disso, o conselho permitiu que o seu pastor (meu irmão Éber) usasse a Kombi da igreja para percorrer as cidades do Presbitério Leste de Minas para divulgar o jornal e angariar as primeiras assinaturas, com as quais começaríamos a manter financeiramente o periódico.
Em 1969, a Junta me transferiu para Porto Alegre (RS). No outro ano, fomos para Campinas (SP). Em 1971, o garoto de três anos foi malcriado comigo: “Não aguento mais ir de um lugar para outro. Que tal irmos para Viçosa, que me deu o enxoval e o bercinho?”. Foi o que fizemos. E o garotão, nascido na Cidade da Loucura, hoje é quarentão. Ele inventou um neologismo: o verbo “jeovajirar”, que quer dizer: “o Senhor proverá”. Assim, aquelas mulheres que preferiram o feminino em vez do masculino e toda a equipe atual da Ultimato dizemos a uma só voz: “jeovajirou” (o Senhor proveu)!
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Atualizado em 15/01/2013.
Elben Magalhães Lenz César foi o fundador da Editora Ultimato e redator da revista Ultimato até a sua morte, em outubro de 2016. Fundador do Centro Evangélico de Missões e pastor emérito da Igreja Presbiteriana de Viçosa (IPV), é autor de, entre outros, Por Que (Sempre) Faço o Que Não Quero?, Refeições Diárias com Jesus, Mochila nas Costas e Diário na Mão, Para (Melhor) Enfrentar o Sofrimento, Conversas com Lutero, Refeições Diárias com os Profetas Menores, A Pessoa Mais Importante do Mundo, História da Evangelização do Brasil e Práticas Devocionais. Foi casado por sessenta anos com Djanira Momesso César, com quem teve cinco filhas, dez netos e quatro bisnetos.
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