Opinião
- 25 de março de 2022
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O pietismo e o evangelicalismo brasileiro
Por Marcos Amado
“Escrever a história do pietismo é escrever a história do protestantismo moderno.” Michel Godfroid
“Escrever a história do pietismo é escrever a história do protestantismo moderno.” Michel Godfroid
Talvez sejam poucos os evangélicos brasileiros que são conscientes da influência que o Movimento Pietista dos séculos 16 em diante tiveram sobre nossas convicções teológicas e nossa prática missionária. De acordo com o Christian History Magazine (1986), “os pietistas estavam basicamente interessados na renovação religiosa do indivíduo, na crença na Bíblia como guia infalível para a fé e a vida, um compromisso completo com Cristo que deve ser evidente na vida do cristão, a necessidade de educação cristã através do uso fiel de ajudas devocionais, incluindo sermões e hinos, e, finalmente, uma preocupação em aplicar o amor de Cristo para aliviar as mazelas sociais e culturais da época”.
Esse movimento teve seu início na Europa, “invadiu” os Estados Unidos e proliferou por todas as partes do mundo onde missionários pietistas (europeus e norte-americanos) desembarcaram. O impacto positivo desse movimento (tanto na vida pessoal do cristão como na vida da sociedade) é impossível de ser descrito em um texto curto como esse. Porém, apesar de todos esses aspectos positivos, parece-me que nosso evangelicalismo deixou-se levar pela ênfase dada pelos missionários que nos trouxeram as boas novas no que tange a espiritualidade e santificação individual, assim como na esperança individual escatológica.
O resultado prático foi um forte chamado à separação do ‘mundo’ que pode acabar se manifestando “em um código ético rigoroso (moralismo), que às vezes leva ao perfeccionismo moral.” (Encyclopedia of Chistianity, Brill, 2005). Resumindo: espiritualidade e santificação individual, esperança escatológica individual, separação do mundo, código ético rigoroso e perfeccionismo moral. Alguma coisa errada com isso? Até um certo ponto, não. O problema não está nos conceitos em si, mas na práxis resultante da exacerbação desses conceitos.
Nossos cultos, conferências missionárias e literatura continuam fazendo um chamado à purificação interior, a um relacionamento mais íntimo com Cristo, a uma vida de oração mais intensa, a uma luta contra os desejos carnais, a um comportamento mais santo, a uma busca mais intensa pelo poder espiritual e pela manifestação de milagres (para mencionar apenas alguns). Queira Deus que nossa devoção e compromisso com Cristo comece ou continue a nos levar nessa direção. Precisamos demais dessa comunhão estreita com o Senhor. Mas, em um desvirtuamento do pietismo original, isso tem levado nosso evangelicalismo (assim como os púlpitos de muitas igrejas) a um cristianismo celestial, desencarnado, egocêntrico, individualista e intelectualmente preguiçoso. É mais fácil ensinar na escola bíblica dominical sobre hamartiologia e sobre o pecado individual do que sobre o pecado estrutural presente na nossa sociedade e nas forças espirituais malignas por trás disso. Tanto o pecado individual como o pecado estrutural precisam ser igualmente combatidos.
As bênçãos que eu espero do meu esforço devocional individual são para que eu me torne mais ‘santo’ (não aquela santidade mencionada em Levítico 19) e seja recompensado por isso, e não, necessariamente, para deixar as marcas dos valores do reino por onde eu passo. Acabamos transformando nosso cristianismo em uma ideologia pela qual eu serei galardoado de acordo com meu esforço pessoal. Como eu li recentemente em um livro, em vez de fazermos discípulos, conforme ordenado pelo nosso Senhor, saímos por este mundo afora ‘fazendo cristãos’. Cristãos que não entendem que nossa fé, além de prezar pela santidade individual e pela certeza do novo nascimento, é comunitária, pensa no próximo, não é individualista e, numa convicção humanamente utópica (mas que será concretizada no retorno do nosso Senhor), contribui (tanto quanto está ao nosso alcance) para que o nosso mundo tenha pelo menos alguns lampejos daquilo que veremos e experimentaremos no novo céu e na nova terra.
• Marcos Amado é missionário da Sepal, professor de missões do Seminário Teológico Servo de Cristo e fundador/diretor do Centro de Reflexão Missiológica Martureo. Fez seu mestrado em missiologia, com especialização em estudos islâmicos no All Nations Christian College, na Inglaterra. Serviu por mais de vinte anos em contextos transculturais junto a ministérios dedicados ao mundo muçulmano.
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