Opinião
- 07 de agosto de 2020
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Movimento brasileiro conecta a juventude cristã com a Missão de Deus
Por Lissânder Dias
Orientação, renovação e vocação com o Movimento Vocare
São Paulo (Brasil), novembro de 2012. Em uma pequena sala de aula emprestada de um Seminário Teológico se reuniu um pequeno grupo – a maioria jovens – tendo como pauta um sonho em comum. “Nosso desejo era ver muitos jovens cristãos levando a sério sua vocação, mas não sabíamos muito bem por onde começar”, lembra um dos participantes. Alguns ali tinham viajado de ônibus a noite toda para participar da conversa. Já haviam ocorrido outras reuniões um ano antes, mas dessa vez o grupo estava completo e motivado.
Daquela pequena reunião nasceu o que viria a ser o Movimento Vocare[1]. O que seria inicialmente um evento que relacionasse juventudes e vocação passou a ser um lugar de orientação, um renovo jovem no movimento missionário brasileiro e um espaço de desenvolvimento vocacional. O termo Vocare, no latim vocação, foi escolhido por traduzir a essência do que queremos.
No início queríamos realizar um evento para jovens nos moldes do Congresso Brasileiro de Missões, que reúne centenas de pessoas, igrejas e organizações missionárias em torno da missão no Brasil. Mas o Vocare se tornou um movimento envolvendo novas gerações de líderes, agências missionárias, igrejas e juventudes cristãs de todos os estados do Brasil. O primeiro Congresso Vocare ocorreu em abril de 2015. De lá para cá, já foram realizadas cinco edições – sempre em Maringá, Paraná, no Centro Universitário Unicesumar.
Os participantes chegam à cidade principalmente em caravanas organizadas por igrejas locais e com o apoio da organização do Congresso são hospedados nas salas de aulas da Universidade transformadas em dormitórios. São quatro dias de intenso trabalho e serviço aos participantes, que saem com uma equilibrada perspectiva vocacional. Até aqui são milhares de jovens que receberam o que há de melhor na programação diversificada e contextualizada: palestras, apresentações musicais, pequenos grupos, oficinas, experiências missionárias, bate-papos sobre vocação e conexões com oportunidades de serviço atuais, entre outras.
Um lugar para orientar
O jovem que participa do Vocare provavelmente já se decidiu em seguir a vocação que Deus o deu, mas ele ainda tem muitas dúvidas sobre o direcionamento, ou seja, qual o próximo passo. Aí o Vocare torna-se ainda mais importante: proporciona orientação pessoal e conecta o vocacionado com a Missão de Deus, através das oportunidades de serviço trazidas pelas agências missionárias. Após o Congresso, o jovem sai motivado e também com opções concretas para o exercício de sua vocação.
O Vocare ajuda a responder as perguntas guardadas há muito tempo no coração dos vocacionados. Foi o caso da Amanda, 23 anos de São Paulo: “Eu vim buscando um direcionamento de Deus da parte de missões, e foi tudo muito incrível, o louvor na praça, as oficinas, vivências missionárias, tudo maravilhoso”.
Também aconteceu com Adriciane Portela, 23 anos de Blumenau, que conta sobre a crise que enfrentava com sua formação de Bacharel em Direito, quando participou do Vocare: “Chegando ao evento, eu conheci diversas organizações missionárias que trabalham na área jurídica. Conheci a Missão Mais e a Compassiva, que trabalham com refugiados. Naquele momento, fiquei muito impactada com a realidade de ser um refugiado. A partir daquele momento, decidi voltar para minha cidade em Santa Catarina e continuar estudando o assunto como meu tema acadêmico de conclusão do curso. Eu pesquisei sobre o acolhimento de refugiados no Brasil e o papel das organizações missionárias na cooperação com o Estado ou até fazendo mais que ele em alguns casos. Na minha pesquisa acadêmica tomei o exemplo de Jesus Cristo e sua relação com o tema dos refugiados. Continuo estudando sobre fluxos migratórios, direito internacional e direitos humanos. Depois disso recebi uma bolsa de estudos do Programa de treinamento direcionado a estudantes de graduação e recém-formados em Direito, organizado pela Associação Nacional de Juristas Evangélicos. E pensar que tudo isso começou no Vocare”. Hoje Adriciane é uma das voluntárias no Vocare.
Entre as dúvidas sobre vocação, está o risco de idealização, ou seja, de se buscar algo irreal, ilusório, como se fosse uma projeção psicológica para fugir da dura vida real. Contra isso, os jovens têm a possibilidade no Vocare, por meio do HangOut, de conversas reais e francas, em um ambiente individualizado, para que Deus traga discernimento às suas mentes. As preleções também trazem luz ao nevoeiro de pensamentos. “O campo missionário não é um lugar ideal, mas um lugar de obediência”, disse Ziel Machado, um dos preletores na primeira edição em 2015. “O chamado de Deus é poderoso e nos consome”, afirmou Luke Greenwood, jovem músico, missionário e filho de missionários, que compartilhou sua busca por descobrir seu papel no reino de Deus. Ele trabalha com jovens urbanos e por meio do rock pesado, anuncia o Evangelho. “Da mesma forma que um carpinteiro é vocacionado para trabalhar com madeira, os vocacionados são chamados para fazer alguma coisa. Se isto é feito perto ou longe, no Brasil ou além-mar, não é definido pela vocação, mas sim pelo direcionamento de Deus”, afirmou Ronaldo Lidório, pastor e missionário entre indígenas brasileiros.
Um renovo jovem no Movimento missionário brasileiro
O Movimento Vocare já é reconhecido no Brasil por lideranças na área de missões como uma iniciativa bem-sucedida de mobilização e conexão de jovens na Missão de Deus. Um dos seus méritos é não propor caminhos reducionistas para a vocação, mas sim potencializar todos as direções vocacionais dadas por Deus. Assim, o Vocare ajuda o jovem a ver a amplitude do seu chamado. Se considerarmos o número de adolescentes e jovens no Brasil (cerca de 47.3 milhões),[2] podemos dizer que o potencial de movimentos como este é imenso e que podem tornar-se responsáveis em longo prazo por mudanças no Movimento Missionário.
Analzira Nascimento, missionária da Junta Batista de Missões Mundiais e uma das fundadoras do movimento lembra que o Vocare surgiu da necessidade de renovação das lideranças e do próprio movimento missionário brasileiro, que aliado à juventude se interessou em trocar experiências. Disse ela: “o Vocare veio para ser um diálogo com a juventude, uma nova linguagem e uma proposta que trabalha com um sentido de vida e a razão de estarmos no mundo”.
Para Cassiano Luz, missionário da SEPAL, diretor executivo do Instituto Missional e presidente da AMTB[3] na época de criação do Vocare “tínhamos o foco de ‘unir para fortalecer’. O Vocare então veio exatamente para cumprir isso ao conseguir unir diferentes pessoas, de diferentes lugares, de diferentes gerações”.
“A importância de um espaço como o Vocare, que conecta os jovens com as agências missionárias, é vital, justamente porque faz uma transição geracional. A juventude não precisa reinventar a roda; pelo contrário, já existe um rico legado, e no Vocare temos a oportunidade de conhecer práticas missionárias, reflexões missiológicas e teológicas impulsionadoras. O jovem só tem a ganhar participando de um ambiente assim”, enfatizou Davi Lago, pastor, escritor e mestre em Teoria do Direito.
“Hoje os jovens influenciam mais os pais do que os pais influenciam os filhos. Por um lado, isso é bom, mas por outro lado vemos a dificuldade que este jovem que influencia a família, mas não sabe qual a sua vocação, seu propósito e sua missão. Então você perde uma grande potencialidade que o jovem tem na família e que acaba tendo na sociedade. Movimentos como o Vocare, que desperta e conecta isso, que faz jovens ouvirem pessoas mais experientes, se inspirarem, ter um tempo para repensar, sair desse caos do mundo atual para se reconectar, acho que é um grande sopro de esperança para a nação”, disse Fábio Silva, empreendedor social e que já foi recebido pelo Papa Francisco por conta de sua ação com voluntariado.
Espaço de desenvolvimento vocacional
O que começou com um evento tornou-se mais do que isso. Atualmente, o Vocare possui mais de 100 voluntários, a maioria jovens, que trabalham o ano todo para expandir a abordagem do movimento entre igrejas, eventos e mídias sociais. É bem perceptível nesses voluntários a certeza de que o Vocare é uma oportunidade dada por Deus para que aprimorem suas vocações. Alguns deles, após um tempo no movimento, seguiram para campos missionários transculturais na Ásia, na África e Europa.
Esta força voluntária não tem como objetivo a mera promoção de uma ideia, mas, acima de tudo, a construção de relacionamentos com quem busca sua vocação e com quem, de certa forma, pode proporcionar condições favoráveis ou não para que essa busca resulte em decisões práticas como a ida para um campo missionário transcultural. As equipes do Vocare são convidadas a falar em cultos de igrejas locais e eventos interdenominacionais, e a fornecer estudos bíblicos para que o tema da vocação seja discutido em ambientes cristãos.
Além do evento nacional, o Movimento também realiza eventos regionais, como se fosse uma versão mais reduzida. São os chamados Vocare Experience, já realizados no Norte (Belém – PA), no Centro-Oeste (Anápolis – GO) e em breve no Nordeste (João Pessoa – PB). O plano para os próximos anos é intensificar a regionalização do Movimento para que se torne mais relevante, principalmente, em regiões mais distantes dos grandes centros do Brasil.[4]
Compartilhando lições do Movimento Vocare
A trajetória do Movimento Vocare serve como exemplo e ilustra algumas lições para a missão no contexto global. São elas:
Como reconciliar ênfases do conceito de vocação?
As dicotomias sobre vocação podem ser superadas. Quando nos submetemos à “multiforme sabedoria de Deus”, nos dispomos a fazer a sua vontade em qualquer lugar e de muitas formas. Não há um único e exclusivo modelo de se cumprir a vocação. O Movimento Vocare conseguiu unir estas ênfases diferentes da vocação e assim proporcionar oportunidades para o maior número de jovens. Quando falamos da igreja global, este princípio é ainda mais importante: na diversidade de dons, o Corpo de Cristo responde aos anseios da sociedade de forma holística. “Um dos legados do Vocare é quebrar a dicotomia entre vocação e profissão. Todos são chamados para cumprir o propósito de Deus”, enfatiza Weslley Silva, representante da Unicesumar e um dos fundadores do Vocare.
A aproximação entre agências missionárias e jovens vocacionados.
As agências missionárias têm um importante papel no envio de missionários, mas, por vezes, ela se sente isolada em sua função por não conseguir dialogar com as novas gerações. Uma das características do Vocare é construir pontes com as agências para que os jovens possam ultrapassar barreiras. Tendo a AMTB como um grande “guarda-chuva”, quase 40 organizações cristãs trabalham em parceria direta com o Movimento, o que já permitiu o envolvimento de inúmeros jovens no trabalho de muitas agências. “O que faz do Vocare um movimento é que ele não é uma iniciativa de uma única organização, mas de quase 40. Ele é um resultado da unidade do Corpo de Cristo”, disse Rodrigo Gomes, missionário da Missão Base e coordenador geral do Movimento Vocare.
Como trabalhar em unidade para públicos jovens?
Uma característica distinta do Movimento Vocare foi conseguir trabalhar em unidade com organizações missionárias e igrejas. A juventude está sendo cada vez mais ouvida nas decisões sobre os rumos do movimento missionário, e o Vocare tem sua parcela de contribuição nisso, tanto por meio de sua liderança quanto por meio da presença de mais jovens trabalhando nas organizações missionárias e nas igrejas locais. O corpo de Cristo está sendo renovado em sua perspectiva de mundo e de chamado.
Uma característica distinta do Movimento Vocare foi conseguir trabalhar em unidade com organizações missionárias e igrejas. A juventude está sendo cada vez mais ouvida nas decisões sobre os rumos do movimento missionário, e o Vocare tem sua parcela de contribuição nisso, tanto por meio de sua liderança quanto por meio da presença de mais jovens trabalhando nas organizações missionárias e nas igrejas locais. O corpo de Cristo está sendo renovado em sua perspectiva de mundo e de chamado.
Em pesquisa feita pelo Movimento com participantes do Congresso, 61,67% dos jovens afirmaram que o Vocare os ajudou a identificar sua vocação e 55% dos pesquisados afirmaram que já estão envolvidos em ministérios em suas igrejas locais. Com o histórico, iniciativa, testemunho e esses números somos tomados de esperança de que a Missão da Igreja brasileira, por meio do sopro do Espírito Santo, tem sido renovada por uma juventude disposta a negar a si mesmo, tomar sua cruz e seguir a Cristo de forma engajada e apaixonada! Que assim seja!
Notas
1. Movimento Vocare, https://vocare.org.br/ ↑
2. O Brasil tem cerca de 47.3 milhões de jovens entre 15 e 29 anos, de acordo com as projeções do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) levantadas em 2018, https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/25801-nem-nem (acessado em 17 de April de 2020) ↑
3. SEPAL (Servindo Pastores e Líderes); AMTB (Associação de Missões Transculturais Brasileiras) http://www.amtb.org.br/ ↑
4. O Brasil tem um território de 8,516,000km² e uma população de a population of 209.3 milhões, o que o torna o quinto mais país mais populoso do mundo. ↑
Texto originalmente publicado no site de Lausanne. Reproduzido com permissão.
Lissânder Dias do Amaral é jornalista, blogueiro, poeta e editor de livros. Integra o Conselho Nacional da Interserve Brasil e o Conselho da Unimissional. É autor de “O Cotidiano Extraordinário – a vida em pequenas crônicas” e responsável pelo blog Fatos e Correlatos do Portal Ultimato. É um dos fundadores do Movimento Vocare e ajudou a criar as organizações cristãs de cooperação Rede Mãos Dadas e Rede Evangélica Nacional de Ação Social (RENAS).
- Textos publicados: 124 [ver]
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Site: http://www.fatosecorrelatos.com.br
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